Diário do Alentejo

Povoado da época romana parcialmente destruído por trabalhos agrícolas

01 de março 2020 - 19:25

O sítio arqueológico denominado Torre Velha 1, em Serpa, foi parcialmente afetado devido a trabalhos de mobilização de uma retroescavadora. A EDIA, no âmbito de trabalhos de monitorização de sítios arqueológicos, detetou o ato lesivo e comunicou-o à Agência Portuguesa do Ambiente. O “encarregado” da propriedade revelou ter procedido à remoção de pedras que ali se encontravam, justificando o ato pelo desconhecimento de que tal “produziria impactos”.

Texto: José Serrano

Uma máquina retroescavadora danificou, recentemente, parte do sítio arqueológico Torre Velha 1, localizado no concelho de Serpa, que preserva vestígios arquitetónicos do período romano e que consta da base de dados de sítios arqueológicos da Direção-Geral do Património Cultural e do Plano Diretor Municipal da cidade. O episódio foi detetado por técnicos da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), no âmbito dos trabalhos de monitorização dos sítios arqueológicos localizados em albufeiras do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), que observaram duas áreas de mobilização de terras no local, efetuadas com recurso a maquinaria, sendo visível, relata a empresa, “a afetação de contextos arqueológicos”. José Pedro Salema, presidente da EDIA, em declarações ao “Diário do Alentejo”, menciona que foram “retirados blocos pétreos da estrutura de proteção, construída para proteger o sítio da ação erosiva provocada pela oscilação das águas da albufeira”.

O responsável refere ainda que o “autor das mobilizações realizou trabalhos em propriedade que não lhe pertence, nem para a qual tinha autorização de entrada”, e que “as atividades lesivas efetuadas decorreram de trabalhos desenvolvidos no local de forma ilegal, por quem não tinha autorização para tal”. Relativamente aos mecanismos de preservação do património arqueológico inventariado no âmbito do EFMA, José Pedro Salema diz que, “embora o garante do cumprimento da legislação vigente por parte das diversas partes envolvidas desempenhe um papel determinante, a vertente pedagógica tem de ter uma relevância cada vez mais acentuada”, e que “a eficiência na preservação do património arqueológico é uma questão que tem de envolver diversas entidades, entre institutos públicos, câmaras municipais, proprietários privados e outros”.

 

A EDIA reportou à Agência Portuguesa do Ambiente, com conhecimento da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), a situação detetada. Ana Paula Amendoeira, diretora da Direção Regional de Cultura do Alentejo (DRC Alentejo), diz que, após ter sido informada pela DGPC do ofício enviado pela EDIA, os técnicos da DRC Alentejo deslocaram- se ao local acompanhados pelo arqueólogo da Câmara Municipal de Serpa e registaram a natureza e dimensão dos factos ocorridos.

 

Durante esta diligência, diz Ana Paula Amendoeira, “o ‘encarregado’ da propriedade informou- nos que procedeu à remoção de ‘moroiços’ de pedras que ali se encontravam, causando o revolvimento de terras e a afetação parcial de contextos arqueológicos”, justificando- se, no local, “pelo desconhecimento” de que a ação “produziria impactos”. A diretora da DRC Alentejo considera que “importa salientar que não se tratou de uma ação decorrente da implantação de qualquer projeto de plantio, mas de uma situação de desconhecimento do impacto que uma operação de regularização de terrenos na propriedade poderia provocar num sítio arqueológico”. Para uma preservação do património arqueológico mais eficiente, Ana Paula Amendoeira esclarece que a administração do património cultural (Direção Regional e DGPC) “tem vindo a trabalhar numa dimensão preventiva e não centrada numa atuação, a posteriori, de natureza casuística”. “Estamos em crer que essa nossa atuação está a ser progressivamente compreendida pela maioria dos agricultores, que, de um modo geral, acolhem e entendem que uma atuação e conhecimento prévio dos valores arqueológicos é fator-chave para a conciliação de interesses”, acrescenta.

A DRCAlentejo tem, diz a responsável, “vindo a trabalhar no sentido, preventivo, de aumentar o diálogo entre a tutela e os municípios, permitindo um conhecimento mais profundo do território e um trabalho permanente de colaboração que permita disponibilizar mais informação aos proprietários para que, na fase de elaboração dos projetos agrícolas, seja tido em conta essa mesma informação”. Ana Paula Amendoeira sublinha ainda a disponibilidade, por parte da DRC Alentejo, de informação sobre o património arqueológico, “prédio a prédio e em toda a região”, e de apoio técnico aos proprietários “de forma a que todo o processo de instrumentação dos processos de legalização dos projetos tenham previstas as ações a desenvolver no âmbito da salvaguarda do património arqueológico e arquitetónico.

 

POVOADO DESENVOLVEU-SE ATÉ AO SÉCULO XI

O sítio arqueológico de Torre Velha 1 corresponde a um povoado rural surgido no final da época romana (século IV), que se desenvolveu até ao período islâmico califal (início do século XI). Apesar de ser considerado uma villae, os trabalhos arqueológicos realizados em 2008, no âmbito do Plano de Rega do Projeto Alqueva, não permitiram esclarecer se se tratava efetivamente de uma villae, devendo antes ser considerado como um núcleo rural integrado no povoamento do fim do império romano que se desenvolveu ao longo do Barranco da Lage. As escavações arqueológicas revelaram vários compartimentos bem estruturados, com pavimentos e com os muros conservados em altura, em construções que se desenvolvem em socalcos, aproveitando a pendente do terreno.

 

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