De acordo como o Inquérito de Caracte-rização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, em dezembro de 2023 viviam, no distrito de Beja, cerca de 1360 pessoas em situação de sem-abrigo, mais 560 do que em 2022. Autarcas justificam aumento com “alterações” nos critérios de classificação.
Texto Nélia Pedrosa
A 31 de dezembro de 2023 viviam em situação de sem-abrigo no distrito de Beja cerca de 1360 pessoas, de acordo com o Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, da Estratégia Nacional para a Integração das pessoas em Situação de Sem-Abrigo (Enipssa). Comparativamente a 2022, foram identificados mais 560 casos.
Beja, que foi o concelho do distrito que registou maior número de pessoas nesta condição (597), ocupa o segundo lugar a nível nacional, em ex aequo com o Porto e apenas superado por Lisboa. Em terceiro lugar surge Moura, com 559 pessoas. Em comparação com 2022, Beja mantém-se no segundo lugar, embora registe um ligeiro decréscimo de pessoas em situação de sem-abrigo (-66), indo, assim, em sentido inverso à tendência nacional, em que se verificou um acréscimo de 2300 casos. Moura, por sua vez, não constava da lista dos 20 concelhos com maior número de pessoas nesta situação em 2022.
Das 597 pessoas sinalizadas no concelho de Beja, 431 viviam na situação de sem teto (na rua, noutros espaços públicos, abrigos de emergência ou locais precários), o que posicionava este concelho em terceiro lugar na lista dos 20 com maior número de pessoas nesta situação, e 166 (quarto lugar) sem casa (em centros de alojamento temporário, alojamentos específicos para pessoas sem casa ou quartos pagos pelos serviços sociais ou por outras entidades). O primeiro lugar da referida lista era ocupado pelo concelho de Moura, em que a totalidade das pessoas em situação de sem-abrigo estava sem teto.
Ainda de acordo com o inquérito, e no que ao distrito de Beja diz respeito, na listagem dos concelhos com maior número em situação de sem-abrigo por mil habitantes surgem Moura (3.º lugar), com 41,97 pessoas por mil habitantes, a que corresponde, considerando a população residente no momento da realização dos Censos 2021, às mencionadas 559 pessoas; Vidigueira (4.º lugar), com 22,76 (118 pessoas); Beja (5.º lugar), com 17,64 (597 pessoas); Alvito (7.º lugar), com 14,48 (33 pessoas); Castro Verde (10.º lugar), com 7,75 (53 pessoas). Comparando com os dados de 31 de dezembro de 2022, dos cinco concelhos, só Vidigueira, Beja e Alvito eram mencionados no inquérito referente àquele ano.
Comunidade cigana representa maior parte
A vereadora da Câmara de Beja Maria João Ganhão sublinha, em declarações do “Diário do Alentejo”, que das 431 pessoas em situação de sem teto, “cerca de 250” residem “em barracas no Bairro das Pedreiras (47 famílias identificadas: 152 crianças e 94 pais)”, e as 166 sem casa residem “em estruturas de alojamento específicas para o efeito”, nomeadamente, “centro de alojamento de emergência social (CAES), comunidade de inserção, quartos arrendados pagos total ou parcialmente pelos serviços de ação social”. A autarca frisa, ainda, que as cerca de 350 pessoas em situação de sem-abrigo que não residem no bairro “foram identificadas pelas várias equipas (serviço de atendimento e acompanhamento social (SAAS), Segurança Social, associação Estar, Cáritas) durante 2023” e que “este número mais elevado poderá ainda ser explicado pelo fenómeno dos cidadãos timorenses que se iniciou em 2022, e ainda teve expressão em 2023, e também pela operação contra o tráfico de seres humanos que foi desencadeada no final de 2023 em todo o concelho”.
Salientando que o Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (Npisa) de Beja está, neste momento, “a desenvolver um trabalho colaborativo e concertado entre todas as instituições com intervenção na área”, e que “este esforço conjunto visa melhorar o acompanhamento e a integração social das pessoas que se encontram nesta situação”, Maria João Ganhão revela que em janeiro de 2025 “serão disponibilizados dados mais precisos, que se aproximarão da realidade atual”. No entanto, refere, atualmente, “estão sinalizadas 47 pessoas em situação de sem-abrigo e registadas na plataforma nacional da Enipssa, sendo que sem casa são 20 e sem teto 27”, e que 11 destas estão integradas no abrigo de emergência instalado no parque de feiras e exposições de Beja desde 20 de novembro, “devido ao plano de contingência contra o frio”. As restantes encontram-se em estruturas específicas para o efeito, mas também existem pessoas “em casas ocupadas” e outras que continuam a permanecer na rua “por opção, devido a problemas de consumos e/ou saúde mental, recusando qualquer intervenção”. A autarca salienta que “todas as pessoas em situação de sem-abrigo estão a ser acompanhadas por um gestor de caso, o que possibilita um acompanhamento próximo e personalizado, garantindo uma resposta mais eficaz às suas necessidades”.
Lurdes Balola, vereadora da Câmara de Moura, garante, por sua vez, que “a realidade” do concelho “não se alterou”. O que “efetivamente” mudou “foram os critérios para caracterizar” as pessoas nessa situação, “a forma como se olhou para a designação de sem-abrigo”. “Não temos pessoas a dormir nos passeios, nem tendas de campismo montadas no jardim. Temos é população que vive de uma forma menos normalizada, em casas que não estão devidamente legalizadas ou barracas. É a nossa comunidade cigana que permanece no concelho. O registo de indivíduos nesta comunidade vai aumentando progressivamente, mas a realidade não se alterou”, reforça, adiantando que as 559 pessoas sinalizadas sem teto correspondem a “116 casais”.
De acordo com a autarca, o município “tem uma série de medidas de acompanhamento a estas situações precárias”, designadamente, “a equipa do SAAS, que faz um acompanhamento muito próximo das famílias com inúmeras carências”, “uma equipa de apoio às habitações sociais que integra pessoas que carecem de alojamento”, e cuja atribuição vai sendo reorganizada “mediante o agregado familiar e a urgência que apresentam”, e o Moura Habita, “uma medida de apoio financeiro para a requalificação das habitações”.
Em Castro Verde, assegura o vereador David Marques, também nada “se alterou” relativamente a 2022 ou a anos anteriores. Os dados referidos no inquérito dizem respeito “a residentes em núcleos precários que foram catalogados pela primeira vez, por opção de quem fez esse levantamento, como pessoas em situação de sem-abrigo”. Uma realidade “identificada, também, no âmbito da estratégia local de habitação, e que existe em Castro Verde há década e meia ou duas”, realça, especificando que se trata de pessoas da comunidade cigana que “ocuparam uma área que não era habitacional” e que se foram “mantendo”.O autarca garante que o município está atento à situação, mas que a mesma “só se resolverá” com fundos que, “infelizmente, não estão disponíveis da parte do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para esse efeito”. “Fizemos um conjunto de candidaturas, que estão hierarquizadas, mas não temos ainda dotação para qualquer tipo de intervenção que queremos fazer para resolver esse e outros problemas no quadro da estratégia local de habitação”, acrescenta, frisando que a câmara também tem estado “bastante atenta, desde que assumiu a responsabilidade da Ação Social, a situações momentâneas, em que as pessoas ficam sem residência por qualquer motivo”, e que “todos esses casos têm tido um tratamento que permite que no próprio dia haja uma resposta”.
No concelho de Alvito os casos que têm vindo a ser mencionados anualmente no inquérito também dizem respeito à comunidade cigana, adianta a vereadora Odete Mouzinho, que chama a atenção para o facto de, “sendo o concelho um dos mais pequenos do País, a nível de rácio acaba por ter um número de indivíduos de etnia cigana significativo”. Segundo a indicação que tem, serão 18 as pessoas que residem numa zona da vila onde “há cerca de 16 anos, ou talvez mais, se construíram uns abrigos que não são dignos de serem considerados moradias”. A vereadora adianta, no entanto, que não será “fácil” alterar este cenário “por várias questões”: “Temos falta de habitação social e não só, e quem tem casas para arrendar muitas vezes também não quer [arrendar à comunidade]”.
O “Diário do Alentejo” tentou, ainda, obter um comentário junto da Câmara de Vidigueira, mas tal não foi possível em tempo útil.
Cerca de 40 por cento das pessoas sinalizadas estão em situação de sem-abrigo há uma década ou mais
Analisando os dados do Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo para o ano de 2023 referentes ao Alentejo (os números relativos às Nut III não pormenorizam o perfil das pessoas sinalizadas), verifica-se que, em 2023, 46 por cento eram do sexo feminino e 59 por cento do masculino; 39 por cento tinham até 18 anos e 24 por cento entre os 18 e os 30; 56 por cento eram solteiros e 36 por cento casados ou em união de facto; 71 por cento eram naturais do município onde se encontravam a residir; 90 por cento tinham nacionalidade portuguesa; 29 por cento não tinham qualquer nível de escolaridade completo, 17 por cento tinham o 1.º ciclo e 15 por cento o 2.º ou 3.º ciclo. Os mesmos dados indicam que 39 por cento das pessoas se encontravam na situação de sem-abrigo há uma década ou mais, 19 por cento entre um e cinco anos e 17 por cento entre cinco e 10 anos. De referir, ainda, que 78 por cento dependiam do rendimento social de inserção (RSI). No total, o Alentejo registava, em 31 de dezembro de 2023, 2144 pessoas em situação sem teto e 253 sem casa, números muito acima dos sinalizados em 2022 – 1411 sem teto e 114 sem casa. Ainda em 2023, 54 pessoas conseguiram deixar a situação de sem-abrigo, um número inferior ao registado em 2022 (79). A nível nacional, os dados indicam que o desemprego ou precariedade no trabalho, a dependência de álcool ou de substâncias psicoativas e a ausência de suporte familiar eram apontadas como as principais causas para a condição de sem-abrigo.