A Santa Casa da Misericórdia de Beja promove, até ao dia 23, a segunda edição da campanha solidária “Ser Natal”, visando “proporcionar apoio e conforto às pessoas mais vulneráveis” da comunidade. A inicitiva, que decorre às segundas, quartas e sextas-feiras, entre as 19:00 e as 21:00 horas, na praça Diogo Fernandes (vulgo jardim do Bacalhau), em Beja, oferece aos participantes uma variedade de bebidas quentes, como chá, chocolate e leite, acompanhadas de uma ceia simples, que inclui bolos, sandes e outros alimentos.
Texto José Serrano
Pouco passa das seis da tarde quando a carrinha da Santa Casa da Misericórdia de Beja (SCMB) chega ao jardim do Bacalhau, estacionando a poucos metros da grande árvore de luzes coloridas que, em conjunto com a restante iluminação festiva da cidade, faz questão de nos recordar, de forma inequívoca, a quadra que atravessamos. De dentro do veículo é retirada uma mesa, larga e desdobrável, sobre a qual são colocados dois recipientes elétricos, hoteleiros, que aquecem chocolate e café com leite. Numa das extremidades são pousadas uma cafeteira com chá e duas renas de vime, com pacotinhos de açúcar e colherinhas de madeira no interior do seu dorso. Uma pequenina árvore de Natal, com “neve” em todos os seus ramos, junto ao lado oposto da mesa, contextualiza o frio “polar” que, àquela hora, se faz sentir. Um aquecedor vertical a gás, para exterior, é aceso.
Vários homens, maioritariamente, usando kispos, começam, isoladamente ou em pequenos grupos, a aproximar-se da mesa posta. Outros há que esperam a sua vez por debaixo do calorífico, matando o frio que pode indiciar ser sentido, consideravelmente, por alguns deles, a avaliar por certo tipo de calçado que se vê inconveniente para a estação. De barrete encarnado e branco com pompom, por detrás da banca, três técnicas da SCMB, auxiliadas por uma voluntária, servem, amavelmente, bebidas quentes em copos de plástico, distribuem fatias de bolo-rei, sandes, folhados, pão com chouriço, croquetes, pastéis de nata e outros alimentos, dádivas de supermercados da cidade. Doces e salgados são retirados de compridos tabuleiros de madeira, que repousam dentro da carrinha de portas traseiras abertas de par em par, e distribuídos pelos “clientes” presentes, imigrantes oriundos de múltiplos países.
Se já servidos, indianos, marroquinos, paquistaneses, ucranianos, brasileiros, nepaleses, ucranianos, egípcios, conversam entre si, em pequenos grupos de compatriotas, sentados nos bancos por ali existentes, saboreando o reconfortante lanche. Enquanto outros permanecem mais reservados, focados exclusivamente no desfrute da refeição, as técnicas da SCMB indicam, de forma afável, a necessidade de cada um, que se encontra na fila, esperar, pacientemente, pela sua vez de ser atendido e de ninguém se esquecer de colocar os invólucros e os copos no recipiente de lixo ali disponível. O ambiente que se observa é tranquilamente ordeiro e alguém, chegado à sua vez, pergunta se a distribuição é gratuita. “Is free?” – e um sorriso se lhe acende de imediato à resposta afirmativa.
Há mais gente a chegar, uns mais decididos, porventura, repetentes da experiência – que decorre desde o dia 2, às segundas, quartas e sextas-feiras –, outros mais prudentes, possivelmente, na sua primeira aproximação àquela mesa natalícia. A exemplo destes últimos, três mulheres, as únicas ali, de diferentes gerações, a mais recente representada por uma pequena criança, envergando, todas elas, o mesmo tipo de traje de lã clara. Servidas de chocolate quente e bolo-rei, agradecem, verbalmente e com um sorriso, a solidariedade, sentando-se o trio, depois, num dos bancos com vista para a exposição de árvores de Natal, que, em silêncio, admiram.
Na sua segunda edição, esta iniciativa, denominada “Ser Natal”, decorre até ao próximo dia 23, visando “proporcionar apoio e conforto às pessoas mais vulneráveis”. Francisca Guerreiro, coordenadora do Gabinete de Ação Social da SCMB, entidade responsável pelo projeto, acentua que o mesmo “apela ao sentido de comunidade”, convidando todos os cidadãos a partilhar este momento.
Observando que “Beja está a mudar socialmente”, a técnica considera ser importante a participação de todos os cidadãos nessa mudança, invocando a campanha, desta forma, ao convívio e à interação entre a população multicultural da cidade. “Porque hoje quem vive em Beja não são só os bejenses, são pessoas que querem ter oportunidades, que vêm à procura de uma vida melhor e que nós, que somos tão bons anfitriões, devemos acolher”, adianta, considerando que esse “sentido de comunidade” deve ser cada vez mais trabalhado por todos.
Sublinhando a necessidade de a quadra natalícia necessitar de ser vivida, “claramente”, com mais “calor humano” e menos consumismo, é objetivo da iniciativa, que recebe por cada dia que é colocada no terreno a visita de cerca de 40 pessoas, “transmitir algum bem-estar e matar a fome de quem, eventualmente, poderá ter fome”, seja ela de “alimentos, afetos ou de interação com outro ser humano”, mostrando que “Beja é afável, é anfitriã e é uma boa ‘mãe’”.