Pedro do Carmo, que nas Legislativas de 2024 acabou por não ser reeleito, sublinha que o PS fez “um bom trabalho pela região” e lembra que foi o Governo socialista, através de António Costa, que “construiu” o Plano de Recuperação e Resiliência, que financia grande parte das obras em curso. Em entrevista ao “Diário do Alentejo”, o cabeça-de-lista pelo círculo eleitoral de Beja, acusa, ainda, o Governo PSD de se aproveitar do trabalho realizado pelos socialistas, defende a construção da A26 até Ficalho e a ideia de que o aeroporto de Beja deve ser “um aeroporto de manutenção”, mas também de complemento aos de Lisboa e Faro. Na área da Saúde, considera que o Governo deve assegurar um número mínimo de médicos para garantir o funcionamento nos centros de saúde, e, na questão da imigração, defende que a “chave” é a integração.
Texto Nélia Pedrosa
Fotos Vasile Iavorovschi
Nas Legislativas de 2024, o Partido Socialista perdeu 5000 votos no distrito de Beja e um deputado. Como se poderá recuperar esses votos e um segundo representante pelo círculo de Beja?
Vamos para estas eleições com confiança de que fizemos um bom trabalho pela região. Grande parte do trabalho que está a ser realizado agora, na região, foi fruto do trabalho do PS. Foi fruto de lançar projetos, de lançar concursos, de encontrar financiamento. Não é sério dizer agora, de uma forma muito leviana, que foi este Governo que em 10 meses conseguiu a realização destes projetos. As obras no IP8 levarem anos a projetar, a conseguir financiamento, não é em 10 meses que elas apareceram. Não foi em 10 meses que se conseguiu ter um novo palácio da justiça. Não foi em 10 meses que se conseguiu um PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] que permite a construção de 500 novas camas [no Instituto Politécnico de Beja]. A maior residência para estudantes do País está a ser construída em Beja. Não é sério dizer que não se investiu ou que se deixou esta região ao abandono. O próprio lançamento do financiamento para a segunda fase do hospital de Beja é fruto disso. Foi um longo trabalho dos eleitos do Partido Socialista que lutaram por esta região e que está agora a dar os seus frutos. Não é sério dizer às pessoas que o PS desligou-se daqui, que o PS não investiu. Por isso, para já, partimos para uma campanha de esclarecimento. Dizer às pessoas que grande parte da obra que está a nascer, dos investimentos que estão aqui a ser feitos, foi trabalho das governações do PS. E por isso vamos para esta campanha com a certeza que grande parte dos votos que foram [perdidos] nas últimas eleições, esses cinco mil, foi de alguma revolta, porque as pessoas não viam obra, não viam que, efetivamente, estava a ser feito esse planeamento. Para além disso, queremos acrescentar que se queremos voltar a ter um Governo PS não podemos desperdiçar votos, e foram mais de 40 por cento os votos que foram desperdiçados nas últimas Legislativas. Peço que as pessoas usem o voto como uma arma, que usem o seu voto de forma útil e que não votem em partidos que não conseguem eleger nesta região. Por isso, com estas duas premissas, estamos convictos de que vamos conseguir eleger o segundo deputado para o bem desta região.
Acusa o governo PSD de se aproveitar do trabalho realizado pelos socialistas. Por que é que o PS não avançou com estes projetos, considerados estruturantes para a região, nos últimos oito anos em que foi governo? Como justifica estes atrasos?
Em primeiro lugar, só foi possível avançar para estes projetos tendo um governo de contas certas, e chegarmos a um ponto de termos um governo de contas certas levou tempo. Havia deficits. Depois, foi preciso encontrar financiamentos, nomeadamente, nas negociações com Bruxelas. Grande parte dessas obras é financiada pelo PRR. Foi preciso construir o PRR e foi o Governo do PS, através de António Costa, que conseguiu esta ideia para toda a Europa e, em especial, para Portugal. A decisão política de realizar uma obra, e a sua concretização, quer seja numa autarquia, quer seja num governo, leva anos. É preciso dizer isto às pessoas. Leva anos. O que tem sido feito até agora são anúncios. Quando eu digo que não é sério, não é sério porque nenhum governo, e em especial este, pode dizer que o que é mau ficou do anterior governo e não conseguem resolver, e o que é bom foi porque aceleraram e fizeram esse trabalho. Não! Se este Governo teve algum mérito é que não fez como no passado, que travou estas obras, porque as obras no IP2 e outras, a própria A26, ficou parada quando o PSD chegou ao Governo. Se este Governo agora tem algum mérito, é esse, não estragou…
Em relação à A26, há cerca de um mês, a Federação de Baixo Alentejo do PS, liderada pelo ainda deputado Nelson Brito, defendeu a construção da A26 até Ficalho. Recentemente, Pedro do Carmo falou na A26 até Beja. Mas em 2022, com Pedro Nuno Santos enquanto ministro das Infraestruturas, a decisão era não avançar com a A26 e fazer o IP8 com perfil semi-autoestrada. Afinal, defendem ou não a construção da A26? E, defendendo, até onde?
Defendemos a construção da A26. O que era urgente, realmente, era o IP8 até Beja. Mas é essencial, para Beja, a ligação, através da A26, ao nó da A2 Sul. Isso é fundamental. Até Beja, claramente. [Até Ficalho], naturalmente, não podemos baixar os braços e achar que não é essencial. Agora, não vou comprometer-me com a realização dessa obra no próximo Governo do PS com uma tão grande rapidez. Agora, que não baixarmos os braços… o que foi dito pelo atual deputado e presidente da Federação é o sentimento dos socialistas. O acesso a Espanha é uma via estrutural para esta região.
E estando a decorrer estas obras no IP8, com as variantes a Beringel e a Figueira dos Cavaleiros (já no terreno) e a Ferreira do Alentejo (que ainda não avançou), não estará em risco esse prolongamento da A26?
Estas obras [do IP8] não interferirão, vão dar uma solução mais urgente e mais expedita, porque o que nós temos agora é realmente lastimável. Este acesso de uma capital de distrito ao nó da autoestrada é realmente indiscritível. E isso tinha de ter uma solução urgente. Estas variantes tinham de ser construídas, fosse em que circunstância fosse. A A26 é extremamente necessária e não pode ficar na gaveta. Será compatível, deverá ser compatível, temos de o exigir, e isso será, sem dúvida, uma realidade, até para potenciar a economia, a agroindústria que temos a crescer cada vez mais nesta região. E o próprio aeroporto de Beja terá, sem dúvida, muitas utilizações, como está provado. E isso será fundamentar à A26.
O concurso para a modernização e eletrificação da linha entre Casa Branca e Beja foi lançado pela Infraestruturas de Portugal (IP) com a ligação ao aeroporto. Entretanto, a obra vai avançar deixando este troço para trás. Sendo esta obra realizada com fundos da União Europeia, como se explica esta situação?
Foram as falhas e as malhas burocráticas que [exigiram] ser feita em várias fases para garantir o financiamento. Mas será fundamental esta ligação ao aeroporto e eu não tenho dúvidas de que haverá a garantia desse financiamento. Mas também temos de assegurar que o aeroporto terá o seu crescimento e teremos de ter mais argumentação [junto da] ANA – Aeroporto de Portugal, que hoje é da Vinci, uma empresa privada. Não foi acautelada a questão da especificidade do aeroporto de Beja. Não discuto a necessidade de, naquele período, ter de se privatizar a ANA, mas tinha de ter havido um cuidado especial com este aeroporto, porque uma grande empresa privada com interesses económicos, naturalmente, não tem estado muito interessada em potenciar o aeroporto de Beja. [Mas] defendo que tem de ser equacionada uma parceria, um financiamento com a Vinci, para essa ligação. Não podemos querer mais investimento público sem haver também um compromisso da própria empresa. Fundos comunitários e privados. Esse é o caminho correto.
Continua a defender a valorização do aeroporto de Beja como complemento, “nesta fase de esgotamento de Lisboa, e no futuro com o novo aeroporto”, e ainda ao de Faro, que está perto de atingir o seu limite?
Continuo a defender isto. Acho que o caminho deste aeroporto é uma complementaridade e uma função muito de empresas de manutenção. Aliás, como está a acontecer já com um hangar, que tem sido um sucesso. Tem trazido mão de obra qualificada para Beja, tem trazido investimento e continuaremos nessa senda. Mais do que querermos ter aqui um grande aeroporto de passageiros, é preciso ter esta mão de obra qualificada, este aeroporto de manutenção, de pequenos aviões e, depois, a complementaridade dos charters, como tem acontecido em alguns casos, até por equipas de futebol. Querer fazer passar a ideia para as pessoas de um grande aeroporto, com milhares de passageiros todos os dias, não sei se isso virá a acontecer… É fundamental que seja complementar ao aeroporto de Faro, nomeadamente, em períodos de stresse e sem slots na altura de verão, [e] com o desenvolvimento que está a ter também a costa do litoral alentejano, aliás, temos indicadores que nos vão dando sinais muito positivos disso, investimento norte-americano e francês que utilizam o aeroporto. Para além disso, complementar também ao novo aeroporto de Lisboa com um conjunto de voos charters. É preciso continuar a apostar no trabalho feito até aqui, nomeadamente, em parceria com a câmara. Durante a pandemia – muita gente não fala disso – o aeroporto foi utilizado para desmantelar aviões, para remodelações, isso foi feito aqui com profissionais altamente qualificados, que foram formados na nossa cidade. Isso cria riqueza, isso cria mais valor e isso é um dos caminhos muito importantes que o aeroporto nunca poderá deixar para trás.
O facto de ser, também, uma base militar não poderá condicionar o seu aproveitamento nessas vertentes que refere?
Tem condicionado sempre e continuará a condicionar.
Então, como se poderá contornar isso…
Tem de haver sempre um entendimento ao mais alto nível entre o Ministério da Defesa, o Ministério da Economia e o Ministério dos Transportes, porque a pista também tem a sua utilização militar e tem vindo a ser reforçada, até com a deslocação de alguns esquadrões [para cá]. Mas é sempre possível quando há boa vontade e entendimento. Essa compatibilidade tem de existir.
Vários municípios socialistas do distrito de Beja têm vindo a criar protocolos de apoio ao recrutamento e retenção de médicos. Tendo em conta o panorama atual da Saúde na região, entende ser esta a solução? Poderemos entrar aqui numa espiral de licitações?
É verdade. São paliativos e incorremos nesse risco de entrar aqui quase num leilão de oportunidades. E isso não é bom. Não é bom para a Saúde, não é bom para ninguém. Eu compreendo a posição dos autarcas, sejam socialistas ou de outro qualquer partido. Querer dar uma resposta aos seus munícipes, querer dar qualidade de vida, leva-os a encontrar soluções e, em alguns casos, até recrutar junto do estrangeiro. Já há muito tempo que isso se faz em Barrancos para assegurar o fim de semana. Em Aljustrel também se fez com médicos cubanos. Mas é fundamental que haja um número mínimo de médicos para garantir o funcionamento nos centros de saúde, e isso é responsabilidade do governo central. E isso não aconteceu neste período. Se há falha que este Governo teve foi na Saúde. Este Governo criou a expectativa nas pessoas de que um plano de emergência em três meses iria resolver os problemas da Saúde, em especial, no interior. Nada de mais absurdo. Aliás, nesta Páscoa houve o dobro das urgências fechadas em relação ao ano passado, ou seja, as coisas estão bem pior do que estavam. Mas vai-se encontrar, naturalmente, aqui [soluções para] a fixação de mais médicos do interior, até porque hoje existem muitas outras oportunidades, até ao nível das condições das infraestruturas. Estão a ser construídos novos centros de saúde no distrito de Beja, temos extensões de saúde a serem remodeladas, há mais meios de diagnóstico, nomeadamente, a ressonância magnética, que já funciona, no hospital de Beja, e que foi também um processo muito difícil de concretizar. Mas é essencial que haja um número mínimo de médicos para garantir o funcionamento nos centros de saúde e isso é responsabilidade do governo. O resto tem de ser mais visto como complementaridade e não como a base da solução.

Falou na construção de novos centros de saúde no distrito, na remodelação de extensões… mas como se poderá garantir que não ficarão vazios de profissionais de saúde, nomeadamente, médicos?
Não pode acontecer. A fixação de médicos tem de ser uma prioridade de qualquer governo, não tenho dúvida. Terá de ser do Governo socialista. A fixação de um número mínimo de médicos por localidade. Por ora, tem vindo a encontrar-se aqui sempre soluções. Esse panorama, no nosso distrito, está garantido, não com o número ideal de quadros médicos... Há duas semanas saiu o despacho que estabelece um número de vagas nos centros de saúde que podem ser majoradas para a fixação dos médicos no interior. Todos os 13 concelhos da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo têm vagas para preencher, nos centros de saúde, e nenhum tem qualquer vaga abrangida pelo despacho. Ou seja, o Governo apregoa uma coisa, mas fez precisamente o contrário, o que nunca tinha acontecido. Se inverterem esta posição, podem, naturalmente, dar resposta e fixar mais médicos no interior. Este é um exemplo concreto de um despacho que já existe, que já vem de outros governos e que continua a ser aplicado. Os médicos que vierem para estes centros de saúde têm majorações, têm benefícios específicos. Bastava este Governo dizer que no Centro de Saúde de Ourique, Castro Verde, Almodôvar, Barrancos, os médicos, se fossem para lá, teriam a sua situação majorada. Não o fez, não criou essa oportunidade.
E em relação à requalificação do hospital, cujo despacho para avançar com o seu projeto foi publicado no dia 17 de abril, qual é também a garantia de que não teremos uma infraestrutura valorizada mas vazia de recursos humanos?
Este despacho também se aplica aos hospitais. Para além disso, acho que está a ser construída uma boa dinâmica [no hospital]. Os médicos, designadamente, dos hospitais, têm de fazer escola, têm de fazer trabalho de equipa. E o hospital José Joaquim Fernandes foi, durante muitos anos, um hospital para onde os médicos queriam vir porque tinha boas equipas. Esse é um dos caminhos e eu acho que a anterior e esta administração estão fazendo esse trabalho, até na saúde mental. É uma referência nacional. E essas referências nacionais, sem, às vezes, se pagar mais, conseguem essa atratividade. Temos de continuar a investir na saúde mental, mas não só, também em outras especialidades, [para que seja uma referência] e isso pode permitir uma maior atratividade.
A gestão do hospital de São Paulo, em Serpa, regressou recentemente para a Santa Casa da Misericórdia de Serpa, depois de a União das Misericórdias Portuguesas considerar que não havia condições para manter o acordo de gestão em parceria firmado em janeiro do ano passado. No seu entender, qual deverá ser a solução? Considera que é viável a sua “devolução integral” ao Serviço Nacional de Saúde, como defende o Movimento de Defesa do Hospital de São Paulo, ou deve manter-se no setor social?
A solução passa por não desperdiçar o trabalho e o investimento que já foi feito. Um investimento muito significativo – e no qual também me empenhei – com financiamento comunitário, [num] excelente bloco operatório. Não faz sentido aquele bloco operatório não estar ao serviço dos baixo-alentejanos e ao serviço da população. Houve um acordo com o setor social e temos vindo a dizer que é importante que o Serviço Nacional de Saúde [SNS] se reforce com o apoio ao setor social. Ao que parece não há condições por outros encargos da santa casa. Então, se assim for, tem de se separar uma coisa da outra. Se for possível ultrapassar as condicionantes e poder ser complementar com o setor social, perfeito. Se não for, naturalmente, tem de voltar para o Serviço Nacional de Saúde para dar resposta. Como está é que não pode continuar.
Mas é uma situação que já se arrasta há algum tempo…
Quando me empenhei [no funcionamento da unidade médico-cirúrgica], até antes do último período eleitoral, havia a convicção de que iam ter capacidade e iriam conseguir dar resposta às exigências do contrato, ao que parece não foi solução. Eu não adivinharia que não era possível. Mas se se chegar à conclusão que não é possível, tem de se encontrar uma solução.
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, admitiu que a gestão da imigração feita pelos socialistas não foi perfeita e opõe-se ao regresso do regime das manifestações de interesse – criado pelo Governo de António Costa. No início de abril foi assinado um acordo de cooperação para a migração laboral regulada entre o Governo, confederações patronais e associações empresariais. Como olha para a questão da migração, que assume especial preocupação neste território? Qual a política de imigração que defende?
A política de imigração é talvez das políticas mais difíceis de implementar e de compreender. Porque os movimentos migratórios não funcionam por despachos, por decreto. Funcionam fruto de dificuldades de milhares de pessoas. Fogem à fome e à guerra. E não é possível, de um momento para o outro, dizer: “Agora não entram, agora entram, agora só entram uns para a agricultura”. Não é possível. Mesmo até em [termos de] política de imigração na Europa continuam a morrer centenas e centenas de pessoas, mulheres e crianças, no Mediterrâneo, num barco, que fogem à fome. As pessoas vão continuar a entrar. Tem de haver é, na política de imigração, modelos de desmantelamento de máfias. Pessoas que se aproveitam da situação de fragilidade de outras. Isso tem de ser um compromisso. Temos de ter mão dura com essas máfias. Que não são estranhas. Que não são novidade. Porque nos anos 60 [do século passado] havia os passadores que passavam os nossos emigrantes para França e Alemanha. Não eram chamados de máfias na altura; simpaticamente, eram passadores. Mas o modelo era o mesmo. E temos de ter grandes políticas de integração. Os setores informarem, atempadamente, do que é que precisam em termos de mão de obra. Depois, quando os recebemos cá, integrá-los. A chave é integração. A chave é os empresários, quando os recebem, criarem condições para os manter e não os deixar ficar em guetos. A chave é não abandoná-los, porque se os abandonar, mesmo que eles venham numa pseudo [migração] regulada, vão-se criar [problemas} no dia a seguir. Precisamos de muita mão de obra, [mas] precisamos de a integrar, saber respeitar. O segredo é a integração, não as restrições a montante.
Mas concorda com este protocolo? Em que o trabalhador vem com um contrato de trabalho válido, um plano de alojamento adequado, entre outras condições…
Concordo. Não se pense é que isso vai resolver todos os problemas, porque não vai. Porque o problema é, depois, a sua integração, a continuidade no seu processo de trabalho, na vida ativa, das suas famílias. Dou este exemplo: vêm num processo de migração regulada, com um posto de trabalho. Suponhamos que 15 dias depois de estar nesse posto de trabalho até não gosta, não se adapta, e quer mudar. Porque as pessoas também são livres. Também acabam por se deslocar para outra região. Vamos fazer como? Tem de estar circunscrito? Não podemos ter uma imigração que seja tão condicionada, tão restritiva, porque isso também não vai dar bom resultado. Não deu bons resultados em França, na Alemanha, e vejam-se os movimentos extremistas. A chave é, depois de os ter cá, saber integrá-los. E aí há também responsabilidade das entidades empregadoras e dos setores de atividade. Não podemos permitir que as pessoas fiquem abandonadas à sua sorte. Dou outro exemplo em que o Estado tem grandes responsabilidades – e que resolvia, também, grande parte dos conflitos com a imigração. Temos serviços públicos que estão debaixo de grande pressão por dar resposta às comunidades imigrantes. Finanças, segurança social, serviços de emprego. Continuamos a oferecer o mesmo serviço para uma população de 10 e agora estão 500. Claro que o serviço público não consegue dar essa resposta, nem corre bem. Por que é que o Estado não cria equipas móveis, soluções expeditas para evitar conflitos? Que são peanuts [ninharia] no funcionamento do Estado. Se as finanças de Beja, por exemplo, continuam com o mesmo número de funcionários, naturalmente, não conseguem dar resposta. Isso vai gerar o quê? Vai gerar conflito, vai gerar animosidades entre os migrantes e os residentes.
Caso seja eleito deputado, e considerando que já presidiu à Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, quais serão as suas prioridades para o setor agrícola e para mundo rural?
Quero deixar aqui uma nota do meu compromisso. Sou candidato a deputado, pelo círculo eleitoral de Beja, e esse é o meu compromisso com os baixo-alentejanos. E serei a tempo inteiro. E quero deixar já aqui um repto aos meus adversários que ainda não se decidiram se também serão candidatos autárquicos. Desafio-os a dizerem se são candidatos a deputados ou se são candidatos autárquicos, é que as Autárquicas são já em setembro. Se forem eleitos, praticamente nem tomam posse, porque começam numa candidatura autárquica. Devem dizer aos eleitores ao que é que vão. E isto é para o candidato do PSD e para o candidato do Chega [ao círculo de Beja]. Eu digo: venho servir, em primeiro lugar, a região. Esse é o meu objetivo. E, naturalmente, estou muito ligado ao setor agrícola. Orgulho-me muito do trabalho que fiz. Sou muito honrado do reconhecimento que tive em termos nacionais, por todos os quadrantes, em especial, pelo meu. Exerci, em duas legislaturas, [o cargo de] presidente da comissão parlamentar. Nunca um baixo-alentejano tinha desempenhado um tão honroso cargo. Eu fi-lo e farei nomeadamente com a mesma entrega de trazer para a agenda política as dificuldades do mundo rural e de uma agricultura que tem vindo a fazer o seu caminho com grande dificuldade. Pese, embora, haja uma agricultura moderna, com grande incremento de inovação e que tem dado um grande contributo para a economia nacional. E às vezes esqueciam isto. O Alentejo deixou de ser o Alentejo dos cereais, passou a ser o Alentejo do azeite... Continuamos a ter mais agricultura, mais agricultura com regadio, uma agricultura mais forte, mais resiliente, não esquecendo os produtos tradicionais. Temos tantos exemplos já nesta região, com o consumo das raças autóctones, com a participação das autarquias, com nichos de uma agropecuária, de uma agroindústria gourmet. O meu compromisso é total com essa agricultura, com essa pecuária, com as dificuldades dos territórios do interior, nomeadamente, neste concelhos que estão sobre grande stresse. Quero deixar outra nota, e também esse é o meu compromisso com esta região. Pôr na agenda política que temos de encontrar uma solução para o sistema eleitoral. Não podemos continuar a ter um sistema eleitoral que nos prejudique, que tenha eleitores de primeira e de segunda. [Nas últimas Legislativas] ficámos a 800 votos de não eleger o terceiro deputado. Se continuarmos com o decréscimo populacional, numa próxima legislatura já não vamos eleger três deputados, vamos eleger só dois. Ou seja, menor será a nossa força, mais difícil será fazer ouvir a nossa voz. É preciso encontrar uma solução para isto. Que o círculo eleitoral deixe de ser Beja e passe a integrar, talvez, os concelhos do litoral alentejano. É uma proposta.
As obras de ligação do Alqueva à barragem do Monte da Rocha arrancaram em julho de 2024 com o objetivo de garantir segurança hídrica e abastecimento de água a Ourique, Almodôvar, Castro Verde e parte dos concelhos de Mértola e Odemira e a criação de uma nova área de regadio em Aljustrel e Ourique. Com o prolongamento do Alqueva para sul, será possível combinar agricultura intensiva com práticas de diversificação agrícola? Com produtos de nicho, como referiu?
Tem de ser. Esse é um bom exemplo do tempo que mediou entre a decisão política de se fazer e [a concretização] [d]a ligação do Roxo à [albufeira do Monte da] Rocha. Foram anos. Para já, os estudos prévios. Depois, estudos de impacte ambiental. Depois, a incompatibilidade com o parecer negativo por parte do ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas], [relativo a] uma colónia de abetardas. Atrasou a sua execução. Mas há regras, nacionais e europeias. Para garantir financiamento tinha de se ter uma declaração de impacte ambiental. Teve de se encontrar soluções. De haver cortes no regadio a financiar. Mas a resiliência é o segredo. E aí orgulho-me de toda a resiliência que tive durante tantos anos para permitir que se tivesse já iniciado a sua construção. Virem agora uns dizer: “Ah, já estamos a fazer”. Pois, muito obrigado, é fácil dizer isso. [Mas] não vai conflituar com uma agricultura tradicional, uma agricultura que necessita também de água. Antes pelo contrário. Vai ser complementar, desde que não queiramos transformar aquela região – aliás, acho que não tem condições para isso, até em termos de qualidade dos solos – num regadio igual ao que temos em Beja ou em Cuba. Se fosse assim, iríamos destruir totalmente a paisagem. Não, não é isso que vai acontecer. Agora, não é possível continuar com a agricultura que se teve até aqui se não houver gota de água. Não é possível chegar ao verão e os agricultores terem de vender o seu efetivo pecuário porque não têm água para lhe dar. E fruto das alterações climáticas tem vindo a acontecer há alguns anos. Ou seja, debaixo dessa pressão, acabam por vender o seu efetivo pecuário, porque não há água para o abeberamento dos animais.
Que tipo de regadio é que se poderá esperar?
Será sempre um regadio diferente, de apoio a estas culturas [existentes], até porque há concelhos que estão abrangidos por condicionantes ambientais muito fortes, nomeadamente, a Reserva da Biosfera, a Zona de Proteção Especial, toda aquela fauna e flora. Foi necessário fazer cortes na área [que seria abrangida] com regadio na ligação do Roxo à Rocha. Estava previsto muito mais. Houve um corte de 600 hectares. Penso que esse equilíbrio existirá sempre naquela região para bem de todos… Estamos a falar de três mil hectares... Será o livre arbítrio dos agricultores, mas penso que aí deverá ser mais olival.
Falou no decréscimo populacional. Na existência de poucos eleitores. O distrito de Beja perdeu 5,5 por cento dos seus habitantes entre 2011 e 2021, segundo os resultados dos últimos Censos, sendo que apenas o concelho de Odemira registou um aumento populacional. Que medidas considera fundamentais serem tomadas para estancar e reverter o despovoamento na região?
Primeiro passa por sabermos integrar essas comunidades que vêm para a nossa região. [A interligação das comunidades] irá acontecer, naturalmente, através dos relacionamentos, dos casamentos. [Mas] para se fixarem na nossa região é preciso haver respostas que não têm vindo a crescer à medida das necessidades, nomeadamente, creches. Há trabalhadores que se deslocam para a nossa região que têm já uma grande dificuldade em deixar os seus filhos em creches. É um dos problemas que temos de resolver. Mais creches para permitir a fixação de mais gente no interior. E, depois, em conjunto com as autarquias, haver aqui políticas de discriminação positiva, solicitando que as pessoas se instalem no interior, nomeadamente, [através] [d]o teletrabalho. [Temos] de criar aqui um conjunto de condições. A discriminação positiva, as creches, mas também a ligação à Internet. Nestes contactos que tenho tido há alguns miúdos, filhos da terra, que trabalham para empresas nos Estados Unidos da América, mas vivem em Lisboa, ou no Porto, ou em grandes cidades, não por não gostarem de estar aqui… É que a velocidade e as condições da Internet não permitem trabalhar aqui. Isto pode, às vezes, parecer ridículo, mas é verdade. Temos de ter um forte investimento na Internet de quinta geração para permitir que as pessoas possam estar aqui com qualidade de vida. E isso contraria o decréscimo da população. Temos de explicar com factos, com evidências, que as pessoas não têm que estar a viver sob pressão nas grandes cidades, quando se podem instalar aqui.
Mas como é que se pode atrair pessoas de outras áreas de atividade e evitar o êxodo dos que nascem na região?
Temos o exemplo, em Beja, do Nerbe – Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Litoral, com o nicho de empresas que criou. Tem empresas ali sediadas de gente que nada tem a ver com esta região e que viram ali uma oportunidade. E há muitos exemplos. Agora está num processo de ampliação com a segunda fase. São esses exemplos que têm de ser replicados noutras autarquias, um pouco por toda a região. Temos de estar empenhados. Não com uma preocupação de resistência, mas, de captação de investimento. Estamos aqui na sede da EDIA [Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva], o exemplo de um bom investimento público. Com um conjunto significativo de quadros, [com] todo o seu know how, toda a experiência que tem em expropriações, em processos de regadio, topografia, levantamentos. Mas terá de haver outros. Com a nova agricultura – a que muitas vezes também somos resistentes –, visitei alguns lagares, recordo-me de um que tinha cento e poucos trabalhadores, e, desses, oitenta e tal eram trabalhadores licenciados, mais de 50 por cento tinham vindo fora da região e estavam aqui sediados, mas, se calhar, não totalmente. Continuam a ter residência fixa nas suas regiões… Temos de os captar para que fiquem, efetivamente, residentes aqui, e isso também com uma resposta à habitação, que temos de melhorar. Penso que a construção das 500 camas irá aliviar o stresse em que está também o parque habitacional em Beja. Vai libertar muitas outras casas. Indiretamente, vai ter um efeito direto do mercado de arrendamento e isso também vai disponibilizar mais casas em Beja, para que as pessoas se possam vir aqui fixar. [E devemos] continuar a investir em mais habitação, porque esse também é o segredo.
Recusa, então, que o distrito tem estado votado ao esquecimento…
Isso é uma narrativa que tenho repudiado. Os distritos do interior… todos eles têm dificuldades. O nosso até tem… Nós temos autarquias que têm tido uma capacidade de investimento, de atratividade extraordinária. Moura tem hoje um centro náutico na área do desporto, o que está a ser feito nas minas, quer em Aljustrel, quer em Castro Verde. São setores que têm crescido tanto e tem havido aqui um trabalho tão extraordinário nesta região que nós temos de o valorizar. [Continuar com] esse discurso do esquecido… temos o exemplo de tantos milhões que já foram investidos, tanto que está a ser feito na região. Mas nós temos essa tendência. Temos de mudar esse paradigma.