Diário do Alentejo

A memória de um passado recente

26 de outubro 2025 - 08:00
Museu Etnográfico de Serpa reabriu no dia 18 ao público
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Encerrado desde 2018, o espaço beneficiou de uma requalificação de cerca de um milhão e meio de euros, com financiamento do Alentejo 2030 a rondar os 700 mil euros.

 

Texto | Ana Filipa Sousa de SousaFotos | Ricardo Zambujo

 

O grande portão de ferro cinzento dá as boas vindas a quem, vagarosamente, passeia no largo do Corro, em Serpa. O edifício, recentemente remodelado, foi construído no século XIX para albergar o antigo mercado municipal. Noventa e oito anos depois, em 1987, voltou a abrir portas como Museu Etnográfico de Serpa e, desde então, funciona como tal.A fachada envidraçada deixa entrar os raios de sol que as temperaturas amenas do mês de outubro trouxeram até ao Alentejo. Encerrado desde 2018 para uma “profunda intervenção” o museu reabriu ao público há cerca de uma semana, no dia 18.Com o “Diário do Alentejo” (“DA”) o presidente da Câmara Municipal de Serpa, João Efigénio, percorreu os corredores e salas do edifício no dia antes da sua inauguração e descreveu minuciosamente o trabalho de requalificação desenvolvido nos últimos sete anos.“Sinceramente, se me perguntarem se [a obra] não devia ter sido mais rápida, a minha resposta é que claro que sim, [mas] há toda uma série de procedimentos que tornaram isto mais lento do que nós gostaríamos”, começa por dizer.Quando se iniciou o projeto, explica o autarca, foi-se detetando algumas “patologias muito graves”, nomeadamente, ao nível da cobertura, que, consequentemente, atrasaram a conclusão da intervenção inicial e tornaram-no “demasiado longo”. “Isto é um edifício de 1800 e qualquer coisa, onde, por exemplo, se vendeu peixe”, relembra.A primeira sala, no rés-do-chão, apresenta um conjunto de painéis eletrónicos com uma videoinstalação sobre o “cortejo, a festa e a devoção” da cidade serpense, da autoria de Francisca Alarcão, Pedro Teixeira, Rodrigo Teixeira e Vicente Molder. Este, segundo elucida João Efigénio, será um espaço destinado a exposições temporárias e que permitirá acolher, a título de exemplo, a mostra de outros ofícios que estão guardados no acervo municipal.“A dimensão do ser humano está aqui bem presente. Qualquer museu em que o ser humano tenha um papel de destaque, com o seu trabalho [e] as suas raízes, é sempre muito procurado”, garante. Para afirmar a cultura serpense, o cómodo seguinte desdobra-se em fotografias e explicações da construção artesanal da cidade com chafariz, abobadilhas, telhados e aquedutos. Ao longo do corredor, a memória do antigo mercado municipal surge, cuidadosamente, nas estantes apresentando-se em forma de balanças, tabuleiros, fogões de lenha, cântaros, alambiques e guizeiras. “Este museu retrata a nossa vida, a nossa história recente. Nós sabemos que quando vamos ao Museu Municipal da Arqueologia também está ali grande parte da nossa história, mas não temos essa sensibilidade e proximidade. Aqui nós lembramo-nos que tínhamos isto ou aquilo na casa dos pais ou dos avós. Aqui sentimos que faz parte de nós muito do que aqui está”, assegura o presidente.No piso superior, agora acessível também por um elevador central, os ofícios alentejanos começam a aparecer. Numa sala, os trabalhos no campo, nas hortas e nos pomares com as enxadas, as sacholas, as arrendadeiras (veículo de tração animal), os arados e os joeiros. Noutra, as serras de fita, os cartelos, os limatões e os serrotes dos antigos abegões e carpinteiros. Dos ferradores aos albardeiros, passando pelos correeiros e cordeiros, pelas costureiras e alfaiates, pelos sapateiros, barbeiros, padeiros e pela própria mercearia e taberna. De forma leve e simplificada as salas transportam os visitantes para o passado, para as lembranças de um tempo não muito longínquo, mas que tende a desaparecer.“As pessoas vão vendo, vão conhecendo e, muitas delas, aparecem nas imagens, porque são de cá. Isto dá uma sensação de pertença [e] de que [o museu] é nosso. É isso que diferencia este de outro qualquer”, assegura João Efigénio.Antes de terminar, o percurso museológico convida a uma visita pelo rio Guadiana com as tarrafas, os camaroeiros e as nassas (armadilha em forma de garrafa), pelos moinhos com as peneiras, as picadeiras e os sacos da farinha e pelos cesteiros e cadeireiros.A azeitona e o azeite, assim como o queijo de Serpa e o mel, também se fazem presentes.Para terminar, a visita retoma ao princípio. Junto à sala de exposições temporárias, a receção apresenta uma grande vitrina com uma linha de produtos para venda criada exclusivamente pelo designer do Museu Etnográfico de Serpa. Uma forma, como afirmam as funcionárias, de sorriso no rosto, de “levar um pouco de Serpa para casa”.

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