Texto Luís Miguel Ricardo
Tocador de vários “instrumentos” artísticos, com qual tens uma identificação maior?
Definitivamente, contador de histórias. Porque toda a minha necessidade de criar e, consequentemente, de me expressar se encaminha para o contar de uma história. Seja no humor, na escrita, na ilustração, na poesia. Assim sendo, num contador de histórias, profissão que para muitos soa estranha ou infelizmente conotada com o contador de anedotas, há uma abrangência de manifestações artísticas que estão implícitas enquanto veículo de algo que se pretende dizer e partilhar. As ferramentas para o fazer é que são variáveis.
Jorge Serafim é natural e residente em Beja. Tem 49 anos, casado e pai de dois filhos. Passou pelo teatro nas companhias Arte Pública e Lendias d’Encantar. Há muitos anos, no "tempo das cassetes", foi locutor de rádio na "Voz da Planície". Depois de ingressar na Biblioteca Municipal de Beja, local onde trabalhou cerca de 12 anos, encarrilou pela profissão de contador de histórias e de mediador do livro e da leitura. Pelo meio, é presença regular em diversos formatos televisivos devido, principalmente, à sua faceta de humorista.
Quando e como aconteceu o “clique” para o universo da arte escrita e falada?
Não sou capaz de identificar uma data, nem um contexto. Sei que desde tenra idade procurei, na cidade, frequentar e assistir a manifestações que me levassem mais além do que minis à boca e moelas em molho de tomate. Desde os 12 anos que sou sócio da Associação para a Defesa do Património Cultural da Região de Beja. Ainda me recordo, nessa idade, de assistir no restaurante Os Infantes a um recital de poesia de Eunice Munhoz acompanhada ao piano pelo maestro António Vitorino d’Almeida. Ainda me recordo das jornadas culturais de outono e da primavera, concertos de música clássica organizados pelo conservatório. Do magnifico trabalho de Jorge Castanho na galeria dos Escudeiros em prol da arte contemporânea. Sei que procurei sempre, por necessidade, atividades que me confrontassem, pois ao fazê-lo sentia que crescia, porque tomava conhecimento com linguagens desconhecidas que me alargavam os horizontes por dentro e por fora.
Dos vários trabalhos desenvolvidos, algum mais marcante?
"Jorge Serafim e as vozes da Cal". Foi um projeto que ambicionei muito. O de pegar na matéria prima que é a narração oral e os contos populares do mundo, e casá-los com músicos, poetas e cantores. Para tal, convidei o Paulo Ribeiro, o Fernando Pardal, o Paulo Colaço e o Jorge Moniz para criar, a partir dos contos e suas temáticas, um espetáculo em que todas as linguagens surgissem em palco como uma só. Assente na força da palavra e em algumas canções que eu já conhecia destes músicos, juntámos Fernando Pessoa, Al Mu’tamid, Francisco Pratas e outros com contos árabes, índios, africanos, etc.
Várias valências artísticas, alguma que seja a predileta?
Nenhuma predileta, porque em todas elas conto histórias.
Enquanto contador de histórias, destacam-se as centenas de sessões que tem realizado pelo país em escolas, bibliotecas, aldeias, vilas e afins, e presença em inúmeros festivais de narração oral na Argentina, Uruguai, Espanha ou Cabo Verde, e as atuações para as comunidades portuguesas na Suíça, Luxemburgo, Canadá, Estados Unidos e Macau. Apaixonado pela escrita e pela arte de escrever, conta com vários títulos na área da poesia, do romance e do livro para a infância e juventude. Dedica-se também, conjuntamente com a sua esposa, à produção de marmelos e à promoção, divulgação e transformação da marca Marmelos Aurora. Segundo diz, na escrita, viver num determinado local é sempre uma fonte, porque ela é "uma resposta ao olhar atento do escritor". Escrever ultrapassa, portanto, as limitações do contexto, porque o próprio se torna uma inspiração ou um motivo para criar. Quanto ao Alentejo, bom, "há um vagar para criar, o que é ótimo, mas não me bastam pastores, ovelhas, sobreiros e copos de vinho na taberna. É demasiado redutor para a criação artística estar aprisionado a uma icnografia sobejamente explorada".
Como surge a sua participação no projeto Tais Quais?
Foi um convite do João Gil que, na altura da classificação do Cante a património da humanidade, pretendeu criar um projeto que o celebrasse. Então, desafiou-me para integrar este coletivo na qualidade de um mestre de cerimónias. De um homem que, em palco, empresta um caráter de informalidade durante as atuações. Pois através das histórias que compartilha, contos, episódios caricatos, e histórias de vida, num diálogo constante com o público, independentemente da dimensão do palco ou do evento, cria uma relação íntima com as audiências.
Da sua carreira, entre os muitos momentos possíveis, Jorge Serafim partilha com o "DA" um episódio ocorrido há 20 anos na biblioteca de Lagos. No final de cada sessão de histórias, numa parede, estava colocada uma folha enorme de papel cenário, onde os alunos teriam de escrever uma opinião. A ideia seria criar um mural de opiniões sobre todas as sessões a que assistiram. Um aluno do quarto ano, depois de ouvir uma hora do conto realizada por Jorge Serafim, escreveu: “Ouvir o Serafim é melhor do que brincar com a PlayStation”. "Ganhei o dia, ficou assente o meu futuro", desabafa.
O que está na “manga” a curto e médio prazo?
Dedico-me à promoção do meu novo livro e à marca Marmelos Aurora. Estamos a criar uma série de produtos derivados do marmelo, que pretendemos comercializar através de uma loja online. E claro, através das plataformas digitais, tenho feito atuações de 'stand up comedy', algumas sessões de histórias, dado e feito formação.
Que ambições moram em Jorge Serafim?
Como artista e como cidadão, ambiciono viver numa região que alargue o seu sonho geométrico. Ao invés de levar uma vida inteira a sonhar com triângulos de desenvolvimento, que ambicionasse quadrados, pentágonos e octógonos para o futuro. Aqui as artes e tudo o que gravita em seu redor, também poderiam ser motivo para fixar e trazer pessoas para a região. A Biblioteca Municipal e a Bdteca e os idos tempos da Galeria dos Escudeiros, comprovaram que as cidades podem construir diferentes valências para serem atrativas para outros públicos. Um homem só escreve com as palavras que conhece”, já o dizia Saramago.