“Quando gostamos, é sempre difícil pormos termo a algo que fizemos, durante tantos anos, sempre com muita paixão e muita dedicação, mas também devemos entender que existe um momento certo para que tudo aconteça e este final de época, na minha opinião, foi o ideal para eu me retirar, e fi-lo após a conquista do campeonato distrital da primeira divisão e da Supertaça, deixando o Vasco da Gama, de novo, no Campeonato de Portugal. Foi a ‘cereja no topo do bolo’”.
Texto Firmino Paixão
Carlos Rato, de 40 anos, ex-guarda-redes do Vasco da Gama, de Vidigueira, pendurou as luvas no final da época passada. Se a decisão foi difícil, o momento em que aconteceu e o sentimento que se gerou quase o levaram às lágrimas.
No último jogo do Vasco da Gama, em casa, com o Messejanense, o treinador substitui-o e de imediato o plantel, dirigentes e adversários fizeram um túnel, junto à linha lateral, para aplaudir o herói que se notabilizou entre os postes de muitos e diferentes clubes da região alentejana.
“Ficaram para trás tantos anos de futebol, tantas vivências em todos os clubes por onde passei (oito no total) que já nem me conseguirei lembrar de tudo, mas o momento, talvez, mais emotivo, foi a despedida que o Vasco da Gama me fez no final da época passada. Foi um momento muito emotivo, muito bonito, mas também muito marcante na minha carreira desportiva. Foi um espetáculo. Ficará eternamente na minha memória”, recordou o guardião, admitindo: “Os lances mal conseguidos, os golos consentidos por culpa própria, esquecem-se no outro dia, às vezes, isso fica ali por umas horas, ou por uns dias, mas depois, com o decorrer dos treinos, conseguimos passar por cima disso, porque a vida continua e os jogos nunca são iguais, mas aquela despedida será inesquecível”.
Para trás ficaram 33 anos de carreira desportiva, em que Carlos Rato conquistou dois títulos da segunda divisão ao serviço do Sporting Clube de Cuba, dois campeonatos da primeira divisão ganhos com a camisola do Vasco da Gama, de Vidigueira, outro título da primeira divisão quando representou o Futebol Clube de Serpa e uma Taça Distrito de Beja conquistada pelo Sporting de Cuba. Uma carreira bonita. Mas tudo tem um princípio e um fim. “Temos de saber sair das coisas pelo nosso pé”, sublinhou, acrescentando: “Já tinha passado por algumas lesões que me atormentavam um bocado. Estou com 40 anos, mas saí, sobretudo, porque entendi que seria a altura certa. Sei que na posição de guarda-redes os atletas costumam ter carreiras mais prolongada, mas eu já vou a caminho dos 41, sentia que, fisicamente, já não estava ao meu melhor nível. As coisas são mesmo assim”.
Tudo começou na sua terra natal, mas não tardou a iniciar um périplo pelo Alentejo: “Saí pela primeira vez do Sporting de Cuba como infantil, fui para os iniciados do Clube Desportivo de Beja e não parei mais. Reconheço que tive um grande professor na baliza, Francisco Crujo, conhecido no futebol por ‘Cagaré’, pessoa a quem ainda hoje estou grato por tudo o que partilhou comigo, pelos ensinamentos e pelos conselhos que me deu. Foi, realmente, uma pessoa que me marcou muito e que me ajudou na carreira que fiz enquanto guarda-redes”. Mas recorda outras figuras: “Tive vários treinadores que me inspiraram muito. Recordo-me, por exemplo, de Jorge Vicente, com quem trabalhei no Desportivo de Beja, foi ele que me fez sair do futebol distrital para jogar na antiga segunda divisão bê, hoje Liga 3. Foi ele que me veio buscar para ir jogar no Atlético Sport Clube de Reguengos de Monsaraz”.
O último dos técnicos com quem trabalhou também mereceu uma menção especial: “Deixei muitos amigos no Vasco da Gama, principalmente, o mister Ricardo Vargas, um grande profissional em tudo o que faz, um amigo que me acompanhou desde as camadas jovens. Desejo-lhe o maior sucesso. Foi um mister que acreditou sempre em mim e eu procurei sempre corresponder à confiança dele”.
Muito forte no futebol aéreo, saía de entre os postes com audácia e confiança. “Quando me iniciei no futebol tinha um certo jeito para o lugar e, pronto, por ali fiquei sempre entre os postes, ao longo do resto da carreira desportiva”, diz, mesmo reconhecendo que a baliza é um lugar chave no futebol: “É uma posição muito ingrata, é preciso estar muito preparado psicologicamente, porque podemos estar a fazer uma grande exibição ao longo do jogo, defendermos tudo o que há para defender e, no último minuto, se tivermos a infelicidade e ‘dar um frango’ cai-nos tudo em cima e somos logo o pior em campo”.
Afinal, Carlos Rato foi mais um dos diamantes saídos do Sporting de Cuba que foram lapidar noutras joalharias. E houve tantos… “Eu chamo ao Sporting Clube de Cuba uma ‘escola’. Nascem aqui e depois vão embora. O clube não os consegue segurar e os jogadores abalam, ainda não identifiquei porquê, mas tem sido assim ao longo dos anos. Mas, na verdade, Cuba foi sempre uma grande escola de futebol”.
A saudade, esse sentimento bem português, ainda vem à flor da pele quando, por mero acaso, encalha com as botas ou com as luvas de futebol. Mas a página irá virar-se. Será, apenas, uma questão de tempo, porque Carlos Rato já foi anunciado como futuro treinador de guarda-redes do Sporting de Cuba. Outra vez de regresso ao emblema da sua terra natal. Uma nova etapa para partilha das aprendizagens que teve ao longo da carreira? “Sim, serei o treinador de guarda-redes da equipa sénior do Sporting Clube de Cuba. O clube precisa de mim e eu também preciso do futebol. Eu respiro futebol, adoro o futebol e, depois, estamos a falar do clube da minha terra”.