Francisco Moita Flores, natural de Moura
Tem o nome associado a uma vasta obra que se distribui pelo romance, televisão, cinema e teatro. “Ballet Rose”, “Raia dos Medos”, “O Processo dos Távora”, “A Ferreirinha”, “A Fúria das Vinhas”, “Não Há Lugar Para Divorciadas”, “Polícias sem História”, “Filhos do Vento”, “Mataram o Sidónio”, são algumas das adaptações, de autores como Aquilino Ribeiro, Eça de Queirós, Júlio Dinis, que o tornaram uma figura da dramaturgia escrita em português. Traduzido em várias línguas, premiado, em Portugal e no estrangeiro, foi distinguido com a condecoração de Grande Oficial da Ordem do Infante.
Refletindo sobre as circunstâncias do tempo, do dinheiro e da felicidade, este novo romance de Francisco Moita Flores, que tem como palco principal uma imaginária localidade da Costa Vicentina, apresenta uma trama que gira à volta de um prémio do Euromilhões, cujo talão sorteado está em lugar incerto.
Como nos apresenta este seu novo livro?
Agora e na Hora da Nossa Sorte é uma história bem-humorada, que fala de nós, da nossa gente. E nas curvas e contracurvas do humor vai remetendo para problemas sérios que cruzam os nossos quotidianos, nomeadamente, a violência doméstica, a solidão na velhice, a crise na Justiça, a desertificação. Chegámos a um estado de decadência, tão vazio de ideias que só há duas formas de entender o País: ou pelo amor ou pelo riso. Inventei uma aldeia alentejana, na costa vicentina, onde os protagonistas deste romance correspondem a este tipo de preocupações. Uma aldeia vergastada pela desertificação, cruzada por antigas crenças e novas formas de entender o mundo, onde a solidão habita cada um dos intervenientes.
A trama do romance gira à volta de um prémio do Euromilhões, cujo talão sorteado está em lugar incerto. Ironiza este romance sobre um dos maiores desejos de grande parte da humanidade, o desejo, repentino, de enriquecimento material?
O prémio do Euromilhões que é ganho por um grupo de apostadores tem o mesmo cimento – a solidão. E nós somos, antes do mais, seres cuja vida só faz sentido na relação com os outros. O desejo repentino de riqueza material é, se me fiz entender, a fuga para a frente. O grande passo para nos encontrarmos com o lugar habitado pelos sonhos, isto é, pelas pessoas, onde é possível encontrar a felicidade.
Considera, nessa perspetiva, que o desejo do material, a avidez pelo dinheiro, é hoje muito mais revelador da essência humana do que a procura de outros valores, mais espirituais, contemplativos, altruístas?
Creio que a ganância pelo dinheiro é uma espécie de acelerador do tempo. E, simultaneamente, uma ilusão. Uma fortuna inesperada coloca os personagens perante a necessidade de “comprar” tempo. De iludir os espaços vazios que marcam a vida dos abandonados. Dos esquecidos. Daqueles cuja memória é apenas o restolho do tempo.
Que reflexão gostaria que este livro estimulasse nos seus leitores?
Tive duas ou três preocupações quando comecei a escrever. Que fosse um texto bem-disposto que vai divertir o leitor. Integrar na narrativa problemas sérios que não conseguimos resolver através de uma linguagem simples. Finalmente, deixar a ideia de que não podemos perder tempo, que o dinheiro é uma mera circunstância, que está nas nossas mãos construir a vida com mais ou menos pontos de felicidade. Com mais ou menos afetos. Apenas precisamos de tempo que não se compra, nem se vende.
José Serrano