A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) enviou uma carta ao ministro da Agricultura e Pescas a exigir que os critérios compensatórios dos apoios para os produtores ovinos afetados pelo surto de língua azul sejam “revistos” e que cubram “a totalidade do prejuízo”. Alertou, ainda, para que as vacinas de prevenção sejam “atempadamente” garantidas e comparticipadas.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
Oito milhões de euros, disponibilizados através do Plano de Desenvolvimento Rural 2020 (PDR2020), foi o valor anunciado pelo Governo, na semana passada, para apoiar os produtores ovinos afetados pelo surto da língua azul e pelas tempestades “Kirk” e “Dana”.
A medida, segundo explica o Ministério da Agricultura e Pescas, em comunicado, abrange os criadores de explorações com perdas ocorridas entre os dias 5 de setembro de 2024 e 16 de janeiro deste ano, “cujo dano sofrido seja superior a 30 por cento do seu potencial produtivo”, e que “o investimento associado represente um montante entre os 1000 e os 400 mil euros”.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) reagiu de imediato, afirmando que este apoio deixa “de fora a esmagadora maioria dos produtores afetados” e que “o critério de elegibilidade exigir 30 por cento de perdas do stock animal é altamente penalizador para os produtores afetados” e, por isso, “inaceitável e discriminatório”.
No final da reunião do conselho consultivo regional da CAP, que decorreu na segunda-feira, dia 3, em Vidigueira, o presidente da CAP, Álvaro Mendonça e Moura, garantiu que a ajuda anunciada “não é, de todo, suficiente” e que “é preciso revê-la”.
“A CAP desde novembro que vem insistindo com o Governo de que é preciso compensar os produtores que tiveram prejuízos de milhões de euros com a língua azul [e] quando a medida foi anunciada, no princípio, pareceu-nos que era positiva, mas, depois, ao analisar em concreto o que está previsto no despacho, [percebe-se que] deixa de fora praticamente a totalidade dos produtores”, assegurou.
Para a confederação, a medida “está mal desenhada”, porque o limite de 30 por cento “exclui praticamente a totalidade dos produtores”, que “não têm só ovinos, têm bovinos ou outras produções”.
“Portanto, a medida está mal desenhada, é preciso revê-la. A ideia do Governo é compensar os produtores, mas têm de ser compensados todos os produtores que efetivamente tiveram prejuízos e prejuízos substanciais com a epidemia da língua azul. É preciso indemnizá-los do prejuízo efetivo que tiveram e essa medida tem de ser corrigida”, argumentou o presidente da CAP.
Também Miguel Madeira, produtor e veterinário da ACOS – Associação de Agricultores do Sul, não compreende os critérios compensatórios e, no final da referida reunião, lembrou que o apoio não contabiliza as perdas sofridas com os abortos e com os animais nascidos e que não sobreviveram.
“A grande quebra da produção reflete-se na perda de borregos, nos animais doentes e nos animais que ficaram improdutivos, não se sabe por quanto tempo. Portanto, isso tudo quantificado é, de facto, um grande prejuízo para o produtor. [Por isso], os 30 por cento de quebra de potencial produtivo é uma medida que não se adequa a esta doença”, afirmou.
Desta forma, as associações presentes no conselho consultivo regional da CAP lembraram que se está “a tratar o assunto como se fosse um desastre natural, porém, ele não é”.
Álvaro Mendonça e Moura confirmou que já transmitiu ao Governo as preocupações dos produtores, numa carta enviada ao ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, e que espera agora uma “resposta rápida” do executivo com a correção da medida.
Prevenir para não remediar
Relativamente à vacinação dos ovinos na próxima primavera, os produtores alertam para a “absoluta necessidade” de se assegurar o “acesso rápido”, “em tempo e em quantidade”, às vacinas para os serotipos 1, 3, 4 e 8, uma vez que é a única forma de “evitar uma nova situação de epidemia”.
“Nós estamos já muito próximo da primavera e urge termos vacinas disponíveis. Neste momento não estamos a ver movimento nenhum por parte do Ministério da Agricultura (...) e isso preocupa-nos, até porque esta questão da vacinação não pode ser por iniciativa voluntária de cada um dos produtores”, afirmou Miguel Madeira.
Segundo o veterinário, o facto de a vacina ser opcional prejudica, em muito, o resultado sanitário final, visto que “vamos vacinar por ilhas e não vamos chegar a lado nenhum e a doença vai continuar a agravar, pelo menos nos efetivos não vacinados”. “Portanto, tem de haver uma estratégia de grupo e de zona, por região, para que o resultado sanitário seja o adequado. E, por isso, há que haver diretrizes vindas de cima”, argumentou.
No que diz respeito à escassa oferta, Miguel Madeira e Álvaro Mendonça e Moura são perentórios e pedem “algum apoio” ao Governo “para a aquisição destas vacinas e para a sua aplicação”, assim como uma agilização célere com os laboratórios para que as mesmas fiquem disponíveis o mais depressa possível.
“É preciso disponibilizar rapidamente vacinas, é preciso que o Estado comparticipe essas vacinas, até porque senão cria-se uma situação de desigualdade em relação aos produtores pecuários espanhóis que estão a ser apoiados”, adianta o presidente da CAP.
“É uma questão de contactar os laboratórios e falarmos atempadamente com eles, porque sabemos que há zonas, por exemplo, em Espanha, que neste momento estão a contratualizar compras avultadas de vacina, porque estão já a trabalhar com os laboratórios”, ressume Miguel Madeira.