O Tribunal de Contas (TdC) considera que a Câmara Municipal de Almodôvar cometeu alegadas “ilegalidades” na adjudicação, por ajuste direto, de trabalhos complementares na empreitada do Complexo Multiusos do Campo das Eiras, inaugurado em abril do ano passado.
Texto | Nélia Pedrosa*Foto | Ricardo Zambujo
Numa auditoria à construção do referido complexo, cujo relatório, datado do dia 3 deste mês, foi enviado à “Lusa”, o TdC conclui que a conduta do município “indicia ilegalidade na adjudicação de trabalhos complementares”.
Segundo a entidade fiscalizadora das contas públicas, a autarquia celebrou, em 29 de dezembro de 2020, com o empreiteiro, um contrato por ajuste direto para a construção do complexo no valor de 1 460 000 euros. A câmara adjudicou, também, “oito contratos adicionais, no valor total de 579 757,42 euros, representando um acréscimo de 39,71 por cento do preço contratual inicial”, tendo ainda sido “suprimidos trabalhos no montante global de 126 961,03 euros”, refere.
O tribunal assinala que o município qualificou as intervenções referentes aos oito contratos adicionais como trabalhos complementares. “No entanto, os trabalhos titulados pelos 3.º a 8.º contratos adicionais, no valor total de 462 093,18 euros, foram aprovados na sequência da introdução de alterações ao projeto inicial para corresponder à mudança da finalidade e da função da obra, no decurso da execução da mesma, por vontade do município”, realça. Nesse sentido, o TdC entende que a adjudicação destes trabalhos “não eram necessários para a conclusão da obra com a finalidade e as características inicialmente projetadas e adjudicadas”, pelo que “não consubstanciam trabalhos complementares”.
“A sua adjudicação devia ter sido precedida de concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, o que não se verificou, conduzindo à respetiva ilegalidade”, argumenta o TdC.
De acordo com a entidade, as alterações ao projeto inicial “provocaram também uma suspensão parcial da obra e um pedido de reposição do equilíbrio financeiro no montante de 77 790,00 euros”.
“A ilegalidade apurada é suscetível de configurar a prática de infração financeira praticada sob a forma continuada e geradora de responsabilidade financeira sancionatória”, alega, imputando a eventual responsabilidade ao chefe da Divisão de Obras, Serviços Urbanos e Gestão Territorial do município.
No relatório da auditoria, o tribunal recomenda à autarquia “o rigoroso cumprimento de todos os normativos legais relativos à adjudicação de trabalhos complementares e à contratação pública”.
O TdC determinou, ainda, aplicar uma multa administrativa ao município no valor de 1716,40 euros e remeter o processo ao Ministério Público.
Autarca fala em “irregularidade” O presidente da Câmara de Almodôvar, contactado pelo “Diário do Alentejo”, afirma que, no seu entender, “do gabinete jurídico e das chefias de divisão [da autarquia]”, “de facto, existiu uma irregularidade” e não uma ilegalidade, como é referido no relatório do TdC. “Não existe ilegalidade, talvez exista irregularidade, mas aquilo que nós fizemos foi ao abrigo da norma que prevê que os trabalhos complementares possam ser adjudicados diretamente ao empreiteiro até o máximo de 40 por cento da obra, valor que nós não atingimos, e tendo em conta o contexto da obra, ou seja, nós alterámos o projeto a meio, tivemos que, inclusivamente, suspender a obra durante alguns meses para que o projetista pudesse reformular o projeto, porque o projeto já era mais antigo e já não se adequava às necessidades”, adianta António Bota.
O autarca acrescenta que, com base nos pareceres, entenderam que não fazia sentido essas obras “irem para concurso público, tendo em conta que eram feitas no meio de uma obra em curso, com um empreiteiro, e poderia surgir outro empreiteiro qualquer, e depois quem dá a garantia?”. António Bota admite, no entanto, que “depois do trabalho feito” verifica “que, de facto, o que o Tribunal de Contas diz tem a sua lógica”, mas continua a considerar que a situação foi analisada “num gabinete a régua e esquadro e que não interpretaram isto à luz do contexto, ou seja, do interesse do município em manter uma obra, em termos de garantia, de correções” num só empreiteiro.
No que concerne ao encaminhamento do processo para o Ministério Público (MP), o autarca afirma que “isso é normal”, para o MP “aplicar alguma possível coima que possa advir daí”, e sublinha que, no seu entendimento, não vê “qualquer seguimento deste processo”. “Na minha opinião este assunto está fechado. O Tribunal de Contas não imputa crime algum à câmara municipal. Dá conselhos sobre novas contratações ou novos procedimentos”, reitera o autarca, adiantando que “se existir alguma situação” o departamento jurídico da autarquia poderá “validar, reclamar ou preparar alguma ação de defesa”.
A concluir, garante que não tiveram “qualquer intenção de cometer qualquer tipo de ilegalidade ou de irregularidade no processo”. “Sinto-me com a consciência tranquilíssima de que beneficiei o meu município e ninguém mais, e isso é o suficiente”.Inaugurado em abril de 2024, o Complexo Multiusos do Campo das Eiras implicou um investimento total de 2,4 milhões de euros, com apoio de fundos europeus. *com “Lusa”