Diário do Alentejo

A surpreendente contemporaneidade dos mosaicos hidráulicos

22 de junho 2025 - 08:00
Artesã exibe em Vidigueira parte da história destas peças

Ana Carla Faísco, 49 anos, natural de Beja

 

Cresceu entre Beja e Alcaria da Serra (Vidigueira), onde fica a casa de seus avós, em tempos loja e taberna e hoje abrigo de afetuosos encontros entre família e amigos. Arquiteta e apaixonada pelo chão colorido que sempre viu nas casas do Alentejo, levantou-o do chão e concebe, agora, peças decorativas e utilitárias de mosaico hidráulico, conjugando padrões e combinando técnicas de gravação artesanal, criando obras únicas e personalizadas.

 

Está patente até dia 29, no Museu Municipal de Vidigueira, a exposição “Pedaços de Mosaico Hidráulico”, da autoria de Ana Carla Faísco.

 

Como nos apresenta esta exposição?Trata-se de uma pequena mostra do que é o mosaico hidráulico e do trabalho criativo que tenho vindo a fazer, desde que há uma década me fui ligando emocionalmente a este material, de fortíssima expressão pictórica. Nela é possível conhecer o processo de fabricação artesanal, ver diversos mosaicos e moldes, com padrões diferenciados, e observar os trabalhos feitos por encomenda: painéis evocativos em várias escalas, desde o mosaico individual aos painéis comemorativos ou criações de arte urbana, como a rotunda no Seixal (conjunto escultórico sob o tema “Município Saudável”), a entrada ferroviária de Pias ou as bicas de Ervidel.

 

Qual a importância da utilização dos mosaicos hidráulicos na história da arquitetura do Baixo Alentejo?O mosaico hidráulico é um exemplo pertinente de como a globalização veio afetar a arquitetura local. Todas as terras, aqui pelo Baixo Alentejo, tinham uma fábrica de mosaicos, que vieram trazer um carácter mais decorativo às construções, sendo muito utilizado nos anos 50/60/70. Foi nos anos 80 que a industrialização trouxe os materiais mais finos, baratos e facilmente transportados, e os mosaicos foram sendo arrancados ou cobertos por outros, descaracterizados, mas simbólicos de uma “modernidade” ansiada pela população.

 

Considera que a sua utilização é ainda hoje pertinente? Está a sua utilização subvalorizada?Ao utilizar mosaicos hidráulicos estamos a personalizar as nossas casas e a valorizar a qualidade e identidade da produção portuguesa artesanal, que facilmente remete para o imaginário reconfortante das casas da nossa infância. Existe uma tendência revivalista que se vem consolidando e constitui atualmente um nicho de mercado que alia a tradição e a modernidade, em contraponto à globalização dos produtos industriais para construção civil.

Tem este património registado uma evolução, nomeadamente, em termos de fabrico e dos motivos que exibe?A sua contemporaneidade é surpreendente. Quem já esteve em casas com apontamentos de mosaico hidráulico experienciou, certamente, a sua grande capacidade de adaptação, seja em arquiteturas de reabilitação ou em ambientes mais minimalistas e modernos. Em termos do fabrico a única diferença é que as prensas são, atualmente, elétricas, e antes eram de força motriz ou hidráulicas. Tudo o resto se mantém artesanal – os moldes, executados por serralheiro, em ferro ou latão, a mistura de pigmentos e cimento, o preenchimento das cores, o mergulhar em água e a secagem ao ar.

 

O que mais gostaria que esta sua exposição despertasse a quem a visitar?Muita gente partilha, através dos mosaicos hidráulicos, histórias familiares. Gostaria, então, que a exposição criasse emoções, ao fazer recordar a herança cultural que estes objetos representam. Adicionalmente, que possam apreciar os meus trabalhos. José Serrano

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