Diário do Alentejo

Trabalhadores da Misericórdia de Serpa continuam com pagamentos em falta

24 de outubro 2025 - 08:00
Dívida, anterior a fevereiro deste ano, é “superior a 200 mil euros”, entre salários e subsídiosFoto | Ricardo Zambujo

A situação precária dos trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia (SCMS) está “pior” e, segundo os próprios, não se preveem melhorias. Os funcionários ainda não receberam os retroativos de 2022 e os subsídios de Natal e de férias de 2024 e 2025, respetivamente, e não há “compromisso” se receberão o subsídio de Natal e os retroativos deste ano. No passado dia 17, voltaram a manifestar-se junto ao Lar de São Francisco, em Serpa.

 

Texto | Ana Filipa Sousa de SousaFoto | Ricardo Zambujo

 

De bandeiras na mão, a música de intervenção que se faz ouvir da pequena coluna de som colocada estrategicamente no centro da manifestação é abafada pelas conversas paralelas que surgem. Em frente ao Lar de São Francisco estão mais de três centenas de trabalhadores da SCMS que, entre um cumprimento ou outro aos colegas que vão chegando, desabafam sobres as suas situações laborais.Em causa, conforme noticiado no início de agosto pelo “Diário do Alentejo” (“DA”), estão os contínuos atrasos no pagamento dos subsídios de Natal e de férias de 2024 e 2025, respetivamente, e os retroativos salariais referentes a 2022. Agora, segundo avança ao “DA” o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, Alcides Teles, prevê-se também o não pagamento do subsídio de Natal e os retroativos deste ano.António Carajote é auxiliar de serviços gerais da santa casa da misericórdia desde 2000 e, diz ao “DA”, que não se recorda de uma situação semelhante a esta. Visivelmente transtornado garante que “há quatro anos para cá está uma desgraça” e, por isso, não tem qualquer “esperança” que o problema de resolva.“Agora temos para aí o subsídio de Natal de 2024 que vai ser pago durante três anos com 20 euros por mês, [mas] ao fim e ao cabo não é nada. Eu até posso morrer até lá e, pronto, um direito que tenho deixo-o de o ter”, refere.Sem compreender como é que se chegou a este ponto, o funcionário, que completa 26 anos de serviço em maio, critica a postura que a direção da SCMS está a ter para com os trabalhadores, pois “nós contribuímos, vimos para aqui todos os dias, cumprimos horário, fazemos as nossas obrigações e chegámos ao ponto em que chegámos”.Das mesmas palavras partilha Nélio Rações. O auxiliar de ação direta, integrado na instituição há três anos, reconhece que o alastrar da situação está a tornar-se “impossível”, uma vez que para além dos sucessivos pagamentos em atraso “há pessoas que já saíram” e “começamos a ficar cada vez menos”.“Neste momento não cumprimos os rácios, somos cada vez menos e não se consegue encontrar pessoas para aqui, porque ninguém quer vir trabalhar sabendo que, à partida, não vai receber”, alude. No seu caso, conforme explica, a situação torna-se ainda mais complicada face a sua mulher também ser funcionária da SCMS. “O que sentimos na pele é que nós trabalhamos e queremos receber, [porque] nós temos as nossas contas para pagar ao fim do mês [e] vai chegar um momento em que não vamos conseguir”, afirma.Segundo Alcides Teles, a dívida aos trabalhadores divide-se em duas, ou seja, uma referente “até fevereiro deste ano que está inscrita num PER” (processo especial de revitalização) e outra “de lá para cá”.“Portanto, em vez de se ter regularizado o que se devia, ainda se aumentou a dívida não pagando o subsídio de férias e sem se comprometer a pagar os retroativos do ano de 2025 e o subsídio de Natal”, refere o dirigente sindical.Segundo Alcides Teles, o primeiro valor em falta é “superior a 200 mil euros” e, neste momento, existem trabalhadores “em que a dívida de 2025 também já é superior à dívida que tinham antes”.“O PER vem ajudar, se a misericórdia decidir cumpri-lo, a pagar uma dívida antiga, [mas] as dívidas novas não”, realça.No total, a SCMS conta com 190 funcionários com vínculo contratual – auxiliares de ação direta, cozinheiros, trabalhadores de serviços gerais e administrativos – e cerca de 40 prestadores de serviços, “essencialmente, enfermeiros e médicos”, assim como com 102 utentes na estrutura residencial para pessoas idosas, cerca de 45 em serviço de apoio domiciliário e 10 em centro de dia.Recorde-se que em abril a provedora da SCMS, Isabel Estevens, indicava que a entrada em vigor de um PER não era “uma insolvência para lançar o pânico”, mas um processo “para que a santa casa cumpra com aquilo que são os seus compromissos relativamente aos seus credores, para que comece a delinear uma gestão que permita a estabilidade [e] a recuperação”.No início do mês, dia 10, a responsável confirmou também ao “DA” que o PER, no valor de “mais de cinco milhões de euros, tinha sido homologado pelo tribunal e, por isso, estavam reunidas as condições para se “definir caminhos de operacionalização” e “uma estratégia para cumprir com os trabalhadores” com o intuito de os proteger.

 

“Não há esperança, nem vontade de dar a cara” Esta é a segunda manifestação promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, tendo a primeira ocorrido no início do mês de agosto, mas “continua tudo igual ou se calhar pior”.Para além da falta de pagamentos, os funcionários criticam também a inexistência de respostas por parte de Isabel Estevens que, segundo apontam, “não dá a cara”, “anda fugida”, “não dá explicações” e só conta “mentiras”. “Nós cumprimos os nossos deveres e as nossas obrigações e há quatro anos que não cumprem connosco e, por isso, temos esta revolta toda. Não sei se [estas manifestações] farão alguma coisa, mas, pelo menos, que faça com que quem gere tenha vergonha na cara, porque isto não é nada”, assegura António Carajote.Para Alcides Teles, assim como já o tinha referido anteriormente ao “DA”, esta situação é “inconcebível”, pois “estamos a falar de salários que variam entre os 870 euros e os 1000 euros” e não “fortunas”. “Este dinheiro faz muita falta a quem trabalha. Por isso, ou a senhora provedora tem capacidade para resolver esta situação que criou ou pode ir embora. Se não sabe gerir, está a mais. Enquanto cá estiver, enquanto não resolver, posso garantir que os trabalhadores e o sindicato tudo farão para resolver a situação”, afiança.Ainda assim, Isabel Estevens, em declarações à agência Lusa, confirmou na semana passada que pagará “tudo aquilo a que os trabalhadores têm direito”, mas não se compromete com datas para evitar criar “uma falsa expectativa” aos trabalhadores. “Estamos dependentes de outras situações, nomeadamente de verbas da segurança social, que nos são extremamente necessárias, e, sem que tenhamos recebido essas verbas não podemos comprometermo-nos com datas”, admite.A SCMS possui três valências, isto é, o Hospital de São Paulo, a Unidade de Cuidados Continuados e a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas São Francisco.

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