Rosa Honrado Calado, diretora da Casa do Alentejo
Fala-se de património da Casa do Alentejo e faz-se de imediato a interligação do palácio seiscentista com a associação regionalista. Isto porque a nossa Casa está instalada num edifício esplendoroso, um palácio seiscentista. Palácio que foi reconvertido, no princípio do século XX (1917-1919), num “club” luxuoso onde o jogo e o dinheiro dos ricos empresários criaram e guardaram ali uma vida dourada, completamente desfasada da realidade portuguesa, quando a guerra e a fome atingiam a maior parte da população.
Este palácio construído, primeiro como solar, no final de seiscentos, pertenceu aos viscondes de Alverca, foi arrendado (com exceção das lojas), em 1917, por um grupo de empresários que após obras radicais assinadas pelo arquiteto Silva Júnior, fizeram dele um clube de recreio e de jogo denominado “Majestic Club”, passando pouco depois a chamar-se “Monumental Club” e assim permanecendo até 1928. O palácio encerrou durante algum tempo, até que em 1932 foi arrendado pelo Grémio Alentejano, coletividade que teve de mudar, nos anos 40, a designação para Casa do Alentejo. Em 1981, um descendente dos viscondes de Alverca vendeu o palácio à associação regionalista.
O visitante, transposta a rigidez da fachada, entra na Casa do Alentejo e tem uma agradável surpresa com a exuberância do seu interior. Subida a escadaria descobre o encantamento do belíssimo pátio árabe que lhe transmite uma frescura mourisca, ornado com varandas, galerias, fonte e tanque circular em mármore e a cúpula envidraçada fornece-lhe uma ambiência luminosa. O visitante encanta-se e quase esquece que aquele imóvel é a sede da associação regionalista do Alentejo.
É evidente que esta ambivalência tem aspetos muito positivos, mas acarreta a grande responsabilidade da manutenção, preservação e divulgação de tão rico património edificado. Se, por um lado, a nossa associação possui, entre as suas congéneres, a mais visitada e admirada sede, há que reconhecer também que tem sido graças ao empenho dos alentejanos que a cultura e o património do Alentejo deram vivência a um vetusto palácio da baixa pombalina. Tornaram-no um edifício público visitado por todos, nacionais e estrangeiros.
Património edificado revela-se aqui em perfeita harmonia com a cultura alentejana, insistentemente preservada e mostrada como património vivo.
Retorna-se ainda ao pátio árabe e conclui-se que ele é o centro, o cenário predileto para os retratistas, espaço de convívio, de boas-vindas, de exposições. Recebe todos e é já um ‘ex-libris’. O seu pavimento foi restaurado em 1999. O visitante vai percorrer o interior das arcadas e é atraído pelo belíssimo toucador das senhoras em estilo “Luís XV” ou pela sala de sócios (sala Lourenço Bernardino), ambas decoradas com pinturas de José Bazalisa. Num plano mais elevado depara com o bengaleiro, que se mantém ainda como uma das marcas dos anos 20. Tendo passado por algum estado de degradação, está hoje totalmente recuperado e iluminado. Ainda neste primeiro piso aproveita para visitar o “Centro Interpretativo”, inaugurado recentemente, em 2018.
Antes de subir ao segundo piso, repara nas placas que preenchem uma parte das paredes e que foram ali colocadas, ao longo de décadas, para homenagearem e perpetuarem a memória dos alentejanos considerados como os mais ilustres. Destaca-se a placa que assinala Jacinto Fernandes Palma como fundador da Casa do Alentejo.
Ao subir a escadaria, que lhe dará acesso ao segundo piso, continua a encontrar lambrins e azulejos hispano-árabes, contempla, agora, um patamar que foi habilmente iluminado por três grandes janelões com vitrais policromados. Neste inesperado espaço mostram-se peças de mobiliário com incrustações de madrepérola.
O visitante entrou no ‘hall’ do segundo andar e surpreende-se com a mudança de estilo. Encontra um ambiente mais intimista onde pinturas naturalistas são rematadas com medalhões de cabeças femininas. Recentemente, este ‘hall’ recebeu um novo sistema de iluminação. À esquerda, avistam-se os famosos salões. O maior, o grande salão dos espelhos, estilo Luís XVI com mobiliário a condizer, teto e pinturas murais da autoria dos irmãos Benvindo Ceia, foi concebido para ser a grande sala de festas do “Magestic” e aí brilharam e rodopiaram as damas em datas festivas. Em 1948, os alentejanos denominaram-no como “Salão Victor Santos” para homenagearem o grande dirigente. Curiosamente, este salão comunica com o principal salão de jogos através de um palco que se abre para ambos os lados. O salão de jogos, o coração do casino, foi decorado com pinturas alusivas, assinadas por Domingos Costa, natural de Campo Maior. No alto do teto aparece suspensa “a fortuna” e os restantes painéis têm um estilo romântico neorrenascença. Para perpetuar a memória do professor Agostinho Fortes foi atribuído ao salão o seu nome.
A grandiosidade destes salões tem sido aproveitada pela nossa coletividade. Considerados ainda como locais requintados são escolhidos para diversos eventos: festas, casamentos, batizados, colóquios, conferências, homenagens, lançamentos de livros, espetáculos, filmagens…Aos sábados à tarde, no “Salão Agostinho Fortes” estão marcadas as tardes culturais com um programa variado onde predomina a festa do Cante alentejano. A entrada é livre e oferecida a todos os visitantes – cortesia alentejana. Aos domingos, uma orquestra, colocada no palco anima os dois salões e proporciona aos bailarinos os famosos e tradicionais “Bailes da Casa do Alentejo”.
Contíguo ao salão “Victor Santos” funcionou um bar, que possui um enorme painel a óleo, cujo tema é uma homenagem à luta dos trabalhadores alentejanos, obra das mais valiosas, da autoria do pintor alentejano Rogério Ribeiro.
Se caminhar noutra direção vai deparar com a “Sala de Olivença”, zona que foi de leitura ou de espera. No presente, é a “Galeria”, onde os artistas expõem quadros e fotografias. Nesta sala há, agora, uma iluminação incidente nas obras expostas e outra que realça o friso de azulejos com ilustrações dos cantos de “Os Lusíadas”, da autoria de Jorge Colaço. Desde há 13 anos que esta sala ostenta orgulhosamente uma placa evocativa do 10º aniversário do prémio Nobel português, placa descerrada pelo próprio José Saramago que, nesse dia 10 de dezembro de 2008, revelou, emocionado, ter uma parte da sua vida ligada à Casa do Alentejo. Podemos afirmar que a placa de homenagem a José Saramago, tal como o painel de Rogério Ribeiro, são duas inestimáveis peças do património alentejano.
Se o visitante quiser degustar alguns pratos típicos da gastronomia alentejana pode optar entre duas salas, ambas bonitas, tranquilas e diferentes. Numa encontra as paredes cobertas com painéis que representam o meio rural português com fainas, romarias e festas religiosas, decoração azulejar de Jorge Colaço. Este espaço foi, nos idos do “Magestic”, sala de bridge e de outros jogos de vasa. Na outra sala, azulejos da primeira metade do século XVII representam cenas palacianas e campestres. É um dos raros espaços que ainda mantém a decoração do palácio secular (…).
Caros sócios e amigos da Casa do Alentejo, oxalá tenham apreciado a visita guiada. Estamos em crer que ficaram encantados e motivados para planearem ao vivo uma boa confraternização, um espetáculo, um convívio, o sabor dum bom petisco, enfim... o que mais vos aprouver. O maldito vírus vai render-se!