Um provérbio chinês aconselha a que não se volte aos lugares onde se foi feliz. Indiferentes a isso, João Rocha (Serpa) e Francisco Orelha (Cuba) estão apostados em regressar à vida autárquica e aos lugares que ocuparam durante longos anos. Há quem aponte a idade como um handicap para o exercício do cargo, mas eles olham para a experiência e para o conhecimento adquirido como uma mais-valia que não deve ser desprezada.
Texto Aníbal FernandesFotos José Ferrolho/Arquivo
João Rocha presidiu à Câmara Municipal de Serpa entre 1979 e 2012 – ano em que cedeu o seu lugar a Tomé Pires, que venceria as duas eleições seguintes e que, em 2021, também passaria a pasta ao atual presidente do executivo, João Efigénio Palma, que não se recandidata. Recuperaria, ainda, em 2013, a Câmara Municipal de Beja para a CDU.
Nasceu há 74 anos na aldeia de Perre, no concelho de Viana do Castelo, e em 1976 assentou arraiais em Serpa, na escola secundária, onde se manteve como professor até 1979, ano em que foi eleito, pela primeira vez, para a presidência da autarquia, nas listas da, então, Aliança Povo Unido (APU).
“Tempos diferentes, soluções diferentes”
O histórico autarca, sempre eleito nas listas da CDU, apresenta-se agora a liderar um grupo de cidadãos motivado pela “estagnação” que diz ver no concelho. “Em 1979, quando eu e a minha equipa iniciámos o trabalho foi necessário traçar um plano estratégico para dar resposta aos problemas que se apresentavam ao concelho na altura. Hoje é necessário um outro que responda às questões do presente, mas que o prepare para o futuro e para as novas gerações”, diz João Rocha ao “Diário do Alentejo” (“DA”).
“Para desafios e tempos diferentes são precisas soluções diferentes e inovadoras. Se nos primeiros tempos o saneamento básico, o fornecimento de água e eletricidade às populações, os caminhos rurais foram prioritários, nos tempos que correm temos de responder a outras questões, a começar pelo despovoamento e envelhecimento da população, captar jovens para o território; encarar a digitalização como um objetivo primordial; olhar para a agricultura de sequeiro e criar condições para que os campos não sejam abandonados ou revitalizar e atrair mais indústria e investimento. E ter uma estratégia para o centro histórico de Serpa”, elenca o autarca, acrescentando a necessidade de um “maior aproveitamento dos fundos comunitários disponíveis”.
Para isso conta com o “Fazer”, grupo que diz ser constituído por “cidadãos de diferentes sensibilidades, mas com um pensamento comum, o querer fazer o melhor pelo concelho. Que conhece o concelho e está disponível para trabalhar num processo de desenvolvimento, de forma participada, ouvindo todos e não deixando ninguém para trás”.
E quem lhe aponta a idade como um handicap para a tarefa a que se propõe, diz que “os 70 são os novos 50, e a idade até deve ser considerada uma vantagem, pela experiência e contactos que tenho. E há muitos, mais novos, que podiam fazer bem melhor do que fazem, acho. Mas esta equipa tem gente de várias idades e com muita vontade de concretizar os projetos que queremos realizar”, conclui.
“Amor à terra”
Francisco Orelha foi eleito, pela primeira vez, presidente da Câmara Municipal de Cuba em 1997, à frente da lista do Partido Socialista. Seguiram-se 16 anos no mesmo cargo e, agora, aos 77, e 12 anos após ter deixado o executivo, volta a tentar a eleição pelo mesmo partido.
Cumpriu o serviço militar entre 1969 e 1972, com a especialidade de Mecânico, em Elvas, Entroncamento, Beja e Évora: “Felizmente não fui incorporado para o Ultramar”, diz. Em 1976 iniciou a sua atividade empresarial como sócio da Auto Reparadora de Cuba. Nos anos 80 presidiu à direção do Sporting Clube de Cuba – emblema onde tinha sido atleta e treinador – e integrou a direção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cuba e Vidigueira. Em 2008 foi um dos fundadores do Instituto Diogo Dias, a escola profissional de Cuba, e da Associação Cristóvão Colon. Desde 2019 que é provedor da Santa Casa da Misericórdia de Cuba.
Em conversa com o “DA”, Francisco Orelha diz que o que o motiva a avançar é, “primeiro, o amor à minha terra, o espírito de missão e as minhas gentes. Não é uma questão de promoção pessoal, até porque estive 16 anos ao serviço desta terra e não é por voltar a exercer o cargo que tirarei mais qualquer proveito; em segundo lugar, porque estou preocupado com os últimos 12 anos de gestão da CDU, que deixou o concelho completamente estagnado.”
Considera que Cuba é, hoje, “um dormitório de Beja”, com um “acentuado decréscimo demográfico”, que em cerca de uma década “perdeu mil pessoas”, o que, segundo Francisco Orelha, se fica a dever à “falta de uma aposta no desenvolvimento económico”.
Diz que nos seus mandatos deixou “a primeira fase do parque industrial concluída, prevendo a eletrificação da linha [entre Casa Branca e Beja]”, e negociaram “com a EDIA [Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva] uma ligação por estrada ao aeroporto”. Defende que com as “boas acessibilidades rodoviárias, com o IP2 a seis quilómetros, e o IP8 e a futura A26 a 10 quilómetros”, quando “estes projetos estruturantes estiverem concluídos, Cuba será um dos concelhos mais promissores do distrito para fazer investimentos, e eu quero afirmar Cuba como um grande centro empresarial do Baixo Alentejo”.
Quanto à idade, diz que “não tenho anos, tenho vida. Quando os meus adversários apontam isso fico satisfeito porque é um sinal de medo. Estou determinado a fazer um grande trabalho pelo concelho e os anos não me pesam. Com o andar dos tempos analisarei se farei um segundo mandato ou não. Mas quero deixar os projetos que tenho em mente todos no terreno. Não quero com isto dizer que os vá concluir, porque não é fácil, nem depende só de nós”.