Diário do Alentejo

Espumantes

30 de setembro 2025 - 08:00
O renascimento das bolhas alentejanas: uma viagem pela história e o futuro dos espumantes do Alentejo

A história, a evolução e o futuro dos espumantes do Alentejo – inspirados nos champanhes franceses –, com as temperaturas altas da região como marca distintiva no momento da criação.

 

Texto | Manuel BaiôaFotos | Ricardo Zambujo

 

No coração do Alentejo, onde o sol amadurece vinhas centenárias e a luz dourada molda horizontes infinitos, uma revolução silenciosa borbulha nas caves. Os espumantes – vinhos de celebração e frescura – desafiam o clima rigoroso da região e reescrevem os mapas vitivinícolas tradicionais.

Os espumantes nasceram na região de Champagne, em França, sob condições climáticas adversas de frio, fruto da perseverança humana em transformar dificuldades em excelência. O Alentejo enfrenta desafios climáticos distintos – calor intenso e pluviosidade irregular –, mas há 175 anos que se produzem vinhos espumosos nesta região meridional. Das primeiras experiências pioneiras do visionário João José Le Cocq, em meados do século XIX, aos espumantes da era moderna iniciada no final do século XX, múltiplos caminhos técnicos foram explorados e aperfeiçoados. Com terroirs diferenciados e inovações tecnológicas, como as leveduras encapsuladas – uma tecnologia portuguesa de vanguarda –, o Alentejo demonstra que a tradição e a técnica podem transformar o calor em frescura e o tempo em elegância, escrevendo uma nova página na história dos vinhos com bolhas.

 

História do espumante no Alentejo: o pioneirismo esquecido A história dos espumantes no Alentejo começa muito antes do que a memória coletiva preserva. Recuando até ao século XIX, encontramos na figura de João José Le Cocq (1898-1879) o primeiro protagonista desta narrativa. A partir de 1851 este visionário produziu experimentalmente vinho espumoso na sua quinta do Prado, em Castelo de Vide, utilizando o método champanhês importado de França, onde estudou entre 1822 e 1823.

Le Cocq inovou em várias áreas da agricultura, nomeadamente, no aproveitamento da água e irrigação. Na enologia já usava prensagem separada das castas e vinhas, misturando ou não os mostos consoante o perfil desejado. Gostava de brindar os seus convidados, entre os quais os reis D. Fernando II e D. Pedro V, com a prova dos seus vinhos, comparando-os com os de Champagne, Porto, Madeira e Málaga, que tinha na sua cave. O clima fresco da serra de São Mamede fornecia a acidez natural fundamental para os seus espumantes, elaborados a partir de castas brancas então abundantes na região: Roupeiro, Fernão Pires e Arinto, entre outras. O “Vinho do Prado” espumoso foi apresentado nas exposições universais de Paris e de Londres de 1855 e 1862, sendo, provavelmente, o primeiro vinho português a seguir o modelo da Champanhe, precedendo em quatro décadas a fixação da Bairrada e de Távora-Varosa como terras de espumante.

Em 1888, 12 garrafas de “Vinho do Prado” espumoso da colheita de 1886 custavam 9000 réis no “Catálogo da Secção Agrícola da Exposição Industrial Portuguesa”.

A sua viúva e o seu filho Alfredo Carlos Le Cocq continuaram a produzir vinho na propriedade, mas a chegada tardia da filoxera na década de 1890 ao Alentejo e a morosidade no transporte para os grandes centros dificultou a continuação da produção de vinho espumoso, um produto caro e sensível. Ainda assim, o legado de Le Cocq permanece como símbolo de audácia e inovação.Posteriormente ainda surgiram alguns vinhos espumosos experimentais no Alentejo, como os produzidos em meados do século XX no concelho de Redondo, na casa agrícola de António Queiroga Santos, ou em Borba, pela firma António Mendonça Herdeiros, Lda., pela mão de José Maria Mendonça e do seu irmão Idevor Mendonça, denominados “Caves Montes Claros, vinhos espumantes naturais”.

O renascimento dos espumantes no Alentejo só viria mais de meio século depois, pela mão de Dorina Lindemann. Em 1997, na quinta da Plansel, em Montemor-o-Novo, esta enóloga alemã lançou o “AlXam 1996” – nome inspirado nas palavras Alentejo e Champanhe. Em 2002 a Ervideira avança com a primeira produção de espumante com certificação no Alentejo, sendo atualmente o seu maior produtor. Nos anos seguintes outras casas seguiram este caminho desafiante, lançando espumantes para diversificar o seu portefólio, mas também porque acreditavam no potencial do seu terroir.

 

O terroir do Alentejo: desafios e oportunidades O champanhe nasceu num clima adverso, fruto da persistência humana em superar problemas. Nos séculos XVII e XVIII os invernos rigorosos interrompiam a fermentação, retomada na primavera, libertando o gás carbónico aprisionado nas garrafas e transformando um vinho ácido numa bebida dos deuses. Contudo, muitas garrafas rebentavam com o início da segunda fermentação, gerando prejuízos, até que monges e produtores, como Dom Pérignon, aperfeiçoaram a vedação com rolha de cortiça e arame. Paralelamente, os ingleses introduziram vidro mais resistente, capaz de suportar a pressão. A luta contra explosões e oxidações tornou-se motor de inovação: pupitres de remuage, dosagem e dégorgement consolidaram o método. Assim, entre dificuldades climáticas e acasos controlados, a perseverança humana e o rigor científico fizeram nascer o vinho mais festivo do mundo.

Tendo os primeiros vinhos espumosos nascido e atingido fama num ambiente extremamente frio, a grande questão que ecoa nas adegas é clara: poderá um clima quente dar origem a espumantes de excelência? Se o ceticismo dominou durante décadas, hoje a experiência acumulada de quase três décadas prova que é possível elaborar espumantes de qualidade no Alentejo. Altitude, amplitudes térmicas, solos adequados e uma viticultura adaptada permitem preservar acidez e frescura em condições inesperadas. Da serra de São Mamede à costa atlântica multiplicam-se exemplos de microclimas capazes de sustentar a ambição de “espumantizar o Alentejo”, ainda que o trabalho continue exigente e complexo.

José Portela, enólogo da quinta do Quetzal (Vidigueira), identifica “as temperaturas elevadas” como “o principal desafio dos espumantes do Alentejo”, pois “levam a um amadurecimento das uvas muito rapidamente e a perda acelerada de acidez”. Por isso, muitos críticos afirmam que o clima do Alentejo não é propício à elaboração de espumantes de qualidade. Pedro Ribeiro, CEO e enólogo da Rocim (Cuba), reconhece que “o Alentejo apresenta desafios consideráveis para a produção de espumantes, principalmente, devido ao seu clima quente e seco, que pode comprometer a acidez natural das uvas – um elemento essencial para espumantes frescos e equilibrados”. Contudo, “com uma viticultura cuidadosa e uma escolha criteriosa de castas e locais de plantação (como zonas de maior altitude ou solos mais frescos) é perfeitamente possível obter uvas com o perfil desejado. A nossa opinião é que, embora o Alentejo não seja tradicionalmente conhecido pelos espumantes, tem um enorme potencial, desde que se respeitem as especificidades da região e se aposte na inovação e na técnica”.

Na mesma linha de pensamento, João Maria Portugal Ramos, enólogo e produtor do grupo João Portugal Ramos Vinhos, SA. (Estremoz), reconhece que “o clima do Alentejo, predominantemente, quente e seco, apresenta desafios para a produção de espumantes, sobretudo, na preservação da acidez natural das uvas, essencial para a frescura e equilíbrio do vinho. No entanto, com uma viticultura adaptada – nomeadamente, a escolha de parcelas de maior altitude, solos mais frescos, escolha de clones e castas certas, promoção do ensombramento dos cachos e colheitas antecipadas – é perfeitamente possível produzir espumantes de grande qualidade na região”.

Uma das chaves na produção de espumantes reside na compreensão dos microclimas do Alentejo. Luís Morgado Leão, enólogo da quinta do Paral, em Vidigueira, explica: “É verdade que o Alentejo, pela sua natureza quente e seca, não é a primeira região que se associa a espumantes. Mas também é verdade que o Alentejo não é todo igual. No nosso caso, temos a sorte de contar com a influência da serra do Mendro, que nos dá noites mais frescas e maior amplitude térmica. Isto permite-nos colher uvas com boa acidez natural, mesmo em anos quentes. O desafio é garantir frescura suficiente para um espumante elegante.

 

E para isso antecipamos a vindima, controlamos muito bem os rendimentos e somos exigentes com a seleção das uvas. Acredito que com atenção ao detalhe é perfeitamente possível fazer espumantes de grande qualidade no Alentejo”. Hélder Pinto, gestor de vendas na Morais Rocha (Vidigueira), partilha algumas destas ideias: “Acreditamos no potencial do Alentejo, em especial a nossa sub-região da Vidigueira, para produzir espumantes de excelência.

 

A chave reside na seleção criteriosa de castas, na identificação de terroirs mais frescos e na aplicação de técnicas de vinificação precisas. Temos vindo a demonstrar que com o conhecimento e a dedicação certos é possível obter vinhos base com a acidez e a complexidade aromática necessárias para criar espumantes distintos e elegantes. O clima alentejano, com a sua grande amplitude térmica entre o dia e a noite em certas sub-regiões, nomeadamente, a nossa, pode favorecer o desenvolvimento de aromas finos e uma maturação lenta das uvas, o que é benéfico para a qualidade do espumante”.

 

Filipe Sevinate Pinto (enólogo responsável) e Susana Correia (enóloga residente), da herdade da Figueirinha (Beja), também realçam o facto positivo de as suas vinhas estarem na sub-região de Vidigueira: “Estas contam, por um lado, com um verão quente e seco, mas, por outro, gozam de um microclima único, com as influências da serra do Mendro. Também as amplitudes térmicas entre o dia e a noite, bem como o nosso solo franco-argiloso com zonas de calcário ajudam a otimizar a quantidade de ácidos nos bagos que é imprescindível para a elaboração de espumantes de elevada qualidade”.

Para além da serra de São Mamede, da serra do Mendro e do planalto de Estremoz e Borba, outros terroirs começam a traçar o seu caminho. A costa atlântica do Alentejo oferece condições únicas.

 

O espumante “Vicentino La Mer” beneficia do facto de as vinhas do “Vicentino” localizarem-se privilegiadamente sobre a costa alentejana, gozando tanto do sol português como da brisa atlântica, onde as elevadas temperaturas alentejanas são atenuadas pelo Atlântico, criando vinhos onde a elegância se sobrepõe ao vigor.

As práticas vitícolas adaptadas ao microclima do Alentejo são essenciais para elaborar espumantes de qualidade. Para Marta Maia, enóloga da Santa Vitória (Beja), “o maior desafio é certamente encontrar o ponto de maturação e colheita da uva, pois, para ter uma boa base de espumante, precisamos que a uva tenha acidez bem elevada, mas ao mesmo tempo já tenha alguma concentração de compostos aromáticos”. Filipe Sevinate Pinto e Susana Correia apostam “na manutenção de um bom coberto vegetal que proteja a uva do sol e das temperaturas que se fazem sentir e uma preocupação acrescida com o momento ótimo da colheita, de forma a garantir níveis ótimos de açúcares e ácidos nos bagos.

 

A colheita é realizada de madrugada, assegurando a entrada das uvas na adega com elevada frescura”. Maria Uva, responsável pelo marketing e vendas da herdade da Mingorra (Beja), realça também a preocupação “em manter uma sebe mais vigorosa, com maior proteção do cacho, produtividade média-alta – entre oito a 10 toneladas para garantir acidez e controlo do stresse hídrico”. A equipa de enologia da Fundação Eugénio de Almeida (Évora) reconhece que o principal desafio está na viticultura, na “necessidade de adaptar a cultura a um tipo de produção e maturação específica, mais difícil em latitudes mais baixas. O Alentejo apresenta diferenças (interrregionais e intrarregionais) geográficas e climatéricas, gerando características edafoclimáticas igualmente distintas. A adoção de práticas de viticultura específicas, em conjunto com uma seleção cuidada dos solos, exposição e castas a utilizar, permitem elaborar espumantes de qualidade no Alentejo”.

 

Tentam conduzir a vinha a um tipo de produtividade que se adeque com a vinificação de um espumante de qualidade, próxima “aos 10 000 quilogramas por hectare, favorecendo desta forma a produção de uva com acidez mais elevada e de menor concentração em açúcares, com um nível de maturação aromática suficiente e equilibrada”. António Maçanita, enólogo e produtor da Fita Preta Vinhos, SA. (Évora), tem uma abordagem ligeiramente diferente: “Eu gosto de trabalhar com o clima e não contra o clima, com a região e não contra a região. E seja no rosé, seja no branco, é encontrar as parcelas que são mais aptas para isso. Por isso, nós temos castas que são relativamente produtivas. A monda de cacho é um sítio muito bom para ir buscar acidez, essa passagem que seria um desperdício, em que a uva tem acidez ainda e pouco álcool – isso é uma base dos nossos espumantes. E, depois, utilizar as zonas que seriam menos propícias para tintos e brancos, os fundos onde as vinhas são mais produtivas e usar essas vinhas para aptidão de espumante”. Por isso, “em vez de trabalhar vinhas para espumante, é ver que vinhas são mais aptas para espumante. Por isso, reforço, um Aragonês numa zona de mais fertilidade ia dar muito trabalho para fazer um tinto, e para espumante é natural. É mais assim que pensamos: usar as vinhas que temos, que existem, usá-las para o espumante”. A herdade da Barbosa (Portel) tem uma abordagem semelhante, conforme confidenciou a gestora de projeto, Polina Dziuba: “Fazemos uma vindima muito precoce das uvas com valores de acidez muito altos, pH muito baixos, e uma concentração de açúcares baixa. Desta forma constituímos uma boa base e deixamos uma carga nas videiras que originarão grandes vinhos (…), com a produção equilibrada. É como se realizássemos uma colheita em verde”.

 

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As castas utilizadas desempenham também um papel fundamental para obter uma boa base de espumantes. Óscar Gato, enólogo da adega de Borba, realça o facto de utilizarem “as castas Arinto e Alvarinho, duas castas de excelente acidez e baixo pH. Claro que depende do terroir onde estão instaladas, o que faz toda a diferença nas características ótimas pretendidas para preservar a frescura. Vinhas com exposição a norte em solos menos férteis conseguem dar melhor resposta às características referidas, além do cuidado obrigatório de planear uma vindima precoce e manuseamento das uvas até à adega”. A casta Arinto adquire um grande protagonismo nos espumantes brancos alentejanos (presente em nove espumantes), pela “sua excelente acidez natural e neutralidade aromática, que conferem um elevado potencial de evolução em garrafa”, segundo a equipa de enologia da Fundação Eugénio de Almeida.

 

As castas complementares mais usadas são a Alvarinho, a Chardonnay e a Antão Vaz. Nos espumantes rosés o destaque vai para variedades não tintureiras, como a Touriga Nacional (presente em cinco espumantes) e a Aragonez (em quatro). Paulo Vareia, enólogo da Monge & Filhas – Vinhos de Serpa, disse que apanham estas castas numa fase precoce, assegurando “acidez” e conseguiram “ir buscar aromas de frutos vermelhos e pastilha de morango ao Aragonez e o caráter floral da Touriga Nacional”.

Nuno Gonzalez, enólogo na herdade da Malhadinha Nova (Beja), realça a questão da consistência dos espumantes alentejanos: “Na origem de um espumante de qualidade está necessariamente um bom vinho base, que, atendendo às características do nosso clima, nem sempre é possível. No entanto, em alguns anos, falando no nosso caso, temos vinificado o nosso vinho base com parâmetros analíticos que roçam a perfeição, seja em termos de maturação, pH e acidez total. Desde o início do nosso projeto do espumante, em 2014, apenas espumantizámos as seguintes colheitas: 2016, 2017, 2021, 2023 e 2024. O maior desafio para nós é, sobretudo, em termos de consistência que está intimamente ligada à qualidade intrínseca de cada vindima”.

Nelson Rolo, enólogo da Ervideira (Reguengos de Monsaraz), é possivelmente o técnico alentejano com maior experiência na vinificação de vinhos espumosos e o que vinifica mais litros. Resume os três aspetos fundamentais de uma viticultura rigorosa para a produção de grandes espumantes: “A escolha das castas, o acompanhamento do ciclo vegetativo e a escolha da data de vindima”.

 

Método de espumantização: a batalha das leveduras Todos os produtores alentejanos que apostam na qualidade optam pelo método clássico, também conhecido como método tradicional, com segunda fermentação em garrafa. Existe ainda o método “Charmat”, em que a segunda fermentação ocorre em tanques de aço inoxidável pressurizados em vez de garrafas individuais. O método clássico, nascido na região da Champagne, transforma uvas em bolhas de celebração, garantindo perlage fina, mousse cremosa e complexidade aromática.

Tudo começa ao colher-se uvas com pouco álcool provável para garantir frescura e acidez. Após a prensagem suave e a fermentação obtém-se o vinho base, seco e ácido. A seguir pode ocorrer a assemblage, em que o enólogo mistura diferentes vinhos para criar equilíbrio. Com a tiragem, adiciona-se vinho, leveduras e açúcar na garrafa, provocando a segunda fermentação, em que o gás carbónico se aprisiona. As leveduras convertem o açúcar em álcool e dióxido de carbono, criando as características bolhas do espumante. Após a fermentação, as leveduras morrem e formam sedimentos no fundo da garrafa.

 

Durante o período de envelhecimento sur lie (sobre as leveduras e outros compostos da uva), que pode durar de nove meses a dezenas de anos, ocorre o processo de autólise. As células mortas das leveduras libertam enzimas que se decompõem, conferindo aos espumantes com estágios prolongados aromas complexos de brioche, pão tostado e fermento. Para concentrar os sedimentos no gargalo, as garrafas são gradualmente giradas e inclinadas. Este processo chamado remuage (girar e inclinar as garrafas) permite que todas as borras se depositem junto à rolha, preparando o dégorgement.

 

O gargalo da garrafa é congelado, formando um cubo de gelo com os sedimentos. A garrafa é então aberta e a pressão interna expulsa naturalmente este bloco gelado, deixando o espumante límpido. Passa-se, então, para a dosagem e finalização: adiciona-se o licor de expedição – uma mistura de vinho e eventualmente açúcar que determina o nível de doçura final (brut, extra brut, nature, etc.). A garrafa é então arrolhada definitivamente com rolha de cortiça e gaiola metálica muselet. O método tradicional resulta em espumantes de excecional qualidade, com perlage (bolha) fina e persistente, textura cremosa e complexidade aromática única, justificando o seu estatuto como o mais nobre processo de espumantização.

 

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A totalidade dos espumantes enviados para a prova utilizaram o método clássico (também conhecido como método tradicional), com segunda fermentação em garrafa, pois, como afirma Pedro Ribeiro, da Rocim, “acreditamos que é o mais adequado para produzir espumantes de alta qualidade e complexidade aromática. Embora seja um processo mais exigente e demorado permite-nos obter espumantes com uma mousse mais fina e persistente e com maior capacidade de evolução em garrafa. No Alentejo, onde a acidez natural pode ser mais limitada, o método clássico também permite um maior controlo e precisão na elaboração”.

 

Hélder Pinto, da Morais Rocha, concorda: “Utilizamos o método clássico ou ‘Champenoise’, que envolve a segunda fermentação em garrafa. Consideramos este método o mais adequado para obter espumantes complexos, com bolha fina e persistente”. António Maçanita, enólogo e produtor da Fita Preta Vinhos, SA., explica que procuram ter sempre um vinho de reserva, que serve de “vinho base velho”, que é de “onde vamos fazer a tiragem ou o engarrafamento que vai ser já uma mistura de colheitas com algum envelhecimento”. Utiliza também a espumatização tradicional, na qual quanto mais lenta a fermentação “melhor a bolha e a profundidade”.

A utilização do método clássico é unânime, ainda assim, há uma inovação tecnológica recente que dividiu os produtores em duas filosofias: leveduras livres versus leveduras encapsuladas.

As leveduras livres mantêm os adeptos da tradição. Carlos Ramos, da quinta da Plansel (Montemor-o-Novo), é categórico: “Utilizamos exclusivamente leveduras livres”, diz, justificando que “tem várias vantagens conferidas pela autólise das leveduras após a fermentação: melhoria e aumento da complexidade aromática e gustativa, maior estabilidade e persistência da perlage e aumento da sensação de volume e cremosidade”. Pedro Ribeiro, da Rocim, partilha esta visão: “Na herdade do Rocim usamos apenas leveduras livres” porque “permite maior interação com o mosto/vinho base”, resultando em “maior complexidade aromática” e “autólise mais intensa”, contribuindo para “aromas típicos de espumante (pão, brioche, frutos secos)”. Paulo Vareia, da Monge & Filhas, explica a escolha: “A utilização de leveduras livres pareceu-nos a opção mais razoável porque, de acordo com partilhas com outros enólogos e projetos e algumas provas, pareceu-nos que poderíamos mais facilmente chegar ao produto idealizado devido à maior complexidade”. Segundo a experiência de Nelson Rolo, enólogo da Ervideira, “os resultados obtidos com a segunda fermentação, recorrendo ao método clássico com leveduras livres, são de uma categoria muito superior em relação aos restantes métodos disponíveis.

 

A estabilidade da espuma, a complexidade aromática, aliada à melhor capacidade de envelhecimento e evolução do espumante notória nos espumantes obtido a partir deste método. A autólise das leveduras contribui para este aumento de finesse e elegância, com melhor mousse e um perlage mais perfeito e contínuo”. Nuno Gonzalez, da Malhadinha Nova, é direto: “Na segunda fermentação usamos leveduras livres em vez das encapsuladas, há vantagens e desvantagens no uso de uma ou outra, no nosso caso, uma vez que o estágio sur lie nunca é inferior a cinco anos, achamos que a complexidade aromática e gustativa é superior usando leveduras livres”.

O processo das leveduras encapsuladas é uma inovação tecnológica portuguesa recente e fascinante. São células de levedura envolvidas por uma matriz de alginato de sódio, que formam pequenas esferas que aprisionam as leveduras no seu interior. As leveduras encapsuladas encontram defensores na praticidade. Luís Morgado Leão, da quinta do Paral, justifica: “Usamos leveduras encapsuladas. As principais vantagens prendem-se com a eliminação do processo de remuage e, principalmente, pela fiabilidade da própria levedura, obtendo produto final mais uniforme em termos aromáticos”. Óscar Gato, enólogo da adega de Borba, explica que a utilização das leveduras encapsuladas garantem o perfil organolético do vinho base, mantém a limpidez do vinho na segunda fermentação, as garrafas não necessitam de remuage durante a segunda fermentação (poupança de mão de obra e espaço necessário de armazenagem) e promovem uma maior facilidade no dégorgement, pois permitem a retirada total das leveduras”.

Os tempos de estágio dos espumantes alentejanos variam dramaticamente, desde os nove meses mínimos até aos impressionantes 60 meses da herdade da Malhadinha Nova. Nuno Gonzalez é perentório: “O estágio em garrafa é prolongado, nunca inferior a 60 meses para que o espumante adquira complexidade e personalidade com o tempo sur-lies. Não cremos que espumantes com estágios curtos sejam indicados para diferenciar os espumantes alentejanos dos demais no mercado”.

Em suma, as casas que apostam em estágios curtos e leveduras encapsuladas pretendem apresentar espumantes mais diretos e frutados, com um preço naturalmente mais baixo. As que optam por estágios prolongados e leveduras livres procuram criar espumantes com personalidade vincada, elegantes, cremosos e de grande complexidade organolética, com aromas de panificação, brioche e frutos secos, e bolha fina e persistente, fatores que acabam por ter impacto no preço. No entanto, começam a surgir empresas que optam por estágios mais longos, utilizando leveduras encapsuladas, casos da quinta do Paral ou da quinta do Quetzal, procurando, assim, obter uma maior complexidade dos seus espumantes, com um sistema mais prático e flexível.

 

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Consumo e características: o perfil dos espumantes alentejanos O consumo de espumante em Portugal vive uma revolução silenciosa, com uma tendência de crescimento sustentado. A produção de espumante no Alentejo também tem vindo a crescer nos últimos cinco anos, passando de cerca de 140 mil litros anuais para 240 mil litros (DO Alentejo e IG Alentejano). Ainda assim, representa apenas 0,2 por cento da produção de vinho no Alentejo. As empresas transtaganas ainda fazem anualmente quantidades pequenas de espumante. A Ervideira é, provavelmente, o maior produtor, espumatizando cerca de 40 mil litros anuais. Embora o mais habitual sejam as produções das diferentes empresas andarem entre os 1000 e os 3000 litros.

Tiago Caravana, diretor de marketing da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), explica a estratégia desta organização para o espumante: “A CVRA tem vindo a acompanhar com atenção o crescimento qualitativo da produção de espumantes no Alentejo, um segmento ainda emergente, mas com enorme potencial”. A abordagem “tem sido seletiva e estratégica, procurando posicionar os espumantes alentejanos como produtos distintos e de excelência”.

O perfil do consumidor de espumante está a evoluir. Pedro Ribeiro, da Rocim, identifica “consumidores que valorizam a originalidade e qualidade dos produtos portugueses e que estão abertos a descobrir novas expressões de espumantes fora das regiões mais tradicionais”. Luís Morgado Leão, da quinta do Paral, descreve “um consumidor curioso, que já tem conhecimento vínico, mas que está à procura de algo diferente — algo que surpreenda”.

Segundo a experiência de Hélder Pinto, gestor de vendas na Morais Rocha, a sazonalidade tradicional está a mudar. Embora “a época alta de vendas coincida com os períodos festivos, como o Natal e o Ano Novo”, observa-se “um crescimento constante do consumo de espumantes ao longo de todo o ano”, com destaque para “a primavera e o verão, em que o consumo de espumantes tende a aumentar”.

Os espumantes DOC Alentejo e Regional Alentejano podem ter a categoria de branco, tinto e rosé (ou rosado), com um estágio em garrafa de nove a 12 meses antes da extração da borra. Para obter o designativo de “reserva” terão de ter um estágio em garrafa de 12 a 24 meses e o “grande reserva” um estágio de pelo menos 36 meses. As menções relacionadas com o teor de açúcares são: “bruto natural”, “extra bruto”, “bruto, “extra seco”, “seco”, “meio seco” e “doce”, podendo este último ter mais de 50 gramas de açúcar por litro. Contudo, são nas três primeiras referências que se concentram os produtos de maior qualidade. Para ter o designativo de “bruto natural” terá de ter menos de três gramas de açúcar por litro e sem adição de açúcar depois da fermentação secundária. O “extra bruto” pode ter de zero a seis gramas de açúcar por litro e o “bruto” menos de 12 gramas de açúcar por litro.

Na prova realizada verificamos que a maioria dos espumantes apresenta uma bolha fina e persistente. Os espumantes brancos de estágio mais curto mostram normalmente aromas cítricos e de frutos de polpa branca. Nos rosés surgem habitualmente aromas de frutos vermelhos. Já os que optam por estágios mais prolongados apresentam aromas de frutos secos, pão tostado e brioche. Aqueles que usam leveduras livres pretendem seguir o modelo clássico, com períodos de maturação mais longos, aumentando a textura e a elegância e potenciando os aromas de padaria. Ainda assim, alguns produtores utilizam leveduras encapsuladas com estágios maiores, procurando obter também grande complexidade. Ainda é cedo para tirar conclusões sobre o método que melhores resultados irá trazer às casas alentejanas, mas o uso de leveduras livres exige um caminho de maior comprometimento e rigor para obter resultados a longo prazo.

Talvez o maior problema do espumante alentejano, para além do clima quente, seja não ter ainda um estilo bem definido e identificável pelos consumidores. Ainda anda à procura do seu caminho, entre espumantes mais simples e diretos e espumantes de maior estágio e complexidade. Em relação às castas, a Arinto emerge como a casta branca mais utilizada, confirmando-se pela sua adaptação excecional às condições quentes do Alentejo, onde desempenha um papel importante graças ao seu perfil aromático bastante neutro e à grande capacidade de reter ácidos. Entre as castas tintas, a Touriga Nacional lidera, seguida pela Aragonez.O futuro dos espumantes alentejanos desenha-se promissor. Como conclui Luís Morgado Leão: “O que sentimos é que há cada vez mais abertura para espumantes fora dos centros tradicionais. E isso, para nós, é uma oportunidade.

 

O Alentejo pode (e deve) afirmar-se também nesta categoria, com espumantes que falam da nossa terra com elegância e autenticidade”. Para além disso, o Alentejo deverá concentra-se também nas vantagens de fazer um espumante num clima quente, como salientou António Maçanita. Como o Alentejo “tem calor, tem temperatura, os nossos espumantes são não dosados, não é preciso doce para acompanhar os vinhos, são secos, porque o calor do Alentejo é suficiente para dar equilíbrio, e diria que essa é uma das nossas grandes vantagens como região quente, é ter vinhos com zero açúcar. Para mim agrada-me do ponto de vista filosófico e agrada-me também do ponto de vista nutricional, por isso são menos nove gramas/litro de açúcar do que o clássico bruto champanhês”.

Se na longínqua Champagne o frio extremo obrigou à persistência do homem e deu origem a um vinho lendário, no Alentejo são os verões abrasadores e a chuva incerta que colocam à prova a criatividade dos enólogos. Das primeiras bolhas de Le Cocq aos espumantes modernos de terroir, o Alentejo mostra que a geografia do vinho efervescente está longe de estar traçada. O futuro passa por afirmar a autenticidade regional, explorando as vantagens de um clima quente para produzir espumantes secos, vibrantes e gastronómicos, que se distinguem das referências clássicas. Nas caves onde fermenta o futuro, cada bolha que se forma carrega consigo a promessa de que o sol alentejano pode, afinal, ser cúmplice da mais efervescente das alegrias.

 

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