Diário do Alentejo

“Que não seja apagada da memória a resistência contra o fascismo”

06 de julho 2025 - 08:00
Ana Benedita apresenta testemunhos de 50 mulheres sobre a Reforma Agrária

Ana Benedita, 78 anos, natural de Amareleja (Moura)

 

Foi trabalhadora agrícola e emigrante. Foi membro da Assembleia Municipal de Moura, vereadora e chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal de Moura. Atualmente, é presidente da Moura Salúquia – Associação de Mulheres do Concelho de Moura, conselheira consultiva da Comissão de Cidadania e Igualdade de Género e membro do Conselho Económico e Social. 

 

Ana Benedita acaba de publicar um novo livro, intitulado Mulheres do Sul Fizeram a Reforma Agrária – Trazem Abril no Coração, editado pela Página a Página.

 

Como nos apresenta este seu novo livro?

Este livro nasceu de uma vontade imensa de não deixar esquecer as mulheres agrícolas do Sul de Portugal. Procuro que não seja apagada da memória a resistência contra o fascismo e procuro recordar os momentos fascinantes do 25 de Abril. Os factos relatados aconteceram: 50 mulheres testemunham o que foi a Reforma Agrária, por que se fez, como se fez e como correspondeu a uma necessidade do Alentejo, do Ribatejo e do País. Estes testemunhos são marcados por palavras sérias e verdadeiras das mulheres do Sul que fizeram a Reforma Agrária. Quase todas, de uma forma ou outra, se cruzaram na minha vida. Por isso, é um livro coletivo.

 

É, ao mesmo tempo, esta obra um tributo e um registo histórico?

Sim, porque são abordados os tempos da fome, da miséria e dos 48 anos de exploração e opressão da ditadura. Fala-se das praças de jorna, das oito horas de trabalho e de Catarina Eufémia, símbolo de resistência e luta. Mostra-se que as mulheres sempre cantaram. Diz-se que as mulheres trabalhavam de sol a sol no campo, depois na casa e na família. Caminha-se pelos dias especiais das mulheres – 8 de Março, 1.º de Maio. Entra-se no 25 de Abril e no movimento sindical. Abre-se a participação das mulheres a encontros e conferências. Criam-se movimentos unitários de mulheres e fala-se das mulheres camponesas. Conta-se como foi a realização da Reforma Agrária. Escreve-se que as mulheres em defesa da Reforma Agrária marcharam até Lisboa. Relata-se a destruição da Reforma Agrária e a luta pela posse e uso da terra.

 

Acha que, mais de 50 anos depois da Revolução dos Cravos, a sociedade portuguesa acolhe a mulher condignamente?

É bom lembrar que as mulheres agrícolas do Sul, com Abril, encontraram as respostas pelas quais tinham lutado durante dezenas de anos. Com a posse e o uso da terra surgiu uma mulher nova, independente e emancipada. O trabalho nas unidades coletivas de produção (cooperativas) tornou-se aliado da alegria, da felicidade e da liberdade que sentiam nas suas vidas. O golpe contrarrevolucionário liquidou esta conquista histórica e as mulheres foram as que mais sentiram. Sim, hoje, 51 anos depois da Revolução dos Cravos, as mulheres ainda sofrem discriminações com o desemprego, com salários mais baixos, com violência exercida de diversas formas, com jornadas excessivas de trabalho, desvantagens nas carreiras, dificuldades nos serviços de saúde, no planeamento familiar, nos partos e na interrupção voluntária da gravidez. Por isso é urgente que as mulheres reforcem a ação na luta pelos seus direitos constitucionais.

 

Texto José Serrano

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