Diário do Alentejo

CMBeja diz que não iniciou “negociações” com proprietários da Casa Ribeiro

14 de março 2025 - 19:00
Localização de um novo alojamento de emergência social no centro histórico e comercial da cidade “não é o mais aconselhável”, afirma Paulo Arsénio, presidente da autarquiaFoto | Ricardo Zambujo

Paulo Arsénio, presidente da Câmara de Beja, confirma que a autarquia solicitou uma avaliação ao imóvel da Casa Ribeiro para eventual aquisição para mudança dos serviços sociais do município, mas reitera que “não é comprador”, nem iniciou “negociações com os proprietários do mesmo”. O autarca considera, ainda, que o centro histórico e comercial da cidade não é a localização “mais aconselhável” para a instalação de um centro de alojamento de emergência social.

 

Texto | Nélia Pedrosa*Foto | Ricardo Zambujo

 

O presidente da Câmara Municipal de Beja reitera que o município “não é comprador” do edifício da Casa Ribeiro, na rua da Infantaria 17, “nem para si próprio, nem para cedência a terceiros”, não tendo “sequer iniciado quaisquer negociações com os proprietários do mesmo”, e que a localização de um centro de alojamento de emergência social (CAES 2.0) “no centro histórico e comercial da cidade”, no referido edifício, “não é, de todo, a mais aconselhável”.

Contactado pelo “Diário do Alentejo” (“DA”), Paulo Arsénio sublinha, em nota de esclarecimento, que a autarquia foi convidada “a conhecer a intenção de instalação de um CAES 2.0 na cidade de Beja”, um projeto apresentado “como sendo uma estrutura de âmbito nacional destinada a acolher, de forma temporária e urgente, indivíduos adultos ou famílias em situação especial de vulnerabilidade e de desproteção social”, e que foi informada que “esta intenção resultava de uma parceria entre o Centro Distrital de Beja da Segurança Social, a associação Estar e os proprietários de um imóvel localizado no centro histórico da cidade e que é de todos conhecido por edifício Casa Ribeiro”.

No decurso das conversações, confirma o autarca, a câmara solicitou “uma avaliação ao imóvel para eventual aquisição para mudança dos serviços da Divisão de Desenvolvimento e Inovação Social (DDIS) do município de Beja”. A intenção do município, frisa Paulo Arsénio, “foi, e continua a ser, a de encontrar um espaço onde seja possível concentrar todas as suas respostas sociais a que está obrigado desde a transferência de competências na área social de abril de 2023, incluindo um centro de acolhimento temporário, com cerca de 12 camas, capaz de responder às situações de emergência local”. Segundo o autarca, “desde o primeiro momento a Câmara Municipal de Beja identificou, para além desta, outras possíveis opções por ter dúvidas se a localização da Casa Ribeiro seria indicada para os efeitos pretendidos”.

Paulo Arsénio esclarece, igualmente, que “é entendimento do executivo em permanência da Câmara Municipal de Beja que a instalação de um CAES 2.0 na cidade não obriga necessariamente ao envolvimento da autarquia”, pois as necessidades desta “são diferentes daquelas que norteiam o projeto de âmbito nacional CAES 2.0”, e frisa que existe um CAES no concelho de Beja, “que resulta de uma parceria entre a segurança social e a Cáritas Diocesana de Beja, com capacidade para 30 utentes, e que foi apoiado pelo município em 35 000 euros para obras de adaptação”.

Recorde-se que na quarta-feira da semana passada, dia 5, em declarações ao “DA”, a diretora-geral da Estar garantiu que a câmara municipal “foi chamada a participar desde o início” no processo que visava “encontrar uma resposta social a aplicar ao edifício” pertença de uma empresa privada, por isso, “a atitude do presidente da Câmara de Beja”, na reunião de câmara de 19 de fevereiro, em que disse que o município não tinha “qualquer envolvimento” no processo, “foi desoladora”. De acordo com Madalena Palma, a autarquia propôs “fazer uma avaliação externa ao edifício para [ver] se iria comprar, se o valor era agradável ou não, para depois nos apresentar [esses valores] e saber se aceitaríamos a proposta”. Essa reunião, adiantou a responsável, “só iria acontecer após a validação do orçamento em assembleia municipal”. “O presidente voltou atrás (…) sentiu-se pressionado, não sei, pelos comerciantes (…) mas ainda estamos à espera que nos diga qual foi o valor da avaliação do edifício e se vai ou não fazer-nos a proposta para aquisição”, afirmou.

Já em meados de janeiro, em declarações à “Voz da Planície”, Madalena Palma tinha adiantado que a Estar estava, “juntamente com uma empresa privada aqui em Beja, a Manuel António Ribeiro e Filhos, onde está Luís Pedro Serrano, da Norma, e António Almodôvar, de uma família que dispensa qualquer apresentação na região”, e em conjunto “com o Centro Distrital de Beja da Segurança Social, a trabalhar num projeto muito inovador, que vai beneficiar toda a resposta de emergência social em todo o distrito e vai colocar Beja no mapa na emergência social nacional”.

O referido edifício albergou durante décadas a Casa Ribeiro, espaço comercial dedicado ao comércio de mobiliário, eletrodomésticos, louças, vidros, artigos de decoração, discos, candeeiros e artigos elétricos, pertença de Manuel António Castilho Ribeiro e Maria Antonieta Brandão da Silva Ribeiro, que, de novembro de 1993 até maio de 2023, detinham a empresa Manuel António Ribeiro e Filhos, Lda., com sede na rua da Infantaria 17, n.º 5, em Beja.

Segundo o que o “DA” apurou, por essa altura o casal cessou funções como membros dos órgãos sociais da empresa, passando a mesma a pertencer, em partes iguais, às empresas Versão Ideal, Lda. e Veredas e Estevas, Lda., cujos sócios-gerentes são Luís Pedro Serrano e António Almodôvar, respetivamente. Foi também nesse momento que a sede da Manuel António Ribeiro e Filhos, Lda. passou para o largo de Santa Maria, n.º 21, em Beja, onde está sediada a Versão Ideal, Lda..

Contactado pelo “DA”, Luís Pedro Serrano, que é também um dos sócios-gerentes da empresa Moreira e Serrano, detentora da marca Grupo Norma (que opera nas áreas de arquitetura e construção e que está instalado na mesma morada da Manuel António Ribeiro e Filhos e da Versão Ideal, Lda.), afirmou que, “neste momento, não é possível tecer qualquer comentário” sobre o processo.

 

Estar não desiste Na semana passada a diretora-geral da Estar garantiu, no entanto, ao “DA”, que a associação não vai desistir de instalar uma resposta social no edifício da Casa Ribeiro. “Não vamos, obviamente, desistir. Nós e a empresa privada [proprietária do edifício] estamos firmes nessa solução”, afirmou, adiantando, contudo, que, neste momento, “ainda nada está decidido”.

Ainda nas declarações proferidas ao “DA”, Madalena Palma sublinhava que, “para que não houvesse qualquer tipo de aproveitamento político em ano de eleições”, a Estar “sempre informou os vereadores da oposição, tanto da CDU, como do Beja Consegue, sobre tudo, para que toda a gente se visse envolvida no projeto (…) [e] foi desolador ver que ninguém se pronunciou com a verdade ali [na reunião de 19 de fevereiro]”.

 

O que dizem os vereadores da oposição De facto, só na última reunião de câmara, no passado dia 5, é que o vereador da oposição Vítor Picado, eleito pela CDU, acusou o executivo socialista em funções de na reunião do dia 19 de fevereiro ter faltado “deliberada e ostensivamente à verdade”, ao afirmar que a autarquia “não teria nada a ver com a situação ou desconhecia em absoluto a situação”, quando “é público que houve uma série de reuniões na qual a câmara participou no sentido de dar uma resposta à situação que era colocada (…)”, assim como também é, “mais ou menos, público, que a câmara terá solicitado uma avaliação ao edifício no sentido de proceder à sua aquisição”.

Ao “DA”, o vereador da CDU, embora admitindo que foram informados pela Estar da “intenção de criar uma resposta [social no edifício]”, justifica que não se pronunciaram na reunião do dia 19 de fevereiro porque foram “apanhados de surpresa”. “Podíamos ter pedido a palavra, mas não o fizemos porque precisávamos de recolher mais informação, porque, às vezes, também temos de ter o cuidado de falar no momento certo e, naturalmente, não estar aqui contribuindo para mal-entendidos”, adianta o autarca, reforçando que a câmara “mentiu de forma deliberada e ostensiva”, pelo que, “antes de mais”, deverá fazer “um pedido de desculpas público aos vereadores, aos comerciantes, à associação [Estar], à comunidade de Beja”, e, depois, ter “a capacidade de aglutinar vontades, sentar-se à mesa com todos os intervenientes para que se possa chegar a bom porto”.

Em relação à instalação de um centro de alojamento de emergência social na Casa Ribeiro, Vítor Picado considera que o edifício poderia ser aproveitado para acolher “artistas, professores, médicos”. O vereador defende, ainda, que Beja precisa de uma “resposta não tipificada na segurança social, uma resposta diferenciada, tendo em conta a própria realidade que temos em Beja”, e frisa que “há respostas que são dadas pelas associações que não podem ser identificadas”, nomeadamente, “as que albergam pessoas vítimas de violência doméstica”. E conclui: “É legítimo que a associação Estar queira avançar com este projeto porque apostou muito nele. Que o parceiro privado faça o que bem entender do edifício, dentro dos limites da lei, naturalmente. Agora, a câmara não pode ter este tipo de comportamento e tem de ouvir os comerciantes e as suas legítimas preocupações no sentido de aglutinar aqui vontades”.

O vereador da oposição eleito pela coligação Beja Consegue, Nuno Palma Ferro, que confirma também ter sido informado da intenção da associação Estar, sublinha, por sua vez, que desconhece “como é que se processou todo o contacto [entre a associação e a câmara]”, pelo que não faria sentido pronunciar-se. O autarca realça, no entanto, que, “neste momento, dada a situação criada, a resposta social não pode ser colocada naquele sítio, nem pensar”. “Isso é uma coisa que para mim parece óbvia, não parece para toda a gente, mas para mim sim, [e] parece-me óbvio que as pessoas [envolvidas] têm de se sentar [e discutir o assunto]”.

 

Comerciantes vão continuar a lutar contra instalação de resposta na Casa Ribeiro Confrontada com as declarações da diretora-geral da Estar de que a associação não vai desistir de instalar uma resposta social no edifício da Casa Ribeiro, Armanda Almeida, uma das promotoras da petição on line e do abaixo-assinado lançados em meados de fevereiro contra a instalação de um novo CAES “na proximidade do centro da cidade, do comércio e dos serviços locais”, garante ao “DA” que vão continuar a lutar.

“No fundo, não fomos ouvidos, ninguém foi ouvido. Fomos postos, quase, perante um facto consumado. E, claro, achamos que não é o local indicado, porque o centro comercial do Beja, esta área aqui das ‘Portas de Mértola’, já tem tão pouca dinâmica, o comércio está tão... há tanta loja a fechar [e] vir para aqui um CAES 2.0 com pessoas que precisam de apoio, porque são pessoas necessitadas, com problemas graves, muitas vezes de adição, quer dizer... aliás, o espaço da Casa Ribeiro poderia ser aproveitado para dinamizar esta zona, que bem precisa de ser dinamizada”.

Armanda Almeida frisa, no entanto, como já o fez, recentemente, nas duas últimas reuniões de câmara e na Assembleia Municipal de Beja, que não estão contra a abertura de um CAES 2.0, embora admita que esta resposta poderá não ser “a mais indicada para aquilo que se passa na cidade”. “Já existe um CAES em Beja, é sempre uma resposta a nível nacional, portanto, não é uma coisa que vai resolver os problemas que nós temos neste momento, com pessoas que estão em situação de sem-abrigo, a dormir nas ruas, etc.. De facto é preciso uma resposta forte neste momento, porque as pessoas sentem-se muito inseguras. Na petição on line é possível fazer comentários e muitos deles referem a insegurança na cidade, principalmente, à noite, e isso não se resolve com um CAES 2.0. É preciso uma resposta mais estruturada e essa resposta cabe à Câmara Municipal de Beja”.

Na petição e no abaixo-assinado é referido que a localização do centro de alojamento no edifício da Casa Ribeiro “pode impactar negativamente a segurança, o comércio local e a sua atividade económica, assim como o turismo e a qualidade de vida dos moradores e trabalhadores”, pelo que solicitam “às autoridades competentes envolvidas neste processo que tenham em conta a futura localização do CAES 2.0 e encontrem uma solução que equilibre a necessidade de assistência social com a preservação da qualidade de vida e da economia local”. *com Marco Monteiro Cândido

 

Nerbe e associação comercial tomam posição

O Núcleo Empresarial da Região de Beja – Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Litoral (Nerbe/Aebal), em nota de imprensa enviada ao “Diário do Alentejo”, mostra-se apreensivo quanto à localização do CAES 2.0 na cidade de Beja, “numa das poucas zonas onde existe comércio local”, e espera que seja encontrada uma resolução “onde todas as entidades com responsabilidade direta e indireta se pronunciem, no sentido de se encontrar uma solução consensual”. Sendo um dos objetivos da associação a defesa dos empresários do território, o Nerbe adianta que “é com preocupação que se encara a inquietude de um tecido empresarial já por si frágil e que depende de fatores de atratividade que são fomentados pela animação e segurança do local, para a sustentabilidade e viabilização dos seus negócios, e onde, neste momento, se prevê a instalação de um centro de acolhimento de emergência social que poderá enfraquecer ainda mais esses fatores de atratividade”. A associação reconhece, no entanto, “a importância do projeto a ser desenvolvido pela associação Estar no concelho”, mas adianta que “existirão localizações mais adequadas para a sua concretização”. Também a Associação do Comércio, Indústria, Serviços e Turismo do Distrito de Beja, “em defesa dos interesses dos comerciantes e do tecido empresarial da zona central [da cidade]”, considera “vital preservar e valorizar a zona comercial essencial para o desenvolvimento do comércio, da hotelaria e dos serviços locais”, acrescentando que “a atratividade e a vitalidade desta área são fundamentais para impulsionar a economia local e melhorar a qualidade de vida da nossa comunidade”. Destacando a importância das “respostas sociais”, a associação frisa, ainda, em comunicado, que deveria ser considerada a instalação do CAES 2.0 “em zonas periféricas”, à semelhança de outros CAES, uma alternativa que “não apenas protegeria a privacidade e o bem-estar dos utentes, mas também salvaguardaria a dinâmica e a segurança da zona comercial, que deveria ser um espaço ativo e convidativo”.

Comentários