As crónicas aqui apresentadas, quinzenalmente, dão conta da importância do trabalho desenvolvido pelo Arquivo Digital do Cante. Projeto que conta com o apoio inequívoco da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal) desde a primeira hora. Outros parceiros foram-se reunindo em torno do projeto e tal aproximação tem permitido estreitar laços e desenvolver várias linhas de trabalho, diferenciadas, mas com o objetivo primordial de contribuir para a valorização do cante e dos seus grupos.
O Museu do Cante, sediado em Serpa, é um dos parceiros deste projeto e estando este em mãos com um inventário dos grupos do cante, cujos resultados preliminares foram apresentados há dias num evento público na Casa do Alentejo, achou-se por bem abordar o tema nesta crónica.
O inventário de todos os grupos de cante, levado a cabo, permitirá extrair um vasto conjunto de dados estatísticos que são essenciais para a compreensão do movimento na atualidade. Assim como possibilitará uma análise detalhada, por concelho, dos grupos de cante e aferir, por comparação com o inventário realizado aquando do reconhecimento desta prática cultural como Património Cultural Imaterial da Humanidade, há 10 anos, evoluções e retrocessos.
Estes dados, que serão tornados públicos em breve pelo Museu do Cante, permitirão, assim, quantificar informação, identificar padrões e perceber tendências que validarão preocupações e hipóteses ou forçarão a tomada de medidas. Isto porque a perceção que cada um tem sobre o cante é diretamente influenciada pela informação a que cada um, respetivamente, tem acesso. Logo, assume este inventário particular interesse a todos quantos intervêm e participam nos grupos de cante, bem como a todas as instituições envolvidas.
Se, por um lado, o cante tem hoje uma maior e notória visibilidade, por várias razões de todos conhecidas, a verdade é que os dados preliminares apontam para a existência, aos dias de hoje, de um menor número de grupos de cante alentejano e uma redução significativa do número de cantadores. Os dados já tratados indicam que, comparativamente com 2014, suspenderam ou encerraram atividade cerca de 40 agrupamentos, tendo apenas surgido 20 novos grupos, o que, manifestamente, não colmatou a diferença. Perante este cenário, naturalmente que o mesmo se reflete numa redução do número de cantadores, integrados nos grupos, rondando uma diferença de menos 500 cantadores, na totalidade.
Não obstante, pode concluir-se também que os grupos em atividade, na sua maioria, estarão com um corpo efetivo de componentes (cantadores) menor do que há 10 anos.
Para estes dados terão contribuído diversos aspetos, nomeadamente, a pandemia, que terá acelerado a paragem de alguns grupos, já em agonia nesse período, e que viram na covid-19 o momento ideal para fechar portas. Mas esta não terá sido a única razão.
Aguarda-se, portanto, a apresentação dos dados do inventário realizado de forma a melhor compreender informações tão importantes como: em que territórios se verificou a maior queda do número de grupos? No Alentejo? Em que concelhos? Na diáspora? E quanto ao género, a queda mais acentuada do número de cantadores verifica-se nos grupos masculinos ou nos grupos femininos?
As respostas a estas e a muitas outras perguntas que se querem conhecer são, portanto, fundamentais para os próximos tempos, antevendo que, obrigatoriamente, terão de ser tomadas medidas para inverter a tendência de queda verificada. Até porque, naturalmente, é expectável que, após o reconhecimento de uma prática cultural como património cultural imaterial da humanidade, essa prática ganhe maior expressão e adeptos e não o contrário.
Sendo o Arquivo Digital do Cante também um repositório da memória, foram selecionados dois cartazes de eventos do cante, em que se pode verificar o nome de alguns grupos que, entretanto, terminaram a sua atividade.
Florêncio CaceteCoordenador do Arquivo Digital do CanteCIDEHUS/Universidade de Évoraflorencio.cacete@uevora.pt