Diário do Alentejo

A Escola Superior de Educação, de Beja, quer um desporto mais inclusivo

20 de novembro 2022 - 09:30
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O desporto é um mundo para todos e para todas. Verdade? Absoluta e insofismável! Porém, sabia que, no concelho de Beja, em cada dez praticantes de desporto só dois são mulheres? Sabia que, no universo concelhio de praticantes federados e não federados, existem 72 por cento de homens e só 28 por cento são mulheres? São desequilíbrios que urgem corrigir.

 

Texto Firmino Paixão

 

Como? Vejamos. O Curso de Desporto da Escola Superior de Educação de Beja, no Instituto Politécnico de Beja (IPBeja) já deu um passo, firme e muito relevante, nesse sentido. Um passo no sentido de alterar a cultura desportiva neste concelho e na região sul do nosso território.

 

Uma ideia consubstanciada no “Projecto Como Treinar Raparigas? Acção de Formação Action Girls”. Um programa assente em três pilares, dirigido aos atletas, treinadores, dirigentes e famílias, aqui explicado pelo docente Nuno Loureiro, vice-presidente do IP Beja: “É um projecto realizado pelo Curso de Desporto da Escola de Superior de Educação, que está, também, muito alinhado com a formação e com o Mestrado integrado de actividade física e saúde e que envolve outras colegas que, para além de excelentes investigadoras, são, também, incentivadoras da causa da prática desportiva feminina, como é o caso da Vânia Loureiro, da Bebiana Sabino e da Margarina Gomes”.

 

Nuno Loureiro garantiu ainda que “é um projecto que procura estimular a prática desportiva feminina, que é das mais baixas da Europa. Portanto, as nossas meninas não praticam desporto. E, perante este facto, nós tentámos estruturar uma mensagem, assente num modelo em que procuramos trabalhar com as atletas, com os treinadores, com os dirigentes e com os pais, e que tem por base três pilares: procurar criar um ambiente mais inclusivo, procurar dar voz às raparigas e, o último de todos, dar escolha às raparigas. O projeto assenta numa alteração da cultura existente na nossa cidade, mas também é para alargar à região sul do País”.

 

Eventualmente, uma atitude de discriminação positiva, atalhámos.

 

“Sim, tem que ser considerado uma discriminação”, concordou Nuno Loureiro, sublinhando que “a nossa cultura desportiva é muito assente num modelo masculinizado, as nossas referências são masculinas, os nossos treinadores são masculinos e fazem o decalque absoluto, pela transferência dos exemplos, daquilo que foi a vivência do treinador, a vivência do dirigente, para a prática desportiva feminina. Ora, pelos estudos que nós analisámos e pelos atletas que acompanhámos, uma atleta não é igual, a motivação delas é diferente, a evolução fisiológica é muito diferente, têm que lidar com outra estrutura que não é a do dia-a-dia dos rapazes”.

 

Depois, e não menos preocupante, assinalou que “a cultura que está sugerida à mulher é a da perfeição. À mulher exige-se a perfeição, enquanto ao homem exige-se que arrisque, que seja audaz, que possa ser corajoso. À mulher pedem-se outros valores, que vá com cuidado, que vá segura, mas que seja perfeita”.

 

Por essa razão, adiantou o docente: “Se queremos ter mulheres a desempenhar bem a sua função, temos que lhes mostrar esse caminho, temos que criar alternativas para que elas possam ter melhores condições para praticar, porque o desporto é uma escola de valores, e para que tenhamos, amanhã, melhores líderes femininos, com maior capacidade de cumprirem o seu desígnio, e possuirmos melhores ferramentas para termos, também, uma sociedade melhor”.

 

O Programa “Action Girls” desenha-se por três grandes cenários, ilustrou Nuno Loureiro. “Primeiro, são os treinadores: estamos abertos a trabalhar com qualquer clube, treinadores ou dirigentes, ou qualquer município, ou técnicos de desporto, que tenham essa vontade de criar melhor contexto à prática feminina. Trabalhamos com os nossos alunos, porque eles vão ser os futuros treinadores. Queremos também trabalhar com as jovens que já estão a praticar desporto, porque chegará um momento que será bastante difícil para elas, que é o do abandono, entre os 11 e os 14 anos”. Mas existe um conjunto de fatores para os quais os clubes não estão preparados, esclareceu o docente.

 

“Nós sabemos que podemos ajudar e depois são as próprias famílias que, por um lado, gostam que elas pratiquem desporto, mas que, à primeira oportunidade, as retiram, porque querem que elas invistam na escola. O que nós dizemos é que a gestão do tempo e a maneira como elas procuram conciliar os dois mundos é possível, é desejável e é bom para ambas as partes”.

 

Lembrando a recente formação de equipas femininas em diferentes modalidades, o vice-presidente do IP Beja recordou: “Parece que, na nossa região, as raparigas só podiam praticar desportos individuais e isso sempre nos causou muita expectativa. Temos estado também a trabalhar com o município, para que os dados que eles possuem possam ter uma outra visibilidade e demonstrarmos que só 30 por cento das praticantes são femininas. Há aqui um universo enorme de pessoas que não estão a praticar e que têm que entender que o desporto também é um sítio para elas terem prazer, o sítio onde podem ter amigas e melhorar a sua saúde. É um espaço para elas. O desporto é um mundo para todos e para todas. É um mundo inclusivo, não pode ser um mundo segregador. Temos que combater isso e é o que nos propomos fazer”.

 

Até porque, sublinhou, “as atletas que estão a praticar, passarão por um momento em que questionarão se aquilo é para elas e nós temos que lhe dar ferramentas para, quando chegar esse momento, elas conseguirem superar essa dúvida. Os homens já desenvolveram essas ferramentas, mesmo assim temos um abandono precoce muito grande, em particular no Alentejo”.

 

Por isso, Nuno Loureiro reforçou a nota de que: “Este programa é para elas, dar-lhes voz e fazê-las sentir que não estão sozinhas e que há um espaço que temos que cuidar. Têm que estar no desporto as pessoas certas, não basta só lá estar lá quem quer. Tem que possuir os valores correctos, até porque se podem levantar outras questões, tais como o abuso, seja ele do ponto de vista sexual, emocional ou físico, e nós queremos antecipar esse cenário, chamando a atenção a todas as pessoas, para que a vigilância aconteça e este é também um espaço de mudança. Porque é esse o desígnio do Politécnico, propor mudanças a curto prazo”, concluiu.

 

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