Diário do Alentejo

Uma em cada quatro casas do concelho de Alvito está vazia

15 de fevereiro 2025 - 08:00
Despovoamento, heranças indivisas e dificuldade em reabilitar imóveis são principais causas apontadas
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Em 2021, um quarto das casas no concelho de Alvito estavam vazias, um valor muito acima da média do distrito (14,9 por cento) e da média nacional (12,1). Mértola e Ferreira do Alentejo ocupavam o segundo e terceiro lugares, com 21 por cento. Autarcas justificam valores com despovoamento, heranças indivisas e dificuldade em reabilitar imóveis.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Cerca de 15 por cento das casas no distrito de Beja estão vazias, de acordo com os Censos 2021 do Instituto Nacional de Estatística (INE), um valor acima da média nacional – 12,1 por cento (%) –, sendo que, em termos concelhios, Alvito lidera a tabela, com 25,4%, seguido de Mértola, com 21,6%, e de Ferreira do Alentejo, com 21,2%. Ourique, por sua vez, surge no último lugar da lista, com 9,60% de casas vagas em 2021.

Por alojamento familiar vago entende-se, segundo o INE, “o que não tem ninguém a viver (como residência principal ou secundária), seja por estar à venda ou para arrendar, por aguardar obras, ter questões administrativas pendentes, entre outros motivos”.

Ainda segundo os dados, o quarto lugar da tabela é ocupado pelo concelho de Cuba (19,3%), seguindo-se Vidigueira (19,1), Odemira (17,9), Castro Verde (17,6), Aljustrel (17,0), Almodôvar (15,3), Beja (14,9), Moura (14,4), Serpa (13,1) e Barrancos (11,3).

Analisando a informação do INE por freguesia, verifica-se que Espírito Santo, no concelho de Mértola, é a que apresentava a maior percentagem de casas vazias em 2021 – 51,1%. São de salientar, ainda, as freguesias de Alcaria Ruiva, também em Mértola, com 37,7% das habitações vagas, Santa Bárbara dos Padrões (Castro Verde), com 37,2, São Martinho das Amoreiras (Odemira), com 35,9, Beringel (Beja), com 32,7, Saboia (Odemira), com 31,9, e Vila Nova da Baronia (Alvito), com 31,5. No lado oposto da tabela, o destaque vai para as freguesias de Póvoa de São Miguel (Moura), com 3,5% de casas vagas, Corte do Pinto (Mértola), com 3,7, União das Freguesias de Garvão e Santa Luzia (Ourique), com 6,0, e Brinches (Serpa), com 7,1.

Comparando os Censos 2021 com os de 2011, Alvito (18,81%) e Mértola (18,53%) ocupavam já os lugares cimeiros da tabela, respetivamente, em segundo e terceiro lugares, liderados por Cuba, com 19,52%.Numa década, com exceção de Cuba, que diminuiu de 19,52 para 19,30% (-1,13%), e de Ourique, que passou de 16,55 para 9,60% (-41,99%), todos os outros concelhos do distrito registaram um aumento de percentagem de casas vazias, com especial destaque para Serpa (de 7,95 para 13,10%, + 64,78%), Barrancos (de 8,31 para 11,30, + 35,98%), Beja (de 10,99 para 14,90, + 35,58%) e Alvito (de 18,81 para 25,40, + 35,03%).

Causas O elevado número de habitações vagas em Alvito é explicado, segundo o vice-presidente da câmara, “por um conjunto de fatores estruturais, desde logo a demografia do município, caracterizada pelo envelhecimento da população e pela saída de jovens para centros urbanos de maior dimensão, [que] contribui para a desocupação progressiva de imóveis”. Adicionalmente, avança Nuno Azougado, “muitas dessas casas pertencem a heranças indivisas ou carecem de reabilitação, o que dificulta a sua colocação no mercado de arrendamento ou venda”.

Consciente dos dados, a câmara “tem trabalhado para identificar as principais razões para a existência destas habitações devolutas”, no entanto, “é necessário um levantamento mais detalhado para compreender em maior profundidade os motivos específicos para a situação de cada imóvel, nomeadamente, questões burocráticas, necessidade de obras ou ausência de procura”, refere o autarca.

Nos últimos três anos, a autarquia tem acompanhado a evolução do mercado habitacional e, “embora não disponha ainda de dados estatísticos atualizados que permitam uma análise quantitativa precisa”, é sua perceção “de que o fenómeno da desocupação se tem mantido relativamente estável”, sendo que para isso poderá ter contribuído “o aumento do custo de vida e a dificuldade no acesso ao crédito imobiliário”.

Tendo em conta a elevada percentagem de habitações vagas, Nuno Azougado afirma que é “essencial adotar medidas que incentivem a reabilitação e a ocupação” dos edifícios, nomeadamente, “a criação de programas de apoio à reabilitação urbana, facilitando o acesso a financiamento e incentivos fiscais para a recuperação de edifícios devolutos”, “promoção do arrendamento acessível, através de programas que incentivem os proprietários a disponibilizar as suas casas para fins habitacionais, assegurando contrapartidas”, “mediação entre proprietários e potenciais interessados, simplificando o acesso à informação sobre imóveis disponíveis e promovendo a sua valorização no mercado”, e “exploração de soluções de habitação colaborativa e coabitação intergeracional, que possam dinamizar o aproveitamento dos imóveis subutilizados”.

O presidente da Câmara de Mértola sublinha, por sua vez, que uma parte significativa dos imóveis vagos “corresponde a segundas habitações, muitas vezes pertencentes a famílias que, apesar de não residirem permanentemente no concelho, mantêm uma forte ligação afetiva à terra”, sendo que estas casas “são utilizadas em períodos como férias ou fins de semana e os proprietários não têm interesse em vendê-las ou colocá-las no mercado de arrendamento”. Além disso, “muitas destas habitações pertencem a herdeiros que vivem fora do concelho, o que por vezes dificulta a sua reabilitação ou colocação no mercado”. Segundo Mário Tomé, “este é um desafio comum em territórios do interior, onde o dinamismo do mercado habitacional é diferente dos grandes centros urbanos”. Ainda assim, “o município tem procurado criar condições para incentivar a recuperação e utilização destas habitações, sensibilizando e identificando estas situações”.

O autarca sublinha, também, que a perceção é de que “nos últimos três anos houve uma recuperação demográfica em algumas localidades do concelho”. “Nos Censos 2021 conseguimos observar que algumas localidades conseguiram manter a população e, nalguns casos, até registaram um ligeiro crescimento”, acrescenta, considerando que “este é um fator muito significativo e encorajador, pois demonstra que há condições para contrariar a tendência de despovoamento que tem afetado o interior do País”.

Já a redução de casas vazias verificada em 2021 no concelho de Ourique, refere o presidente da câmara, é explicada pela “dinâmica económica”. “Hoje a empregabilidade aumentou comparativamente a 2011, o que atraiu pessoas de outros territórios, o que, consequentemente, aumentou a procura por habitação”, afirma Marcelo Guerreiro.

Odete Borralho, vereadora da Câmara de Serpa, frisa, por sua vez, que, “à semelhança dos concelhos do interior do País”, também Serpa – que registou o aumento mais significativo entre 2011 e 2021 – “tem sido atingido pelos efeitos do despovoamento, pelas causas conhecidas (mortalidade, diminuição da natalidade, saída da população em idade ativa), e isso justifica o aumento de número de casas vazias”. A autarca realça, contudo, que “a procura de casas para nova habitação é inferior ao número de casas vazias, embora em alguns aglomerados se identifique falta de habitações para arrendamento”. E considera que a crise da habitação, “tanto em Serpa, como a nível nacional, não se prende tanto com a falta de casas, mas sim com a impossibilidade de as pessoas pagarem o preço resultante da especulação imobiliária”, uma vez que “os rendimentos da maioria da população e, principalmente, dos jovens, não acompanham o aumento do preço que as casas tiveram nos últimos anos e isso é lamentável”.

Ainda segundo a autarca, a câmara tem vindo a desenvolver há duas décadas um programa de apoio à reabilitação e conservação da habitação, que apoia a população com dificuldades financeiras, e que já resultou “em intervenções em dezenas de casas”.

 

Agravamento da carga fiscal

 

Recentemente, em declarações ao “Expresso”, Sandra Marques Pereira, investigadora do Centro de Estudos Sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, afirmava que “seria fundamental que as autarquias com maior pressão urbanística aplicassem a lei que já prevê um agravamento da carga fiscal sobre os devolutos e que o fizessem com rigor, transparência e eficácia”. No caso de Ourique, adianta o presidente da câmara, já existe um agravamento “do IMI sobre os prédios devolutos”.

O vice-presidente da Câmara de Alvito considera, por seu turno, que a aplicação do agravamento fiscal “é pertinente”, no entanto, “a sua viabilidade em Alvito deve ser analisada com ponderação”. O município reconhece “que pode ser um incentivo para a reocupação de imóveis, mas também é necessário garantir que os proprietários têm condições para proceder à sua reabilitação ou colocação no mercado”, sendo que “muitos imóveis devolutos pertencem a famílias sem capacidade financeira para realizar obras ou a herdeiros que enfrentam dificuldades legais para regularizar a sua situação”. A autarquia defende, assim, “uma abordagem equilibrada, combinando incentivos para a reabilitação e medidas de sensibilização junto dos proprietários, antes de recorrer a penalizações mais severas”.

Entendendo, igualmente, que a aplicação de medidas fiscais “pode ser uma ferramenta útil para combater a inatividade do património habitacional e incentivar a sua reabilitação”, o presidente da Câmara de Mértola sublinha, contudo, que a questão “não pode ser vista de forma isolada”. “É essencial que o Estado acompanhe as autarquias com políticas que promovam a fixação de população no interior, garantindo condições atrativas para quem aqui vive ou pretende viver. Não basta aumentar a carga fiscal sobre imóveis devolutos se não houver um plano estruturado para criar oportunidades de emprego, acesso a serviços de saúde, educação e transportes, fundamentais para melhorar a qualidade de vida e, consequentemente, estimular a procura por habitação”.

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