Os trabalhadores das três valências da Santa Casa da Misericórdia de Serpa (SCMS) – Hospital de São Paulo, Unidade de Cuidados Continuados e Estrutura Residencial para Pessoas Idosas São Francisco – ainda não receberam os retroativos salariais referentes a 2022 e os subsídios de Natal e de férias de 2024 e 2025, respetivamente. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, são “mais de 100” os funcionários que “garantidamente” estão nesta situação e “não há garantia de quando é que esse pagamento será feito”.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
Na segunda-feira, 28 de julho, junto ao grande portão verde do Lar de São Francisco, em Serpa, cerca de duas dezenas de funcionários da santa casa da misericórdia local foram o rosto de “mais de 100” trabalhadores das três valências da instituição que, nos últimos anos, têm sido confrontados com os “atrasos sucessivos” de pagamentos salariais.
De bandeiras nas mãos, os rostos contrastavam com as fardas coloridas que envergavam. Nos últimos três anos têm vivido com a incerteza do que o mês seguinte trará e, consequentemente, quando é que a situação estará estabilizada.
“Neste momento, os trabalhadores têm alguns retroativos atrasados desde 2022, não receberam o subsídio de Natal de 2024 e foram confrontados também com o não pagamento do subsídio de férias de 2025”, começa por explicar, ao “Diário do Alentejo” (“DA”), o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, Alcides Teles.
Segundo o sindicalista, a situação não é novidade. Nos últimos tempos, os pagamentos adiados são uma constante. “Os trabalhadores receberam o subsídio de Natal de 2023 em março de 2024, receberam o subsídio de férias de 2024 em dezembro de 2024 e o subsídio de Natal de 2024 e o de férias de 2025 ainda não o receberam. Se o trabalhador não tiver direito a estar descontento com isto, com o que é que estará?”, questiona.
Além desta situação, a falta de respostas e a “insensibilidade” da mesa administrativa da SCMS levou a que os funcionários do Hospital de São Paulo, da unidade de cuidados continuados e da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas S. Francisco dessem “um primeiro sinal de descontentamento, visível e público”, como “forma de luta para reivindicar os seus direitos”.
“Os trabalhadores decidiram fazer uma concentração que foi muito participada e reivindicativa, esperado que a mesa administrativa tome providências rapidamente no sentido de repor aquilo que é o pagamento normal e regular a que está obrigada”, frisa Alcides Teles. Pagamento esse de que “não há garantia” de quando “será feito”. Segundo o dirigente, “a mesa administrativa, confrontada com essa situação, o que diz é que paga quando tiver dinheiro”, mas “não há compromisso nenhum” e não confirma “se esse dinheiro algum dia vai aparecer”.
“Isto não é a resposta que se dê a quem trabalha todos os dias, a quem dá o seu melhor todos os dias, e é obrigado, por força do trabalho que tem, a fazer funções o melhor possível. Choca-me a insensibilidade da mesa administrativa em não encontrar resposta para isto”, reforça.
“Pagaram aos médicos e aos enfermeiros porque eles ameaçaram abandonar”
Em março de 2024, o “Diário do Alentejo” dava conta de que a SCMS estava a proceder à regularização de “todos os subsídios” aos trabalhadores da área social, sendo que os funcionários da área da saúde apenas aguardavam o pagamento dos subsídios de Natal de 2023.
A provedora, Maria Isabel Estevens, adiantava, ainda, que grande parte dos valores foi normalizado através de uma candidatura ao Fundo de Socorro Social, aprovada no final de julho de 2023, com uma verba de 600 mil euros. “Ainda não conseguimos respirar totalmente como quereríamos, mas há aqui caminho feito com dignidade, com coragem e com compromisso”, sublinhava.
Alcides Teles confirma essa situação, principalmente, os valores restabelecidos aos profissionais de medicina e enfermagem que operavam, em grande medida, no Hospital de São Paulo, mas garante que, fora esta exceção, a “situação é transversal a toda a Misericórdia de Serpa, [ou seja], em todas as valências”.
“A única informação que temos é que os médicos e os enfermeiros receberam porque vincaram o pé e ameaçaram abandonar a misericórdia e como o hospital não pode funcionar [sem estes profissionais] a mesa [administrativa] já cumpriu com o que tinha de fazer e pagou, [mas] o resto dos trabalhadores não conta”, argumenta.
Segundo o sindicalista, a SCMS podia “jogar” a seu favor e como “o subsídio de férias é pago quando o trabalhador vai de férias” alternar os respetivos pagamentos de forma faseada para que fosse mais fácil regularizar as finanças da própria instituição, mas “nem isso é feito”.
“A informação que há é que quando houver dinheiro é pago a todos, [mas] pode nunca haver dinheiro para pagar a todos ao mesmo tempo e se a política continuar a ser a mesma os trabalhadores correm o risco de receber não sabem bem quando”, frisa.
Desta forma, Alcides Teles avisa que se “a mesa administrativa não resolver” o problema de forma célere que “os trabalhadores estão disponíveis para incitar outras formas de luta”, tais como “mais concentrações, deslocações, greves e tudo aquilo que em cada momento se avaliar como útil”. “O que for decidido será feito já em setembro”, acrescenta.
Recorde-se que a gestão do Hospital de São Paulo voltou a ser assumida pela Santa Casa da Misericórdia de Serpa em março deste ano após a extinção do acordo firmado com a União das Misericórdias Portuguesas (UMP). Na ocasião, em declarações ao “DA”, o presidente da UMP, Manuel de Lemos, justificou a extinção do protocolo com a situação financeira da misericórdia. Em abril, a provedora sublinhava que a UMP poderá retomar o acordo de gestão em parceria assim que o entender, uma vez que já está em curso um processo especial de revitalização (PER) da SCMS, no valor de “mais de cinco milhões de euros”. O “DA” tentou entrar em contacto com a provedora, mas até ao fecho desta edição tal não foi possível.
Movimento em defesa do Hospital de São Paulo mostra-se "profundamente solidário" com a situação
Em comunicado enviado ao “DA” na quarta-feira, o Movimento em Defesa do Hospital de São Paulo demonstrou estar “profundamente solidário” com os trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia de Serpa, apontando como causa desta situação “decisões políticas, irresponsáveis e má gestão”. Segundo o movimento, irá ser solicitado aos deputados eleitos pelo círculo de Beja e à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, reuniões para se proceder ao “pagamento imediato dos valores em atraso”, a uma avaliação da atuação da União das Misericórdias na gestão hospitalar e a reversão do Hospital de São Paulo para o Serviço Nacional de Saúde.