Diário do Alentejo

Rede Natura “sem fundamentalismos”

21 de setembro 2025 - 08:00
Câmara de Moura e cooperativa agrícola pedem avaliação de perdas no concelho resultantes do projeto europeu

Considerando que os agricultores da região estão a ser lesados pela impraticabilidade de uma agricultura moderna e competitiva imposta pela Rede Natura 2000, a Câmara Municipal de Moura e a Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos solicitaram um estudo que pretende prever a avaliação das perdas geradas por esses constrangimentos, bem como considerar propostas futuras capazes de conciliar, de forma sustentável, a atividade agrícola e a proteção ambiental.

 

Texto José Serrano Foto Ricardo Zambujo

 

A Câmara Municipal de Moura e a Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos (CAMB) decidiram pedir, em conjunto, a uma empresa externa, a elaboração de um estudo para avaliar, de forma quantitativa, o impacto financeiro consequente do conjunto de regras impostas aos agricultores que exercem a sua atividade profissional na Zona Especial de Conservação (ZEC) Moura/Barrancos, que faz parte da Rede Natura 2000, projeto de âmbito europeu que visa assegurar a biodiversidade. Esta ZEC, com uma área total de mais de 43 mil hectares, ocupa parte dos concelhos de Mourão, Serpa, Barrancos e Moura, correspondendo os contributos mais expressivos aos dois últimos, respetivamente, 8672 e 32 648 hectares.

Para José Duarte, presidente da CAMB, a ZEC Moura/Barrancos apresenta, atualmente, um conjunto de limitações à prática de uma agricultura moderna e rentável, causando a perda de competitividade dos agricultores aí instalados, resultado do que entende ter sido um conjunto de erros perpetuados ao longo deste tempo. Desde logo, sublinha, pelo facto de “os agricultores não terem sido ouvidos em todo este processo” e, depois, pelas mudanças que a presença do grande lago veio estabelecer.

“Há 25 anos a barragem de Alqueva não estava construída e nós vivíamos, ainda, numa agricultura de subsistência, que, com a presença da água, permite transformar-se numa agricultura moderna, empresarial e de rendimento”, elucida, defendendo fazer-se, “obviamente”, uma nova avaliação “com base nos pressupostos atuais”, e dando exemplos do que considera ser o anacronismo – “há situações dentro da Rede Natura que não fazem sentido nenhum” – do projeto. “Os ‘barros’ de Safara e de Santo Amador [Moura] são dos solos com melhores aptidões, a nível nacional, para a prática da agricultura, e os agricultores não podem ter culturas de regadio nesses solos. E o olival de regadio está limitado apenas a cinco hectares por agricultor… e podíamos falar de outro tipo de culturas regadas – cereais, amendoal… E não se estão a dar compensações financeiras, que têm de ser justas e adequadas a estas perdas de rendimentos”. Todos estes constrangimentos, frisa, “vão-se traduzir, se nada for feito, dentro de meia dúzia de anos, na impossibilidade de uma renovação geracional de agricultores, pois os jovens só entram para esta atividade se ela se apresentar rentável e aliciante”.

Observando não serem só os agricultores do território a serem lesados por esta situação – “o País está a perder, estamos a importar produtos de outros países e a aumentar a nossa pegada ecológica, sem necessidade nenhuma” – José Duarte reforça a sua discordância em manter o projeto da ZEC Moura/Barrancos imutável, só compreensível, opina, à luz de questões “meramente fundamentalistas” em termos ambientais. “É importante que todos saibamos que os agricultores não estão contra a Rede Natura, mas tem de existir uma flexibilização do processo”, que não impossibilite a presença de uma “agricultura moderna e sustentável”, diz o presidente da CAMB. Caso contrário, adverte, “qualquer dia não temos ninguém nestes territórios, e aí, sim, vamos ter prejuízos muito elevados para a região”.

Também para Álvaro Azedo, presidente da Câmara de Moura, o “histórico” da Rede Natura “tem sido muito negativo” para os agricultores da região, “claramente prejudicados”, devido a esse compromisso ambiental do Estado Português face a Bruxelas.

“Em proximidade com as associações de agricultores do concelho e com a Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos temos vindo a apresentar, desde há anos, um conjunto de propostas que permita aos agricultores, neste espaço da Rede Natura, que é uma ‘mancha descomunal’ no concelho de Moura, fazerem uma agricultura sustentável do ponto de vista ambiental e, também, do ponto de vista financeiro. Porque o proveito que se tira da terra, nesta zona, é quase nenhum. E como os agricultores não vivem do ar há que existir aqui um equilíbrio entre os interesses agrícolas e ambientais que permita às pessoas terem o seu projeto de vida no território”, expõe o autarca. Contudo, acentua o edil, as propostas apresentadas – sensibilizando “os responsáveis máximos dos ministérios” no sentido de não se interferir nos territórios sem auscultar, primeiro, as pessoas que neles vivem – “nunca foram ouvidas”, sendo completa e reiteradamente “ignoradas”.

Assim, o estudo agora encomendado visa estudar o impacto financeiro da Rede Natura 2000 sobre as explorações agrícolas, com a finalidade de apontar “uma série de compensações e propostas que estimulem, realmente, a compatibilização entre os dois interesses” – atividade agrícola e proteção ambiental –, de forma a conviverem proficuamente. Tais interesses “não se encontram muito distantes um do outro”, uma vez que “os agricultores, hoje em dia, têm preocupações ambientais muito vincadas, sobretudo, os mais novos, muito bem preparados, com muito conhecimento e que, obviamente, querem tirar o maior partido das suas explorações sem hipotecar o futuro”, clarifica o autarca. Essa desejável coabitação, transmite, deve, no entanto, chegar através de uma solução “sem fundamentalismos”, uma vez que “estes, seja qual for a sua natureza”, podem contribuir para “a morte de um país, de uma região, de um concelho”, enfatiza o presidente da Câmara Municipal de Moura.

O estudo encomendado será, previsivelmente, entregue às entidades requerentes, de acordo com o autarca, entre o “final deste mês e meados de outubro” e, posteriormente, apresentado ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e ao Ministério do Ambiente e Energia, esperando o autarca que as propostas apresentadas no documento sejam, por estas duas entidades estatais, “verdadeiramente consideradas”.

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