Nova Lei de Estrangeiros restringe as possibilidades de entrada e permanência para trabalho menos qualificado, o que poderá originar falta de mão de obra em setores como a agricultura, alertam associações de apoio a imigrantes.
Texto | Nélia PedrosaFoto | Ricardo Zambujo
As restrições ao reagrupamento familiar de imigrantes são para Alberto Matos, membro da direção da Associação Solidariedade Imigrante (Solim) e responsável pela delegação do Alentejo, com sede em Beja, as alterações “mais gravosas” da nova versão da Lei de Estrangeiros, promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no final da semana passada. “Este Governo, quando veio com alterações à lei que acabou com as manifestações de interesse [junho de 2024] – uma medida muito negativa, porque fechou a única porta eficaz de legalização, aumentando o trabalho ilegal –, dizia que o reagrupamento familiar era fundamental para a integração dos imigrantes, e é verdade, só que agora é o reagrupamento familiar que está debaixo de fogo”, afirma o responsável ao “Diário do Alentejo”. Sublinhando que “desde a pandemia de covid-19 as pessoas já estavam à espera há dois ou três anos pela concessão de autorização da residência [requisito para pedir o reagrupamento], porque as coisas atrasaram muito, e chegou-se ao acumulado de 400 mil processos, segundo o que dizia o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]”, esperar agora mais dois anos, alerta Alberto Matos, aumenta “para cinco [anos] sem poder chamar a família”. Para além disso, os imigrantes “também não podem sair de Portugal, porque enquanto não tiverem o cartão de residência não têm garantia de poder voltar legalmente”. No entender do dirigente, as restrições no reagrupamento familiar têm “implicações sociais graves”, desde logo “na questão da habitação”. “Sabemos da exploração que há em torno da habitação. Casas com 20, 30 ou 40 imigrantes sem o mínimo de condições. Quando as famílias vêm, o primeiro esforço de qualquer imigrante é arranjar condições minimamente dignas para não estar numa situação de promiscuidade com a família. Isto até por razões culturais, religiosas, etc.. Portanto, o primeiro efeito do reagrupamento familiar é melhor habitação. Depois, as pessoas deixam de mandar dinheiro para o país de origem e passam a gastá-lo cá. Até do ponto de vista do interesse nacional, isso dinamiza a economia. Além de que é absolutamente desumano e cruel os imigrantes verem os filhos crescer por WhatsApp. Tenho imensos relatos desse tipo”, diz Alberto Matos, salientado que “os anos de espera” pela aprovação do reagrupamento, “em muitos casos, já conduziram a desestruturações familiares”. Segundo a nova versão, no caso dos casais sem filhos será necessário comprovar 15 meses de residência legal em Portugal para ter direito ao pedido de reagrupamento familiar, a que acresce o prazo de espera para resposta por parte da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Se o casal tiver filhos menores, o pedido pode ser feito de imediato, assim como no caso dos titulares de vistos altamente qualificados. Outra das medidas incluídas na nova versão é precisamente a restrição do visto de procura de trabalho a profissionais com “elevadas qualificações”, sendo que a lista de profissões ainda não foi divulgada pelo Governo. Salientando que Portugal “não tem uma economia muito qualificada – é uma economia de baixos salários, na agricultura, construção, hotelaria, noutros serviços, até sociais” –, Alberto Matos afirma que “este tipo de exigência de profissões não tem correspondência com a realidade da nossa economia”. Por isso, assegura, os imigrantes continuarão “a chegar ilegalmente”, porque “as fronteiras estão abertas” e a situação “não se revolve com meia dúzia de rusgas da GNR”. Como “resultado desta má propaganda [do Governo], naturalmente, qualquer dia, temos é patrões a refilar que não têm mão de obra”, acrescenta.O dirigente defende, assim, a necessidade de “pôr os serviços públicos a funcionar e abrir vias legais para as pessoas que estão em Portugal, ou que chegam por diversos meios, poderem regularizar a sua situação, ou seja, no fundo, repor a manifestação de interesse”. A diretora-geral da Estar, também com sede em Beja, revela, por sua vez, que há já “empresas agrícolas, unidades hoteleiras e outras” a entrar em contacto com a associação “porque não têm pessoas para trabalhar”. “A carga burocrática e a dificuldade que existe agora de acolher a imigração vai ter como consequência não termos pessoas para trabalhar, nomeadamente, na agricultura e na restauração”, reforça Madalena Palma, apontando como uma das alterações mais negativas a restrição do visto de procura de trabalho a profissionais com “elevadas qualificações”. De acordo com a responsável, “as pessoas que vêm para Portugal para trabalhar, nomeadamente, na agricultura, não são altamente qualificadas”, e “os altamente qualificados que chegam, porque há pessoas de várias categorias profissionais, não conseguem fazer equivalência das suas competências, pelo que há pessoas com grandes capacidades a trabalhar no campo”. Ainda assim, Madalena Palma sublinha que “as coisas como estavam também não faziam sentido”, porque “havia pessoas que vinham para Portugal com a ilusão de que podiam cá ter tudo e depois entravam e não tinham nada”, o que originava “situações de miséria”.Nas palavras da responsável “é necessário encontrar um meio-termo”, porque a nova Lei de Estrangeiros representa “um corte radical em relação ao que existia”. “O visto de procura de trabalho era uma coisa muito importante, mas agora não é possível. A pessoa já tem de vir com o visto de trabalhador qualificado. Portanto, não sei o que se está a pensar fazer em relação à agricultura, nomeadamente, nas próximas campanhas agrícolas”. A concluir, frisa, ainda, que “a carga burocrática” associada à nova versão da lei “faz com que sejam criadas empresas paralelas para facilitar a vida dos imigrantes”, causando, assim, “outro tipo de economia paralela, porque há sempre forma de contornar o sistema”.
Número de estrangeiros no distrito aumenta 80 por cento em 2024De acordo com o “Relatório Migrações e Asilo de 2024”, divulgado pela AIMA no mesmo dia em que a Lei de Estrangeiros foi promulgada, no final de 2024 estavam a residir no distrito de Beja 37 878 estrangeiros, mais 16 899 do que em 2023, o que representa um aumento de 80,55 por cento. Comparativamente a 2022, o número mais do que duplicou (em dois anos, passou de 17 813 para os já referidos 37 878). Alberto Matos, da direção da Associação Solidariedade Imigrante (Solim), justifica este cenário com o “aumento do número de trabalhadores em situação legal, porque muitos processos de manifestações de interesse em atraso foram despachados em 2024 e alguns continuam em 2025”. Já Madalena Palma, diretora-geral da Estar, acredita que o aumento se deve ao “boom” da imigração registado no ano passado, originado pelo “passa-palavra”. “Foi realmente uma coisa assustadora. À medida que vamos conhecendo uma série de situações, nomeadamente, de suspeitas de tráfico humano, começamos a perceber que lhes foi passada a palavra de que em Portugal a documentação era muito facilitada e que haveria trabalho. Mas no próximo ano isso não vai acontecer, porque notamos já nesses últimos dois, três meses um número muito mais reduzido de pessoas novas a procurarem os serviços”.