“Falta-me ganhar um campeonato europeu. Quem sabe se o conseguirei neste ano. O próximo campeonato será em outubro, na Madeira. Gostaria de disputar a prova de 3000 metros. Se tudo correr bem, e se eu mantiver a forma que, ultimamente, tenho demonstrado, acho que terei essa possibilidade. Um título de campeã, de vice-campeã ou o terceiro lugar do pódio já seria muito bom”.
Texto e Foto | Firmino Paixão
A ambição revelada pela odemirense Ana Margarida Lourenço, de 41 anos, docente na Escola Profissional de Odemira, é mais do que legítima. O palmarés que construiu nos últimos 10 anos fala por si. Depois… a entrega, a capacidade de trabalho, a resiliência e a constante procura da superação, justificam, plenamente, um eventual lugar num pódio europeu. E assim esperamos, porque à Ana Lourenço já ouvimos, um dia, a mensagem que, recorrentemente, transmite aos seus alunos: “Podemos ser tudo aquilo que nós quisermos e sonharmos. Temos é de trabalhar para isso. Temos momentos em que custa, momentos em que dói e até choramos. O importante é estarmos focados no futuro e seguirmos em frente”.
Quando perguntámos como iam as corridas, respondeu com simplicidade: “As corridas vão bem. Esta foi uma das melhores épocas de sempre. Consegui bater alguns recordes, um conjunto de boas marcas, registos que me agradaram bastante”. Bons registos, mas não falou dos títulos… “Bom, em maio fui campeã distrital dos 10 000 metros em pista, em novembro tinha conquistado o título de campeã distrital de corta-mato longo, em janeiro fui campeã distrital de pista de inverno nos 3000 metros, em fevereiro fui campeã distrital de corta-mato curto, em março participei nos campeonatos nacionais de pista coberta, onde fui campeã nacional dos 3 000 e dos 1500 metros, nesse mesmo mês consegui o título regional de corta-mato longo e vice-campeã nacional de corta-mato curto”. Já não seria coisa pouca, mas há mais: “Em julho participei nos campeonatos nacionais de pista ao ar livre, onde fui campeã nacional dos 3000 e também dos 1500 metros. Portanto, foi uma época estrondosa”. Uma época em que ninguém a arreda do pódio? “É verdade. Para além das provas populares em que fui participando, em que consegui sempre o primeiro ou o segundo lugar. Foi uma época muito boa, muito feliz”.
Ana Lourenço, quem a conhece e a vê correr sabe que é uma atleta todo-o-terreno, faz estrada, corre em pista, faz corta-mato e até corre na areia, porém, deixe-me adivinhar que é na pista que se sente melhor: “Claramente, assim que piso a pista imponho ritmos muito mais fortes. A areia, para mim, é uma prova em que gosto de participar mas já com uma mentalidade de usufruir, não é tanto pela competição, pois eu não faço treinos de força e, por esse motivo, a areia custa-me imenso”. Então, as suas participações na Corrida Atlântica têm em vista avaliar a capacidade de superação? “Sim, a capacidade de superação e de força, que é uma vertente que eu não trabalho muito. Deveria fazê-lo mas, na verdade, não trabalho muito a força, trabalho mais a velocidade, faço muitos treinos na pista e a verdade é que assim que piso o asfalto ninguém me consegue parar. Às vezes estou a competir com pessoas que no asfalto ficam muito atrás de mim e se competir num trail, ou em areia, as pessoas surpreendem-se porque, de facto, chegam mais perto de mim. Mas é normal, porque eu não trabalho essa disciplina”.
Ana Lourenço é treinada pelo também atleta, e ex-presidente do Núcleo Desportivo e Cultural de Odemira, José Raul. A campeã odemirense admite que desde há alguns tempos a esta parte é a melhor atleta do distrito. “Nesta última época senti isso. No passado, tínhamos a Patrícia Serafim, que representava o Beja Atlético Clube, era e ainda é uma excelente atleta, já representa outro clube, depois, ao nível do Alentejo, temos a Raquel Trabuco, que também é uma atleta de topo, e depois estou eu. Fico muito satisfeita. Para quem iniciou esta atividade há 10 anos, acho que tem sido um percurso excelente”.
Numa saudável e carinhosa provocação, confrontámo-la com o nome de algumas atletas a quem não costuma ganhar nas provas de estrada. Kcénia Bougrova, Emília Pisoeiro e Raquel Trabuco, são as suas “inimigas de estimação”? E a resposta foi a esperada: “Não! Não são. Não tenho essa relação com as atletas que correm comigo e que são minhas adversárias. Acho que elas têm o seu mérito, são pessoas que treinam muito e, por isso, conseguem bons resultados, obviamente que algumas têm mais predisposição para o atletismo do que outras e, por isso, é que estão naquele patamar, mas também acredito que algumas treinam mais do que eu e então têm o mérito de estar onde estão. Na época passada já consegui chegar ao pé da Kcénia mais do que alguma vez teria chegado e só o facto de estar mais próximo já me deixa muito feliz, agora, saber que um dia lhe poderei ganhar, será muito difícil, para já, também é mais nova do que eu. No Grande Prémio José Afonso, em Grândola, ficámos com cerca de 20 segundos de diferença, nunca tinha chegado tão próximo, já me senti satisfeita por ter conseguido chegar tão perto de uma atleta com a notoriedade que ela tem”.
A dois meses da sua presença no europeu, a eventual conquista de um título, ou mesmo de um pódio, serão o prenúncio do final da sua carreira? “Correrei até que as pernas me doam. Essa história de parar é uma coisa que me deixa ansiosa, porque não imagino como será a minha vida sem as corridas. Desde que eu tenha energia para fazer alguma coisa, vou querer sempre fazer, mesmo que não seja para competir, continuarei sempre a fazer qualquer coisa”.
Ana Lourenço explicou, afinal, o que a faz correr: “Comecei por querer recuperar a forma, depois do nascimento das minhas filhas. Depois comecei a perceber que tinha capacidade para ir mais além e fiquei motivada, cada vez conseguia mais e melhor e tornou-se viciante querer alcançar cada vez mais e, então, quando começamos a disputar provas já não somos capazes de parar”. Ainda assim, admitiu ter-se já questionado sobre o que andaria por ali a fazer: “Já aconteceu e conclui que, neste momento, ainda consigo ser exemplo de motivação para muitas pessoas que olham para mim e que nunca pensaram em fazer desporto. Ser um exemplo, sobretudo, para os mais jovens, já é suficiente para continuar a fazer o que faço”.
Com esta ou com outra camisola, tanto faz? “Não! O Núcleo Desportivo e Cultural de Odemira é o meu clube. Representar Odemira é uma coisa que me diz muito. O Núcleo é o clube que me acolheu, que me tem apoiado e acompanhado ao longo do tempo, e não faz sentido que seja de outra forma”, concluiu.