É reconhecido como um dos mais importantes maestros portugueses da atualidade. Em 2018 e 2019 ganhou o prémio de “Melhor trabalho de música erudita” da Sociedade Portuguesa de Autores. Das suas estreias destacam-se “7 Dances to the death of the harpist”, na Kleine Zaal do Concertgebouw Amsterdam, “Pequenas músicas de mar”, na Purcel Room, em Londres, ou “Concerto Vedras”, na St. Peter’s Episcopal Church, em Nova Iorque. Como maestro já dirigiu, entre outras, a Mahler Chamber Orchestra, a Orquestra Sinfonica Giuseppe Verdi, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e a Orquesta Sinfonica de Castilla y León.
Texto José Serrano
Foi recentemente apresentado, no Cineteatro Municipal de Serpa, o disco “Cante”, uma obra interpretada pelo Ensemble Darcos e pelo Coro Ricercare, sob a direção do maestro e compositor Nuno Côrte-Real. Um trabalho que percorre um caminho exploratório na música e na cultura portuguesas, com canções tradicionais, fruto da recolha realizada por Maria Rita Ortigão Pinto Cortez, cujo trabalho etnomusicológico reuniu, no livro Cancioneiro de Serpa (1994), uma coleção de modas alentejanas da cidade de Serpa.
Qual o principal desafio deste seu trabalho que retrata as modas do cancioneiro tradicional, de Serpa, através de música de câmara?
O grande desafio é pegar na música popular tradicional e transportá-la para outros meios musicais, diferentes dos originários. Pegar neste cante acappella, a duas vozes, e levá-lo para um canto a quatro vozes, para um coro clássico com sopranos, altos, tenores e baixos, acompanhados de um grupo de instrumentos, neste caso piano, dois violinos, viola, violoncelo e contrabaixo. O desafio está em adaptar o cante a um outro universo, não deixando perder as características que o constituem.
Como classifica a capacidade adaptativa do cante, oriundo dos trabalhos do campo e do balcão de taberna, a outros salões menos populares, a públicos mais eruditos?
Toda a música tradicional é adaptável a este tipo de trabalho. O grande objetivo é contribuir para a projeção e difusão do cante, não na sua forma genuína, mas numa adaptação a um público mais vasto, permitindo, neste caso, que qualquer coro, nacional ou internacional, o possa interpretar.
Quais as características do cante que lhe permitem ser, geração após geração, um dos principais traços identitários do Alentejo?
O cante é um tipo de cantar com uma identidade muito forte, impactante para quem ouve e para quem canta. Quando o coro entra e se ouvem aquelas vozes acontece algo de telúrico poderoso, um choque elétrico profundo que nos arrepia, literalmente. Quando oiço o cante oiço as planícies, oiço o horizonte, e tudo isso é muito belo. Aquela ondulação… Musicalmente é uma riqueza, um tesouro. Todas estas características devem influenciar bastante, creio, a sua sobrevivência.
É esta obra uma declaração de paixão ao cante alentejano?
Sem dúvida. Eu vivi até aos três anos e meio em Serpa. Não me lembro desses tempos, mas eles estão em mim. Quando estou no Alentejo há qualquer coisa que me apazigua, o branco da cal… Sou um apaixonado do cante alentejano, das suas maravilhosas, assombrosas, melodias, que me levam muitas vezes, quando as toco ou quando as oiço, a exclamar: “Oh, que belo”.