Diário do Alentejo

Bullying afeta um em cada três crianças e jovens

30 de outubro 2019 - 15:20
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O bullying afeta um em cada três crianças e jovens em idade escolar, segundo os estudos nacionais e internacionais mais recentes, calculando-se que possam estar envolvidos cerca de 150 milhões de indivíduos.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Os dados são avançados ao “Diário do Alentejo” pelo psicólogo Luís Fernandes, da equipa de coordenação do Projeto Outubro – Mês de Prevenção e Combate ao Bullying, que está a promover, até ao fim do mês, um conjunto de atividades em Beja. E adianta que, apesar, de “cada vez mais existir informação no que respeita a este tipo de comportamentos, termos uma sociedade melhor preparada e, principalmente, mais atenta”, o que se verifica na prática é que os casos que são denunciados são apenas a “ponta do icebergue”.

 

“Existem muitos ‘filtros’ até que seja consumada efetivamente a denúncia e formalização da queixa junto das entidades competentes. São muitas vezes os casos mais graves, em que as famílias não desistem de sinalizar a situação, seja na escola, junto do programa Escola Segura, que integram elementos da PSP ou GNR consoante a região do País, ou até mesmo através dos respetivos serviços do Ministério da Educação”, explica.

 

Luís Fernandes adianta ainda que alguns estudos “apontam para uma ligeira diminuição das situações de bullying”, mas, no terreno, não há essa perceção. “Continuamos a sentir que temos um longo caminho pela frente, como tal, nos últimos tempos, temos estado a trabalhar com o Ministério da Educação, mais concretamente com a Direção-Geral de Educação, tendo resultado na apresentação do projeto e campanha nacional Escola Sem Bullying, Escola Sem Violência, na última segunda-feira, 14”. O psicólogo foi um dos especialistas envolvidos no projeto e é corresponsável pela formação a desenvolver junto das escolas públicas de todo o País.

 

Segundo o estudo “Bullying escolar em escolas do ensino básicos e de ensino secundário do Alentejo”, da autoria, entre outros, de António Ricardo Mira e José L. C. Verdasca, ambos da Universidade de Évora, publicado na revista “Educação Temas e Problemas”, em 2017, do ponto de vista da vítima, a agressão verbal aparece no topo da lista das categorias de maus-tratos (36,5 por cento), seguida da exclusão social (24,4 por cento), da agressão física indireta (18,1 por cento) e da agressão física direta (8,3 por cento). Ameaças e chantagens e assédio sexual são as menos frequentes. Na perspetiva do agressor/a as incidências por categoria de comportamento distribuem-se de forma semelhante, “com a agressão verbal a afigurar-se como o tipo de comportamento mais frequente”, seguindo-se condutas de exclusão social.

 

O referido estudo contou com a participação de 750 alunos de sete escolas públicas e duas privadas distribuídas por oito municípios nos distritos de Beja, Évora e Portalegre.

 

Luís Fernandes acrescenta que “nas idades mais precoces” assiste-se “principalmente a comportamentos de bullying verbal e físico” e que “com o avançar da escolaridade os comportamentos vão-se tornando mais camuflados, menos visíveis, sendo o psicológico e o cyberbullying os mais significativos”. O sexual “é o menos frequente e ocorre principalmente na fase da adolescência”. Para o psicólogo, o que deixa mais “marcas” nas vítimas “são, sem dúvida, o psicológico e o cyberbullying, pela grande visibilidade e extensão que pode assumir”. “No caso da nossa região, como acontece a nível nacional, as agressões verbais, no caso dos rapazes, e a exclusão social, no sexo feminino, são dos comportamentos mais comuns no que respeita ao bullying”, reforça.

 

ASPETOS CULTURAIS E SOCIAIS Quanto às diferenças entre rapazes e raparigas no que toca às formas de abuso, Luís Fernandes diz que “continuam a existir algumas possíveis explicações que se relacionam com aspetos culturais e sociais”. Por exemplo, “é mais comum que as vítimas do sexo feminino denunciem as situações de bullying do que os rapazes”. E “alguns miúdos, com os quais trabalhámos ao longo dos últimos anos, referem recorrentemente que quando contaram aos pais a resposta foi ‘Batem-te? E tu não fazes nada?’ ou ‘Se te batem, dá-lhes também!’, sendo verbalizado por muitas das vítimas que a família acha que estes deveriam conseguir lidar e ultrapassar este tipo de ações, principalmente, pelo facto de serem do sexo masculino”.

 

No estudo de António Ricardo Mira e José L. C. Verdasca é referido que alguns investigadores “demonstraram nas suas investigações que as mulheres são mais percetivas, mostram maior empatia e reconhecem melhor as emoções dos outros, o que explicaria uma interação social mais positiva com os outros e o seu menor envolvimento no fenómeno de bullying escolar”.

 

Ainda de acordo com o estudo, as percentagens dos alunos respondentes na condição de testemunhas “são maiores do que as das vítimas e agressores”, o que “é expectável dado que um mesmo caso de agressão pode ser observado por várias testemunhas”. Os autores do estudo consideram que este facto “deveria ser motivo de preocupação porque a exposição à violência em todas as suas manifestações (imitação de modelos agressivos, reforço operante direto dos atos agressivos, reforço vicário através da aprendizagem observacional) é um elemento fundamental através do qual as crianças e adolescentes aprendem comportamentos agressivos”.

 

Luís Fernandes considera, por sua vez, que “o papel das testemunhas é essencial, é o grupo mais importante e que pode fazer toda a diferença”. E adianta: “Se um em cada três crianças e jovens se envolve em situações de bullying, os restantes dois são os que designamos por observadores (que podem ser mais passivos ou interventivos) e se os conseguirmos capacitar para serem agentes interventores e pró-ativos no combate e prevenção deste tipo de comportamentos estamos no bom caminho”. O psicólogo afirma que “é fundamental”, como tem vindo a defender “há muitos anos”, que os mais novos, “protagonistas destas ações agressivas, repetidas, intencionais e onde existe um desequilíbrio de poder, tenham uma voz ativa, sejam parte da solução e não apenas parte do problema”. No seu entender, “para acabarmos ou diminuirmos significativamente os casos de bullying em idade escolar é necessária intervenção adulta, mas as crianças e jovens são quem realmente pode fazer toda a diferença e gerar mudança nos vários contextos onde decorrem os comportamentos de bullying e cyberbullying”. E conclui: “Com a banalização das novas tecnologias e da utilização da Internet, os comportamentos tornaram-se mais complexos de serem detetados, são novos desafios”.

 

Já o estudo de António Ricardo Mira e José L. C. Verdasca acrescenta que “para melhorar as relações e prevenir a violência na escola é essencial incorporar inovações educacionais, nomeadamente, metodologias de abordagem socio-afetivas e de estilo cooperativo”. E conclui que, “em geral, o efeito mais notável do bullying escolar é o desenvolvimento de distúrbios emocionais, como o stresse, ansiedade e depressão, além de problemas de integração do grupo de pares devido ao isolamento e à exclusão social”.

 

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