Diário do Alentejo

Beja “são as pessoas que a habitam, que aqui trabalham”

20 de abril 2025 - 08:00
Videoclipe de Paulo Ribeiro sublinha a possibilidade de convivência pacífica entre os povosFoto | Vasile Iavorovschi

Está prestes a ser publicado o videoclipe da música “Breve será vencedora”, do novo disco de Paulo Ribeiro, reunindo, com a cidade de Beja como plateau, participantes de várias nacionalidades, pretendendo celebrar as diferentes culturas e sublinhar a necessidade de acolher quem chega.

 

Texto | José SerranoFoto | Vasile Iavorovschi

 

O centro histórico de Beja foi, recentemente, palco da gravação do videoclipe da música “Breve será vencedora”, tema que faz parte do repertório de 12 canções do disco “Invisível a meus olhos”, trabalho discográfico assinado pelo músico bejense Paulo Ribeiro. A filmagem, que se prevê ser apresentada, “muito em breve”, conta com a presença de figurantes portugueses e estrangeiros, imigrantes vindos de países como Senegal, Gâmbia e Moçambique, com o objetivo de celebrar as diferentes culturas e sublinhar a necessidade de acolher o “outro”, aquele que chega a Beja, vindo de geografias distintas, com culturas e credos diferentes.

“A música, em si mesma, já incorpora esse espírito”, de acolhimento, refere Paulo Ribeiro, ao integrar a voz da cantora espanhola Mili Vizcaíno Jaén e do multi-instrumentista Ustad Fazel Sapand, refugiado afegão que canta neste tema um verso, em língua persa, de sua autoria, inspirado no poema, que dá corpo linguístico à música, do rei-poeta Al-Mutamid, nascido em Beja no século XI. “Ou seja, há nesta canção a presença de várias línguas e de uma sonoridade que remete para o norte de África e para a Península Ibérica, assente numa ideia de multiculturalidade”.

Conceito que, para o cantautor bejense, realça, “ao contrário do que muitas vezes se propaga”, a riqueza, do ponto de vista civilizacional. “Beja, ao longo de muitos séculos, teve vários povos que povoaram o território – fenícios, cartagineses, romanos e árabes –, deixando, aqui, cada um, as suas próprias marcas, indeléveis. Num tempo onde se propaga o ódio contra os imigrantes, num tempo em que parece haver um retrocesso da noção de aceitação do que é ‘diferente’, pretendi, neste videoclipe e nesta minha música, unir uma série de gente”, metáfora para a possibilidade de convivência pacífica entre os povos, “capaz de permitir a evolução de todos, no melhor dos sentidos”. Desta forma, a decisão de Paulo Ribeiro assenta “não só de uma escolha artística”, mas, ao mesmo tempo, num propósito de intervir socialmente, colocando questões.

“Beja é hoje diferente, mas, se há, atualmente, coisas piores na cidade, não têm a ver, na minha opinião, com os imigrantes. É evidente que nós sabemos que há uma série de dificuldades neste processo de integração, mas há que encarar o ‘outro’ como alguém que vai trazer coisas boas, diferenças que nos permitirão evoluir, crescer económica, social e culturalmente”. Beja, diz, “são as pessoas que a habitam, que aqui trabalham e creio que esta música e esta filmagem pode marcar um momento muito específico do que é viver, do que é estar aqui, em 2025. Há 20 anos, eu não conseguiria ter a participação de representantes de tantos países, de tantas culturas e línguas. E para mim, enquanto artista, é muito interessante captar esta realidade contemporânea”.

Frisando este pensamento, o da positividade do encontro entre diferentes culturas, Paulo Ribeiro discorre: “Estes dois músicos estrangeiros que participam nesta música [“Breve será vencedora”], a Mili e o Fazel (ambos a morar em Beringel), se não estivessem a viver aqui seria mais difícil interagir com eles. Ou seja, já estou aqui a dar um exemplo de como, neste caso, através da música, podemos aceitar o ‘outro’, pensando e realizando coisas em conjunto. Eu acho que isto é humanismo e na arte devemos procurar esse lado humanista da vida e de ligação aos ‘outros’”. Evidenciando a ideia de intervenção social que a criação artística pode desenvolver, Paulo Ribeiro reforça a importância, neste âmbito, dos agentes culturais. “É evidente que entendo a arte, nomeadamente, a música, como entretenimento, como algo que fazemos para nos divertirmos, podermos expressar-nos sobre os mais diversos assuntos, o amor, a vida… Mas julgo que devemos, também, enquanto artistas, estar atentos àquilo que se passa no mundo, ao que nos rodeia e preocupa.

É essencial que intervenhamos, que digamos o que pensamos sobre questões sociais, raciais, de integração, de habitação, enfim… Cada um trilhará o seu próprio caminho, que eu respeito, mas penso que não nos devemos remeter, só, a fazer canções para entreter. Por isso, considero muito importante que os artistas estejam, de certo modo, comprometidos com determinados valores, desencadeando, artisticamente e através da palavra, ações cívicas. Isso é relevante, é esta a minha visão”.

Acerca de “Invisível a meus olhos”, o sexto disco do autor, Paulo Ribeiro define-o como um trabalho “em que a tradição e a reinvenção se voltam a conjugar”, com a presença do cante, através do Grupo Coral e Etnográfico Os Ganhões de Castro Verde, e de sonoridades urbanas, musicalidades que têm influenciado e marcado o seu percurso musical e artístico. As canções, compostas a partir de um roteiro poético de nomes tão distantes como Al-Mutamid e Idris Ibn al-Yaman (poetas do séc. XI), Santa Teresa d’Ávila (séc. XVI), Natália Correia, Tiago Rodrigues e do próprio autor, percorrendo um milénio de pensamento, têm “muito presente” o universo feminino, através das interpretações de Beatriz Nunes, Idalina Gameiro, Mili Vizcaíno Jaén, Gisélia, Patrícia Silveira e Patrícia Antunes, bem como no acompanhamento musical de Bia Stutz (clarinete) e Ana Santos (violino). “É um disco que fala de amor, erotismo, alegria, de união entre diferentes culturas e que abre o Alentejo ao mundo”, elucida o autor, informando que um próximo trabalho, a ser editado, para o ano, está já a ser preparado.

 

 

Homem dos sete instrumentos

No que diz respeito ao número de projetos em que desenvolve atividade artística musical, diversificada nas funções e nas sonoridades, Paulo Ribeiro é um “homem dos sete instrumentos”. Assim, para além do trabalho que assina em nome próprio, o músico é ensaiador do Grupo Juvenil Coral e Etnográfico Rouxinóis do Alentejo, diretor coral no projeto do Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias e Pedro Abrunhosa, ensaiador do Grupo Coral e Etnográfico Vila Morena – Grândola, membro dos Tais Quais, ensaiador, em conjunto com Ana Santos e Celina da Piedade, do Grupo de Cante Alentejano Futurama. É, ainda, um dos membros do grupo pop Os Gerúndios, duo constituído, em Beja, em 2024, por Elias Caliço e Rodrigues Rosa, alter ego de Paulo Ribeiro e Manuel Nobre, “projeto musical que incorpora diferentes sonoridades e ritmos que convidam à dança”. O álbum “Amanhã logo se vê”, editado no final do ano passado, é o resultado do encontro destes “dois músicos e amigos”. O disco, disponível nas plataformas digitais e também em formato vinil, é constituído por sete composições originais e contou com a colaboração de Armando Teixeira (Balla, Bulllet, Knok Knok) na produção musical. Os Gerúndios já realizaram quatro concertos de apresentação deste trabalho discográfico e preparam, para este ano, novas músicas e apresentações.

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