Os concelhos de Almodôvar e Odemira tinham, em 2023, taxas de cobertura de creches na ordem dos 40 por cento, das mais baixas a nível nacional. A melhor taxa de cobertura no distrito de Beja, a rondar os 80 por cento, registava-se no concelho de Alvito.
Texto Nélia Pedrosa
Almodôvar e Odemira integram o conjunto de concelhos, a nível nacional, que apresentam as menores taxas de cobertura de creches em 2023 (crianças dos zero aos três anos), segundo revela o relatório “Balanço Anual da Educação 2025”, um trabalho de investigação desenvolvido pelo Edulog, o think thank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, apresentado recentemente. De acordo com o documento, a taxa de cobertura nos referidos concelhos rondava os 40 por cento. Ainda assim, comparativamente a 2021 – ano anterior ao lançamento do programa “Creche Feliz”, que garantiu a gratuitidade faseada da frequência das creches –, o panorama no distrito de Beja registou melhorias. Em 2021 eram quatro os concelhos com taxas de cobertura de cerca de 40 por cento: os também já mencionados Almodôvar e Odemira e ainda Ourique e Serpa.
Ainda em 2023, com taxas na ordem dos 50 por cento, surgem Cuba e Ferreira do Alentejo (que mantêm, sensivelmente, os mesmo valores de 2021) e Ourique e Serpa (que melhoram cerca de 10 pontos percentuais em relação a 2021). De salientar, ainda, o concelho de Castro Verde, que passou de uma taxa de cobertura na ordem dos 50 por cento, em 2021, para cerca de 60, em 2023. A melhor taxa no distrito de Beja, a rondar os 80 por cento, registava-se, no entanto, no concelho de Alvito, sendo seguido de Aljustrel, Beja, Ferreira do Alentejo e Moura, com cerca de 70 por cento.
O estudo sublinha que o programa “Creche Feliz” impulsionou “a expansão da rede solidária de creches, enquanto o setor privado-lucrativo respondeu à procura adicional nas zonas de maior densidade populacional”, contudo, “a creche ainda não é para todos”. Entre 2021 e 2023, “a taxa de cobertura aumentou em 78 por cento dos concelhos de Portugal Continental”, revelam os investigadores, adiantando que “o problema da baixa cobertura manteve-se nas mesmas regiões, mas, em 2023, estava concentrado em menos concelhos”.
O estudo, que olha para a Educação desde a creche até ao ensino superior, adianta, ainda, que entre os anos letivos 2018/19 e 2022/23, com exceção de Aljustrel, Moura e Barrancos (com percentagens abaixo dos três por cento), todos os outros concelhos do distrito registaram um aumento de percentagem de alunos de nacionalidade estrangeira, com destaque para Odemira (na ordem dos 20 por cento).
Analisando os dados por ciclo de ensino, aquele concelho do litoral alentejano apresenta as percentagens de alunos estrangeiros mais elevadas nos cinco ciclos: pré-escolar, 1.º, 2.º e 3.º ciclos e secundário (20 por cento). É de salientar, também, a elevada taxa de alunos de nacionalidade estrangeira no ensino secundário no concelho de Alvito (20 por cento), que corresponde ao ensino profissional.
O concelho de Odemira surge, ainda, em terceiro lugar no top 20 de concelhos com a maior proporção de alunos de nacionalidade estrangeira no ano letivo de 2022/2023, só superado pelos concelhos algarvios de Vila do Bispo e Aljezur, e igualmente na mesma posição no top 20 dos concelhos com a maior proporção de alunos estrangeiros no 1.º ciclo, no referido ano letivo.
Aumento da população imigrante poderá justificar baixa cobertura
Isabel Palma, vereadora da Câmara de Odemira responsável pela área da Educação, sublinha, ao “Diário do Alentejo”, que o concelho “tem características próprias” que poderão contribuir “para essa baixa cobertura” de creches, designadamente, “ser um território muito grande em termos de área – é o maior concelho do País –, o que faz com que tenha muitas localidades dispersas e, se calhar, com escalas que não permitem ter uma resposta de creche”. Há, também, “uma tendência, uma tradição de uma rede familiar e comunitária de apoio à primeira infância”. Para além disso, prossegue, “nos últimos anos [o concelho] teve um grande crescimento da população”. “Tivemos um aumento de 13,3 por cento. Em termos percentuais foi o concelho que mais cresceu. No litoral alentejano é o concelho também com mais nascimentos. Com o reagrupamento familiar começámos igualmente a ter as crianças das famílias dos migrantes e, portanto, temos estas situações em simultâneo. O que depois também aconteceu, e acho que foi algo comum a todo o País, quando as creches se tornam gratuitas até pessoas que tinham outro tipo de resposta acabaram por acorrer às creches”.
A fim de colmatar a falta de respostas, a câmara tem vindo a fazer “várias diligências, no sentido de algumas IPSS [instituições particulares de solidariedade social] deste território aumentarem e criarem novas respostas de creches”, nomeadamente, em Vila Nova de Milfontes, onde “está em construção, financiada pelo PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e pela câmara (com cedência do terreno e apoio a uma parte não comparticipada), uma nova resposta de creche, que vai abrir mais de 110 vagas”. A autarca revela, ainda, que em “meios com menor densidade populacional” muito provavelmente terão de ser equacionados outros “tipos de respostas”. “Temos falado na possibilidade das amas oficiais, uma resposta social prevista pelo Instituto da Segurança Social, mas não tem tido muito sucesso”.
O presidente da Câmara de Almodôvar, por sua vez, salienta que a falta de respostas de creches no concelho “é um problema que se vem agravando desde 2007, 2008”, sendo que, em 2020, o executivo “apercebeu-se” que de facto, “as respostas existentes – uma creche da Santa Casa da Misericórdia e o jardim de infância propriedade do município – não eram suficientes porque houve um fluxo migratório muito grande para Almodôvar, especialmente, da comunidade brasileira”, pelo que deu início ao “projeto de uma nova creche municipal para cerca de 70 crianças”, cujo concurso de empreitada para construção, lançado em abril último, acabou por não ter concorrentes. António Bota avança que, entretanto, foi lançado um novo concurso público para o efeito, com um valor base de cerca de dois milhões e 700 mil euros, “mais 12 por cento” do que o anterior. “Esperamos que desta vez seja aceite por algum empresário. Esta nova tentativa de concurso público com mais dinheiro comprova o nosso esforço para que se consiga mitigar esta dificuldade”, afirma, sublinhando que está convencido de que “a partir de setembro, outubro, a creche estará em construção”.
Em média, “34 por cento” dos alunos em Odemira são estrangeiros
Recorde-se que nos últimos anos a Câmara de Odemira tem vindo a fazer investimentos em várias escolas do concelho, com vista a melhorar e criar novas estruturas escolares “para dar resposta a todos ao alunos e com melhores condições”. No ano letivo que agora terminou – 2024/2025 – o concelho registou, segundo dados da autarquia, “um aumento de 216 alunos” face a 2023/2024, “num total de 3840 alunos nos vários níveis de ensino da rede pública e privada”. Em termos médios, “34 por cento” desses alunos são estrangeiros, sendo que “existem agrupamentos de escolas, como o de São Teotónio, que têm uma percentagem superior, perto dos 50 por cento”, avança Isabel Palma. Um cenário que “cria, naturalmente, muitos desafios”, desde logo “pela língua e cultura muito distintas”, mas que tem “associado uma riqueza cultural muito grande e que não deve deixar de ser referida”. A vereadora frisa, no entanto, que Odemira “recebe alunos estrangeiros há muitos anos”, de países como Alemanha, Israel e do norte da Europa, que se concentram, maioritariamente, no território mais interior e que “têm uma realidade muito distinta” dos alunos migrantes na “zona mais litoral”, originários de países como Tailândia, Nepal ou Índia, e que “são, efetivamente, a maior percentagem”.