Diário do Alentejo

Desvio

09 de agosto 2025 - 08:00
Autarca de Ferreira do Alentejo transmitiu à IP constrangimentos provindos das obras do IP8
Foto | José SerranoFoto | José Serrano

O presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo reuniu-se, recentemente, com a gestora regional das Infraestruturas de Portugal (IP) de Beja e Faro, transmitindo-lhe as queixas que têm chegado à autarquia, respeitantes a aspetos generalizados, de condicionamentos de circulação da via, e particulares, que se colocam à aldeia de Santa Margarida do Sado, localidade cujo aceso principal, em direção a Beja, se encontra cortado.

 

Texto José Serrano

 

No âmbito da requalificação do Itinerário Principal 8 (IP8), as obras entre Santa Margarida do Sado e Ferreira do Alentejo, numa extensão de 15 quilómetros, iniciadas em outubro de 2024, e entre esta localidade e Beja (22 quilómetros), principiadas em janeiro deste ano, têm provocado o descontentamento de alguns cidadãos, considerando estes que os trabalhos não têm salvaguardado, da forma mais correta, automobilistas e residentes da zona.

Luís Pita Ameia, presidente da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, confirmando as queixas – “algumas são justas, outras são exageradas” – que têm chegado junto da autarquia, nomeadamente, pela “grande quantidade” de semáforos instalada, pelas paragens excessivamente prolongadas nos mesmos e pelos episódios reportados de projeções de pedras e gravilha, na faixa de rodagem em questão, reuniu-se, na passada semana, com Rosário Rocio, gestora regional das Infraestruturas de Portugal (IP) de Beja e Faro. Ao autarca, a responsável da IP transmitiu que a sua exposição seria reportada à respetiva empresa de fiscalização da obra, com o objetivo de “chamar a atenção para esses problemas e tentar minorá-los”, sendo “certo e sabido”, diz Luís Pita Ameixa, que no processo das obras em curso, que permitirá “amanhã termos uma via melhor”, haverá sempre incómodos. Incómodos esses sentidos de forma particular pelos habitantes de Santa Margarida do Sado, localidade que, desde o início dos trabalhos rodoviários, viu a sua principal via de ligação (IP8) a Figueira dos Cavaleiros, sede de freguesia, e a Ferreira do Alentejo, sede de concelho, interrompida, obrigando os utentes, para conclusão desse percurso, a um desvio de cerca de 13 quilómetros até se chegar à rotunda da Malhada Velha (junto à entrada/saída da autoestrada A26). Considerando que as obras que obrigam a esse percurso secundário estão a “demorar mais tempo do que parecia ser razoável”, também esta questão foi abordada na reunião com a IP.

Tal constrangimento tem vindo a ser sentido, “todos os dias”, desde há cerca de 10 meses, por Paula Gomes, de 59 anos, proprietária do café Milénio, estabelecimento junto à estrada nacional (N259) que atravessa a aldeia de Santa Margarida do Sado, na qual a ponte sobre o rio Sado separa os distritos de Setúbal e Beja.

“O meu café vive muito de pessoas de fora, de quem vai para as zonas de Serpa e de Mértola, para o Algarve, e de quem daí regressa. Foram sempre esses os meus principais clientes, que paravam aqui à procura de umas sandes, de uns torresmos, de um petisquinho, para comprar uns enchidos, queijos. Sempre vendi bem, mas tenho tido uma quebra de vendas muito grande em relação aos outros anos – neste momento estou a faturar cerca de metade. Porque pessoas de fora vêm, agora, muito poucas, não passa aqui ninguém. Hoje a aldeia é um deserto”.

A justificação da comerciante para esta transformação assenta na atual preferência dos automobilistas, na sua deslocação para sul, e daí regressados, de percursos alternativos, evitando o desvio, que corresponde a mais quilómetros e tempo de viagem, e ao “para/arranca” imposto, necessariamente, pelos vários semáforos existentes ao longo das obras em curso, praticamente, até à cidade de Beja. “Isto veio dar cabo do negócio. Sinto isso especialmente agora, no verão, que é quando a gente amealha para o inverno, em que, por regra, há sempre dois, três meses, mais parados. Este ano financeiramente está a ser difícil, sim”.

Ainda que congratulando-se com as obras em curso – “sou a favor desta estrada, que já tinha falta de ser arranjada, vai-se para qualquer lado e há estradas como deve de ser e daqui a Beja era só buracos” –, Paula Gomes, considera que deveria ter sido tido em conta a urgência da conclusão das obras que evitassem, pelo menor tempo possível, o itinerário alternativo a partir da localidade. “Isto tinha que ser feito, mas sem levar tanto tempo. Quando eles fizeram o desvio, diziam que aquilo era para durar três meses… deviam ter dado mais atenção a isto, daqui até à Malhada Velha deviam ter sido mais rápidos”.

Não obstante as dificuldades que o seu negócio atravessa, a dona do café Milénio, apelando a que o troço que indica seja celeremente concluído – “para tentar ainda apanhar um bocadinho do verão, para conseguirmos faturar alguma coisa” –, prevê, otimista, o futuro. “Quando isto estiver arranjado, acho que a aldeia vai começar, outra vez, a ter o trânsito que tinha antes e a ver quem vem de Lisboa ou do Algarve aproveitar para descansar um bocadinho e comer coisas boas e em conta – nas áreas de serviço é tudo muito caro”, diz.

Adjacente ao café Milénio fica o Sabores do Sado, café da localidade que, tal como o primeiro, tem a sua clientela assente no público “de fora” que se desloca de norte para sul, e vice-versa, sentindo, da mesma forma, as dificuldades impostas pelas obras do IP8. “A primeira coisa que eu posso dizer é que aos fins de semana chegava a comprar 50 pães e agora compro quatro… e sobram. E fazíamos um mínimo de 20 quilos de torresmos por dia – muito afamados aqui – e agora isso dá para três dias. Dá para perceber a quebra do negócio? Já vai para lá dos 50 por cento – e as despesas continuam na mesma, que temos de ter as máquinas ligadas”, diz António Trindade, de 65 anos, proprietário do estabelecimento.

“E deixei de fazer petiscos. Tínhamos as saladinhas de polvo e de orelha de porco, o peixinho frito aqui do rio, a carne frita, tínhamos várias coisas… tive de acabar com tudo, não valia a pena. Não aparece ninguém”, informa, pesaroso, comparando com o movimento que a sua casa albergava antes dos trabalhos. “Isto era uma alegria. O café sempre cheio. Quem vinha de Lisboa para a Ovibeja. A esplanada lotada no tempo do caracol. Os caçadores, ao fim de semana, na época venatória, eram tantos que custávamos a dar conta. Os veraneantes no verão… quando era a concentração motard em Faro [aconteceu no penúltimo fim de semana de julho] tínhamos aqui imenso pessoal – neste ano foram à volta, pararam aqui meia dúzia de motas”, revela.

Para além das dificuldades atualmente sentidas, António Trindade teme que a demora das obras possa vir a significar a alteração de uma rota adquirida pelo público que conquistou ao longo de dezenas de anos de negócio. “As pessoas são de hábitos e para voltarem ao mesmo regime demora-se o seu tempo… Não estou muito à vontade para pensar que depois das obras acabadas as pessoas recomecem, novamente, a vir por aqui”. Tudo dependerá do tempo de conclusão das obras, refere.

Tempo esse que receia poder prolongar-se para além do ano e meio previamente estipulado para a conclusão da empreitada de requalificação do IP8 entre Santa Margarida do Sado e Ferreira do Alentejo, a contar desde outubro passado. “Eu não acredito que eles cumpram esse prazo. Andam aqui, junto à saída da aldeia, a fazer um ‘bocadinho’ de túnel, daqui a pouco há uns seis meses. Não vão, não atam nem desatam. Chega-se a passar três semanas que não se vê ninguém ali a trabalhar. Não se vê ali uma pessoa com um martelo”.

Acentuando a sua dedicação ao trabalho e a sua capacidade de resistência face à adversidade – “sou teimoso, não sou de esmorecer” –, António Trindade não deixa de manifestar a sua apreensão com a situação que o seu negócio atravessa. “Se não fosse a parte do jogo, Euromilhões, lotarias, raspadinhas – ainda que tenha tido uma enorme redução nas vendas –, já tinha ‘encostado’. Este ano já fechei duas vezes e estou a pensar em fechar mais uns dias. Não tenho clientela, estou aqui a fazer o quê? Gastos? Se eles entenderem demorar mais um ano nisto, então ‘matam’ aqui a gente”.

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