Diário do Alentejo

Reportagem: As “ilhas vermelhas” da CDU no Alentejo

12 de outubro 2019 - 14:20

Texto Hugo Teixeira e Rita Ranhola (Lusa)

 

No mapa das legislativas de domingo passado, Avis, no distrito de Portalegre, e Mora (Évora) são os únicos concelhos do país onde a CDU venceu, permanecendo duas ‘ilhas vermelhas’ num mar quase rosa, salpicado de laranja. Apesar de ser hábito conquistara a nível concelhio os diferentes atos eleitorais, desde 1974, nas autárquicas de 2017 a CDU (PCP/PEV) perdeu no ‘bastião’ comunista de Avis a presidência da União de Freguesias de Benavila e Valongo e, nas eleições legislativas de domingo, a coligação perdeu por cinco votos para o PS na freguesia de Avis (PS 274 votos, CDU 269 votos).

 

Dulcinia Pereira é técnica na Biblioteca Municipal de Avis e, em declarações à agência Lusa, atribui mais uma vitória à CDU no concelho pela forma como a coligação está “enraizada” na região e pelo facto de a população ter vivido “tempos muito difíceis” antes e depois do 25 Abril de 1974. A vitória do PS por cinco votos na freguesia de Avis no último ato eleitoral merece também um comentário de Dulcinia Pereira que considera poder estar em causa o “desacreditar” dos jovens na política que a CDU tem desenvolvido. “Há muita gente também cansada da política, a mudar PS/PSD, PSD/PS. Agarram-se a isso e acabam por não ir votar. E quem vota, vota na continuação”, acrescentou.

 

Já o presidente do PS/Avis, Tiago Antunes, atribui a vitória naquele concelho à CDU ao facto de os comunistas passarem a mensagem de que os outros partidos “são inimigos” e que a CDU é a única força política que os defende. “Esta mensagem foi passando e conseguiram criar uma espécie de microclima em Avis, é esta a razão histórica. Por outro lado, a CDU tem instrumentos políticos ao dispor e a Câmara de Avis é um fator com muito peso”, considerou.

 

O presidente do município, o comunista Nuno Silva, diz, por sua vez, que a vitória da CDU no concelho se deve ao “excelente trabalho” da coligação naquele território e que a vitória do PS na sede de concelho poderá estar relacionada com o “efeito geringonça”. “Alguns militantes do próprio partido (PCP) acabaram por não compreender e não aceitaram um pouco esta mesma situação, mesmo tendo em conta o excelente trabalho que a CDU fez”, justificou.

 

O concelho de Mora é outra ‘ilha’ conquistada pela CDU a nível nacional nas legislativas do passado domingo, tendo a coligação liderada pelo PCP obtido um total de 791 votos (34,66%) no concelho, mas o PS não ficou muito distante e alcançou só menos 70 votos, ou seja, um total de 721 (31,6%). E, ao contrário das legislativas de 2015, quando a CDU ‘dominou’ o concelho e saiu vitoriosa nas quatro freguesias que o compõem, agora os socialistas foram os mais votados em duas das freguesias, face aos comunistas: na de Mora, pela diferença de um voto (375 contra 374), e na de Pavia (138 votos contra 121). Os comunistas venceram em Brotas e Cabeção.

 

Luís Simão, presidente deste município de ‘marca’ comunista desde o 25 de Abril, considerou “bons” os resultados locais destas eleições para a CDU, mas admitiu que chegou a passar-lhe pela cabeça que “o PS teria maioria absoluta” e que Mora “acompanharia a tendência de grande crescimento” dos socialistas. “Mas conseguimos manter este pequeno bastião no meio do mapa de Portugal, um concelho em que a CDU continua a ganhar”, saudou.

 

E o PS até acabou por “ter um bom resultado” em Mora, disse, ainda que argumentando que não são comparáveis legislativas - em que “no passado” os socialistas “até já ganharam no concelho” - com autárquicas. “E aqui ainda reina muito a militância. Desde que há eleições que me lembro de ouvir dizer que os velhos vão morrendo e que a CDU vai começar a perder. O certo é que o PS não se tem conseguido impor aqui e temos muita gente nova que se revê no PCP”, acrescentou.

 

Já a única vereadora da oposição na Câmara de Mora, Paula Chuço, independente eleita pelo PS, destacou que, com os resultados das legislativas de domingo, este concelho e o município vizinho de Avis “são quase uma ilha” de cor vermelha num mapa maioritariamente “pintado” de rosa e com zonas de cor laranja. “E Mora é mesmo uma ilha que aqui está e difícil, muito difícil. O desejável era que esta ilha também fosse rosa, mas pronto, não construímos a casa pelo telhado, de que ter os alicerces primeiro e ir construindo a pouco e pouco”, afirmou. A vereadora, desenhadora de construção civil, mostrou-se, apesar disso, satisfeita pelo resultado alcançado pelo PS nestas legislativas e pelas duas freguesias ganhas, o que “tem um sabor positivo e dá mais um bocadinho de força” para trabalhar em prol “da mudança no concelho”.

 

Contactado pela Lusa, Afonso Mendes, proprietário do restaurante O Afonso, na vila de Mora, uma verdadeira instituição gastronómica do concelho, não se quis alongar em comentários, mas, a título pessoal, opinou que “é bom começarem a aparecer outras ideias”, vindas “de outras áreas políticas”.

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