Diário do Alentejo

Arquivo Digital do Cante será alargado a todo o Alentejo e à diáspora

29 de junho 2025 - 08:00
CCDR Alentejo assina protocolo de apoio técnico, institucional e financeiro ao trabalho historiográfico que está a ser desenvolvido
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Foi assinado nesta semana, em Pias, um protocolo de cooperação entre a CCDR Alentejo e o Arquivo Digital do Cante, que permitirá a este projeto alargar a sua área geográfica de estudo a toda a região Alentejo, bem como à área metropolitana de Lisboa, prevendo-se, assim, constituir-se como mais um importante passo na salvaguarda e valorização deste Património Cultural Imaterial da Humanidade.

 

Texto José Serrano

 

Foi assinado, na passada segunda-feira, em Pias (Serpa), um protocolo de colaboração entre a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR Alentejo) e o Arquivo Digital do Cante – projeto iniciado em 2024 que pretende estabelecer, desde uma antiguidade com quase um século de história até aos dias de hoje, uma “confiável” base de dados, resgatando documentos, fotografias e cartazes, dispersos em vários acervos, capaz de estabelecer, de forma fidedigna, a história dos grupos corais alentejanos e deste género de canto tradicional.

 

De acordo com Ana Paula Amendoeira, vice-presidente da CCDR Alentejo, o acordo visa o “apoio técnico, institucional e financeiro” deste instituto público ao Arquivo Digital do Cante, permitindo-lhe alargar o seu trabalho historiográfico, até agora circunscrito à sub-região do Baixo Alentejo, a todo o Alentejo e à área metropolitana de Lisboa, contribuindo, assim, “para uma maior estrutura e densidade do plano de salvaguarda do cante” enquanto Património Cultural Imaterial da Humanidade inscrito na Lista Representativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Considerando que “os arquivos, de diversa natureza e suporte, são, cada vez mais, domínios críticos e, também por isso, pilares em qualquer política cultural”, a responsável da CCDR Alentejo sublinha a necessidade imperiosa da sua preservação. “Trata-se de arquivos privados, na sua maioria propriedade de associações, casas do povo, grupos informais, pessoas individualmente consideradas, muitas vezes, à guarda de coletividades, sem meios nem capacitação para os salvaguardar. E quando falamos em salvaguarda, são muitas as dimensões que devem ser consideradas – inventário, catalogação, registo, digitalização, conservação e, eventualmente, restauro – e desenvolvidas por pessoas com sensibilidade, formação e amor pela história, pelas raízes, pela autenticidade deste nosso património”, expõe Ana Paula Amendoeira.

Acerca desta demanda documental e do seu, agora, alargamento geográfico e institucional elucida: “Não há história sem arquivos, não há conhecimento sem documentos, sem registo, sem memória. É isso que se pretende, de forma democrática, no Arquivo Digital do Cante, tratando todos com a mesma atenção, sejam grandes ou pequenos acervos, pois não sabemos onde está o ‘graal’ que nos pode iluminar no conhecimento deste importante património da nossa terra alentejana”.

A vice-presidente da CCDR Alentejo crê, ainda, que este acordo, para lá da questão historiográfica, pode vir a dar um novo fôlego ao cante alentejano, na sua capacidade de proporcionar novas abordagens turísticas, culturais e académicas em torno deste património, num desiderato articulado entre a Associação Alentejo, Terras e Gentes, a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), o Centro Interdisciplinar de História, Cultura e Sociedade da Universidade de Évora, o Museu do Cante Alentejano (Serpa) e a CCDR Alentejo, entidades promotoras do projeto de arquivo. “Julgo que este protocolo ajudará a criar uma solidez maior no que respeita aos acervos”, contribuindo, desta forma, “para a autoestima coletiva que advém da valorização da história de todos”, possibilitando, “seguramente, novas abordagens criativas, sólidas e, sempre, com muito respeito pelo rigor do conhecimento”.

Para Florêncio Cacete, coordenador do Arquivo Digital do Cante, este protocolo, que permitirá expandir o projeto inicial a todas as sub-regiões do Alentejo e à diáspora – “vamos, agora, numa primeira fase, para o distrito de Évora, seguidamente para o litoral alentejano, depois para o Alto Alentejo e lá mais para o final do ano iniciaremos o trabalho na área metropolitana de Lisboa” –, irá alicerçar o cante na sua distinção como património imaterial mundial. “Consolidá-lo-á”, na medida em que, a partir de novos arquivos, se trará à luz um conjunto de esclarecimentos de formações conhecidas e de outras, ancestrais e contemporâneas, “por nós já detetadas”, nunca antes referenciadas, que após o trabalho de inventariação se somarão às cerca de 380 referências existentes, entre grupos no ativo e já extintos, reforçando a importância do cante, enquanto prática reconhecida pela Unesco.

Um dos outros objetivos que o protocolo de colaboração contempla é a digitalização áudio de discos de vinil antigos, que estão na posse dos grupos ou de alguns colecionadores particulares, para que se possa trazer esse registo para o domínio público, permitindo perceber “que, efetivamente, ao longo dos tempos, há transformações no cantar”.

Transmitindo que o Arquivo Digital do Cante tem, neste momento, mais de 30 mil documentos já digitalizados, estando, destes, cerca de cinco mil disponíveis na plataforma on line do arquivo (www.arquivodigitaldocante), Florêncio Cacete destaca a capacidade de, através do reforço de equipamento, adendo à assinatura deste protocolo, esse volume de informação poder vir a ser, a curto prazo, significativamente maior, possibilitando a este projeto apresentar-se, de forma progressiva, como “uma referência para quem gosta de cante e para a investigação académica”, constituindo-se, ao mesmo tempo, como “um contributo notável” para a salvaguarda do cante alentejano.

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