Uma pintura de rua e um painel azulejar são os novos trabalhos artísticos que evocam a vida do historiador Florival Baiôa, dedicado defensor da sua cidade sobre a qual idealizava: “Continuo a acreditar que Beja é um sítio magnífico para se viver”.
Texto | José Serrano
Há uma nova peça artística de rua, em Beja, que retrata Florival Baiôa, cidadão interventivo marcante da cidade, falecido há um ano. A pintura, de tinta acrílica sobre papel de embrulho, aplicada com cola de papel de parede, pode ser contemplada pelos transeuntes na rua Capitão João Francisco de Sousa, artéria por onde o professor de História costumava deambular, cumprimentando os seus congéneres com a afabilidade e a graça que lhes eram reconhecidas.
A artista plástica Cristina Matos, sobrinha-neta do homem que homenageia nesta sua obra, rosto principal do movimento de cidadãos Beja Merece +, expõe ao “Diário do Alentejo” o sentimento que está subjacente à criação deste mural. “Esta foi, sem dúvida, uma das minhas peças mais delineadas e difíceis de fazer, pois queria que pudesse representar algo grande através de pequenas coisas. O meu tio Florival sempre me ensinou a olhar para os pormenores que tornam Beja tão especial. Assim, pretendi fazer com que um cigarro, uma boina e umas calças amarelas invocassem uma figura tão especial”, diz.
Criadora de inúmeras pinturas patentes em vários espaços urbanos da cidade de Beja, a sua mais recente obra reveste-se, para a artista, de uma relevância muito especial. “Regra geral, não deposito grande significado nas minhas peças, até porque quando as ponho na rua tenho que, de alguma forma, desligar-me emocionalmente delas e pensar que já não são minhas. Mas esta peça tem um peso emocional muito grande, porque representa alguém que foi (é) muito importante para mim e para tantas outras pessoas. Não estou só a expor qualquer coisa que me representa, que gosto ou que diz algo sobre mim, estou a expor uma peça que ressoa em muita gente. Por isso senti o peso da responsabilidade quando decidi representar alguém como o Baiôa, tentando fazer jus à sua memória e à importância que teve na cidade de Beja”.
A pintura representativa do mentor da Festa do Azulejo de Beja tem inscrita a frase “continuo a acreditar que Beja é um sítio magnífico para se viver”, divisa de Florival Baiôa pela qual a sobrinha se rege. “É um sentimento que levo sempre comigo. Ainda que por vezes sinta que possa ser uma cidade ‘ingrata’ e que esteja, agora, um pouco adormecida, a paixão que o meu tio tinha por Beja era, de facto, contagiante, sendo impossível não sentir esse amor quando o ouvia falar da sua cidade. Beja, para mim, tem algo de especial, um sentimento de resistência e liberdade, com a sua história viva. É inevitável passarmos por fases menos boas, mas o Baiôa sempre me transmitiu que nunca devemos baixar os braços e que Beja merece mais. Esta frase foi o seu grito de ativismo e é um sentimento muito patente nos bejenses – devemos preservar, apreciar e reconhecer o que temos de bom, lutando sempre por mais”, elucida Cristina Matos. O feedback que lhe tem chegado, relativo à obra que celebra a vida de quem revitalizou a tradição da Festa das Maias, “o património imaterial mais antigo da cidade”, como o próprio destacava, “tem sido muito positivo”, esperando a artista que esta pintura eleve nos bejenses o orgulho pelo enorme potencial e pelas “pessoas incríveis que esta cidade tem”. E que permita recordar com orgulho um dos seus mais insignes filhos, “tomando o seu café, fumando o seu cigarro e desfrutando da vida como só ele sabia fazer”.
Uma outra ação celebrativa da vida de Florival Baiôa está prestes a ser inaugurada – a colocação de um painel de azulejos, na cidade de Beja, baseado num desenho original da ilustradora, sua filha, Susa Monteiro, tendo as 150 peças que o constituem sido pintadas por esta, por Mariana Conduto e Jorge Simão, professores da Escola Mário Beirão, com a ajuda de outros amigos do historiador. Inicialmente pensada para ser colocada no centro da cidade, junto à Associação de Defesa do Património de Beja, entidade fundada por Florival Baiôa, da qual era presidente, a obra será erigida junto à casa da cultura da cidade, uma vez que no primeiro local desejavelmente considerado não foi possível obter permissão para a sua colocação. “Esta nova realidade” obrigou à criação de “um projeto de arquitetura para criar a parede, onde o painel será colocado (esperamos, que o possa ser no dia 6 de maio, dia nacional do azulejo)”, informa Mariana Conduto, que agradece “a boa vontade” da câmara municipal, “na pessoa do seu presidente, que se prontificou a executar” os trabalhos necessários para a implementação da obra.
Tendo sido Florival Baiôa um estudioso e um defensor acérrimo da importância da arte azulejar de Beja, em contexto nacional e internacional, Mariana Conduto considera que este painel, “que se constitui como uma obra de amor”, poderá vir a ter, de alguma forma, uma “função de alerta”, fazendo recordar aos decisores municipais e aos munícipes a importância desta arte para a cidade, como sempre o historiador sublinhou. “Temos em Beja um enorme espólio azulejar [urbano] a necessitar de urgente conservação e um outro por muitos desconhecido, pelo facto de se encontrar em igrejas que estão quase sempre fechadas”. Considerando a necessidade de ser encontrada uma solução para a exibição deste importante património azulejar religioso, a professora refere, ainda, a relevância da aprendizagem escolar das “técnicas milenares” de cozedura e pintura de azulejos, “explorando novas linguagens”, mas honrando a origem da arte, pois só conhecendo a sua história, diz, “conseguimos aprender a respeitar e amar o que nos rodeia”.
Neste âmbito, da criação de iniciativas que possam vir a reforçar a excelência da arte azulejar em Beja, Mariana Conduto sublinha a imprescindibilidade da continuação da Festa do Azulejo. “Este é o primeiro passo para se poder continuar na senda da preservação e defesa deste património”. Mas, “muito mais poderá ser feito”, reforça, a exemplo da criação, “como sempre defendeu o Baiôa”, de um centro ceramista em Beja, no qual “possam trabalhar os alunos que vão saindo dos cursos de cerâmica, em parceria com artesãos e artistas locais”, e onde seja possível disponibilizar espaços para a oferta de residências artísticas, capazes de receber artistas convidados, nacionais e internacionais. “Enfim, o Baiôa sonhava grande, sonhava à sua dimensão”.