Diário do Alentejo

João Martins: Árbitro

18 de outubro 2019 - 09:50

“Nunca fui pessoa de sonhar muito alto, sou mais de trabalhar mais e melhor para atingir alguma coisa. Sempre foi assim na minha vida pessoal, sempre trabalhei diariamente para conquistar o que fosse melhor para mim. Não sei o que será melhor amanhã, mas sei o que preciso hoje. Preciso de trabalho, dedicação e humildade, para conseguir algo que seja o melhor para mim. Se me focar bem no presente, sei que vou construir um futuro melhor. Sonhos? Não! Se não se tornarem realidade, a dor será muito maior”.

 

Texto e foto Firmino Paixão

 

Mais pragmático seria difícil. O exemplo de uma personalidade vincada, de uma pessoa indisposta a embalar os sonhos, ou a projetar um caminho que, em consciência, julgue inexequível. Tem-se dado bem com a forma como tempera as suas emoções. Do lugar onde nasceu vê o castelo da sua cidade à distância. As vivências da adolescência ter-lhe-ão ensinado que, sem pressa, um dia poderia atingir o topo daquela torre de menagem.

 

João Martins nasceu há 36 anos na cidade de Beja. Jogou futebol em quase todos os lugares do território do seu concelho, aventurou-se na arbitragem, pela via do futebol amador. Mais tarde tornou-se federado, numa idade em que os acessos a níveis superiores já estavam inacessíveis. Mas não desistiu, valorizou-se alargando a sua atividade ao futsal até que, de uma forma muito natural, abraçou também a arbitragem do hóquei em patins, modalidade em que nesta época desportiva se vai estrear na primeira categoria nacional.

 

João Martins orgulha-se deste percurso e lembra: “As minhas recordações de infância são, essencialmente, as vivências que tive no bairro de Nossa Senhora da Conceição. Sou nascido e criado lá, com muito orgulho. Fiz lá muitas amizades, há 30 anos éramos crianças e fazíamos muitas coisas que os jovens de hoje, raramente, saberão o que eram. O bairro da Conceição é um bairro diferente, é algo de especial que nos marca de uma forma muito positiva para o resto das nossas vidas”.

 

O seu trajeto académico teve como ponto de partida a antiga escola primária atrás do Liceu, também a já inexistente escola do Bairro da Conceição. Intentou uma licenciatura em Engenharia do Ambiente que não concluiu, nem sabe se a concretizará, tal o rumo que a sua vida tomou, com a família já acrescentada e ocupado em três frentes da arbitragem desportiva.

 

Um juiz de muitas causasA primeira delas como jogador de futebol: “Tudo começou na rua, com os miúdos da minha idade, mas joguei mais de 20 anos. Passei por clubes como o Bairro da Conceição, Desportivo de Beja, Cabeça Gorda. No primeiro ano de sénior joguei no Desportivo das Neves, voltei à Cabeça Gorda, mas percorri outros clubes deste concelho, como o Salvadense e o Baleizão. Também fiz o meu percurso como treinador, nas Neves e na Trindade, até abraçar a arbitragem”.

 

Esta sim, a segunda causa, mais exigente do ponto de vista técnico e físico. Nem paixão, nem estilo de vida, tudo aconteceu por acaso: “Quando deixei de jogar futebol fui convidado por uns amigos para abraçarmos a arbitragem nos campeonatos do Inatel.

 

Entretanto, surgiram alguns cursos de formação e eu comecei por tirar o curso de futebol de 11, depois o de futsal, mas a minha idade já não me permitia ter grandes aspirações aos quadros nacionais. Comecei aos 31 anos. Mais tarde surgiu o convite para tirar o curso de árbitro de hóquei em patins, fi-lo e comecei a arbitrar jogos das camadas jovens desta modalidade. Adorei”.

 

Não sendo inédito neste distrito, essa atividade multidisciplinar na arbitragem (Jaime Vieira e António Fialho são outros exemplos) não deixa de ser pouco vulgar, admite: “Chegados a este mundo vamos conhecendo as pessoas e vemos que é tudo possível, mas com muito trabalho e dedicação. Eles partilham a experiência e as vivências dos seus percursos, o modo e a forma de sermos melhores, e nós só temos de seguir esses conselhos, essas referências”. João Martins não sabe em que modalidade é melhor árbitro: “Sinceramente, não consigo fazer essa avaliação”. Mas sabe que tem a sua “personalidade e que, até ao momento, tem corrido tudo bem”. “Umas pessoas ficarão mais agradadas, outras menos, é como tudo na vida. Uns dias estarei melhor, outros pior, seja em que modalidade for, porque somos seres humanos”.

 

Uma coisa é certa, João Martins nunca passou uma noite sem dormir, depois de ter dirigido um qualquer jogo. Por outro lado, considera-se um árbitro pedagógico: “Sinto que tenho uma atitude diferente com as camadas jovens do que com os seniores. Não é propositado, mas com os jovens dou por mim a fazer com que eles compreendam a modalidade e as suas regras do jogo”. Sabe que não tem de ensinar nada, porque é o árbitro e, nessa medida, diz: “Tenho é que fazer cumprir as regras, não tenho de as ensinar, mas tento ajudar as crianças de hoje, para que, homens de amanhã, possam ser melhores praticantes e se interessem pelas modalidades, porque, infelizmente, muitas vezes nem sabem as regras. E no hóquei em patins essa falta de conhecimento é gritante”.

 

Se no futebol a barreira dos 30 anos não lhe augurava grande futuro em termos nacionais, no hóquei em patins isso não obstou a que, na última época, fosse promovido ao quadro de primeira categoria nacional. João Martins revela: “Na última época trabalhei de forma igual às anteriores, mas o hóquei em patins tem uma situação ingrata, que é o reduzido número de equipas no sul do País. Tenho colegas que fazem, num só ano, os jogos que eu preciso de três épocas para fazer. Passei os meses de janeiro a março sem saber como me estava a correr a época, depois, não sei se foi com o sol da primavera, os jogos começaram a surgir com mais abundância e a época terminou muito bem”. Melhor não podia ser, na primeira categoria nacional.

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