Diário do Alentejo

14 mil utentes sem médico de família no Baixo Alentejo

27 de maio 2019 - 12:00

Texto Aníbal Fernandes

 

Beja (858), Serpa (1150) e Ourique (1415) são os concelhos do distrito de Beja onde, segundo dados do Ministério da Saúde disponibilizados na Internet no presente mês, existem mais utentes sem médico de família atribuído, num total de 3501, o que equivale a cerca de nove por cento dos cidadãos inscritos naqueles três municípios. Já nos concelhos de Odemira (5569), Santiago do Cacém (810), Grândola (1864) e Sines (2635), os utentes sem médico são 10 880, o que equivale a 15 por centos dos inscritos nestes quatro centros de saúde do Alentejo Litoral.

No Alentejo Central são 3048 os utentes sem médico de família, enquanto no Norte Alentejo esse número sobe para 7114. O total nacional é de 750 447 pessoas sem clínico familiar designado, estimando-se que são necessários mais 500 especialistas para resolver o problema.

No passado dia 16 foi publicado em “Diário da República” os despachos dos gabinetes dos ministros das Finanças e da Saúde que autorizavam a abertura de “um procedimento simplificado de seleção”, com o objetivo de recrutar para o Serviço Nacional de Saúde 398 médicos especialistas de medicina geral e familiar com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado. Segundo o despacho da ministra da Saúde, Marta Temido, que distribui as candidaturas pelas várias regiões, o ACES do Baixo Alentejo abriu 18 vagas e o do Alentejo Litoral 10.

Por concelhos, Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines oferecem dois lugares cada um, os mesmos que no distrito de Beja estão disponíveis em Aljustrel, Almodôvar, Castro Verde, Ferreira do Alentejo, Mértola, Moura e Vidigueira, enquanto Alvito, Barrancos, Ourique e Serpa disputam apenas um cada, num total de 28 lugares.

O prazo das candidaturas terminou ontem, dia 23. Segue-se o processo de ordenação dos candidatos e publicação da lista ordenada, a fase da escolha do local e, por fim, a homologação. Segundo a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba), “se tudo correr bem, apenas se saberão os resultados finais no final do mês de junho”.

Pedro Vasconcelos, presidente do conselho distrital de Beja da Ordem dos Médicos, mostra-se cético quanto ao desfecho deste concurso. “Enquanto os incentivos continuarem a ser o que são, não é de esperar que os resultados sejam diferentes”, diz, recordando que no último concurso apenas uma das vagas foi preenchida.

Para o representante da Ordem dos Médicos em Beja, e também ele especialista em medicina geral e familiar, quando “até em Lisboa há dificuldade” em preencher as vagas, em Beja “só por milagre elas terão interessados”. “Mais do que os incentivos salariais”, diz Pedro Vasconcelos, importa oferecer benefícios ao nível dos “impostos, habitação, férias, acessibilidades”, para conseguir atrair os profissionais que a região precisa.

Também Dinis Silva, porta-vos das Comissões de Utentes do Litoral Alentejano, não deposita muita esperança no concurso agora lançado pelo Governo. “Para além de ser um número diminuto para as necessidades, não acreditamos que seja preenchido” diz. “Os incentivos disponibilizados não convencem os profissionais de saúde” a saírem das suas áreas de conforto, acrescenta.

Para Dinis Silva, “há que acrescentar aos incentivos salariais outras benesses, nomeadamente, ao nível das carreiras e facilidades para desenvolverem investigação”.Acresce que, nas palavras do representante dos utentes, “o Sindicato dos Médicos da Zona Sul diz que metade dos clínicos atualmente a exercer funções nos centros de saúde não tem especialização em medicina geral e familiar, e existe uma grande percentagem que está à beira da reforma, o que não nos deixa sossegados quanto ao futuro”, conclui.

 

Os números divulgados pelo Ministério da Saúde dizem que em Ourique existem três médicos para um universo total de 4091 utentes, onde 1415 não têm médico de família atribuído. No entanto, depois da reforma de um clínico em 2018, em janeiro deste ano um quarto médico foi colocado naquele centro de saúde, mas no horizonte perspetiva-se uma nova aposentação.

Marcelo Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de Ourique, olha “com preocupação” para o futuro próximo, e mostra-se “cem por cento disponível” para contribuir para encontrar uma solução para o problema. “Em reuniões com a Ulsba, revelámos a nossa abertura para, por exemplo, ceder habitações aos médicos interessados em trabalhar no nosso concelho”, diz o autarca de um concelho que, ao contrário de outros da região, considera que o problema das acessibilidades não se coloca: “Estamos a hora e meia de Lisboa, relativamente perto do Algarve, e existe uma razoável oferta ao nível do transporte ferroviário”.

Também em Serpa, 1150 utentes, de um total de 13 800, não têm médico de família. Tomé Pires, presidente da câmara municipal, constata que “o Serviço Nacional de Saúde tem vindo a perder um número considerável de profissionais de saúde”. “É uma situação que preocupa a autarquia, em especial porque a população do interior do País está algo envelhecida”, diz o autarca, que aponta o dedo à “falta de investimento no SNS” como grande responsável para esta situação.

“A política desenvolvida pelos sucessivos governos tem promovido as entidades privadas em detrimento do SNS, exemplo disso foi a passagem do Hospital de São Paulo, em Serpa”, diz Tomé Pires, garantindo que, “apesar de não ser da sua competência, o município tem trabalhado para encontrar soluções de modo a levar o atendimento médico às zonas de menor densidade populacional e de mais difícil acesso. Exemplo deste esforço são as obras de manutenção em Pias e Serpa e a cedência de espaços para o atendimento de utentes em Vales Mortos, Santa Iria e A-do-Pinto”, concretiza.

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