Os resultados das provas de aferição realizadas entre maio e junho deste ano dão conta de que os alunos alentejanos, à semelhança do que se verifica a nível nacional, revelam maiores dificuldades nas disciplinas de matemática e ciências naturais do 5.º ano, com destaque para o domínio “geometria e medida”, e de português do 8.º, com piores resultados na “leitura e educação literária”. O Governo decidiu, entretanto, alterar o modelo das provas, voltando a ser realizadas no final dos ciclos de estudos (4.º e 6.º anos).
Texto | Nélia Pedrosa Ilustração | Susa Monteiro
A região Alentejo, a par do Algarve e da Região Autónoma dos Açores, apresenta, segundo os resultados das provas de aferição do último ano letivo (2023/2024), disponibilizados no final da semana passada pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), “uma tendência para desempenhos ligeiramente menos consolidados” nas categorias agregadas “conseguiu/conseguiu mas…” e “valores ligeiramente mais elevados” nas categorias agregadas “revelou dificuldade/não conseguiu”.
Em termos nacionais, de acordo com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, os resultados “demonstram problemas consideráveis de consolidação de aprendizagem” a português no 8.º ano e um “decréscimo sistemático da qualidade de aprendizagens” a matemática e ciências naturais do 5.º ano. As provas foram realizadas entre os dias 2 de maio e 18 de junho deste ano por cerca de 260 mil alunos dos 2.º, 5.º e 8.º anos do ensino básico.
Analisando os dados da região por disciplina e domínios de conteúdo/competência, a português, 73,6 por cento dos alunos alentejanos do 2.º ano não conseguiram responder de acordo com o esperado ou revelaram dificuldades no domínio “gramática”, mais quatro por cento comparativamente a 2023; 71,7 por cento não conseguiram ou revelaram dificuldade no domínio “leitura e educação literária” (em 2023 tinham sido 66,1 por cento); 42,2 por cento não conseguiram ou revelaram dificuldade na “oralidade”, quase o dobro de 2023; 40,9 por cento não conseguiram ou revelaram dificuldade na “escrita”, sensivelmente o mesmo valor do ano passado. Acresce, no entanto, que, neste último domínio, a percentagem de alunos que não respondeu é significativa, situando-se nos 24 por cento (mais dois pontos percentuais do que em 2023). Nestes quatro domínios a português, “leitura e educação literária” é o que apresenta a percentagem mais baixa na categoria “conseguiu”, com apenas 6,2 por cento. No que diz respeito à disciplina de matemática, também no 2.º ano, os piores resultados nas provas de aferição de 2024 registaram-se nos domínios “álgebra”, com 72,1 por cento a não conseguirem ou a revelarem dificuldades, e “geometria e medida”, com 65,3 por cento, mais quase quatro pontos percentuais do que em 2023. Os melhores desempenhos observaram-se no domínio “dados”, com 53,7 por cento dos alunos a conseguirem corresponder ao pretendido, o que representa um aumento de 17 pontos percentuais face ao ano passado.
Na disciplina de estudo do meio, destaque, pela negativa, para os domínios “sociedade, natureza e tecnologia”, com 69,5 por cento dos alunos do 2.º ano a não conseguirem responder ou a revelarem dificuldades, “sociedade”, com 63,1 por cento (em 2023 foram 63,5 por cento), e “tecnologia”, com 62,6 por cento. Ainda assim, neste último domínio, 37,3 por cento dos alunos conseguiram responder de acordo com o esperado.
Na disciplina educação artística, nos domínios “experimentação e criação”, “interpretação e comunicação” e “apropriação e reflexão”, entre 40 a 45 por cento dos alunos do 2.º ano conseguiram responder, valores, contudo, inferiores aos apurados nas provas de aferição de 2023 – 52,6, por cento, 65,9 por cento e 58,2 por cento, respetivamente. Educação física é, das quatro disciplinas do 2.º ano em prova, a que registou melhores resultados, com 62,7 por cento dos alunos a conseguirem responder no domínio “deslocamentos e equilíbrios”, 67,8 no domínio “perícias e manipulações” e 64,9 por cento no domínio “jogos”. Em 2023, 47 por cento, 38,2 por cento e 48 por cento tinham conseguido, respetivamente, responder de acordo com o esperado.
Apenas 1,1 por cento dos alunos do 8. º ano atingem o esperado em “números” No caso da matemática e ciências naturais do 5.º ano, as percentagens de alunos a não conseguirem responder ou a revelarem dificuldades foram bastantes elevadas na maior parte dos domínios – 86 por cento em “números”, 91,9 em “geometria e medida”, 82,1 em “álgebra”, 80,1 em “dados”, 78,6 por cento em “diversidade de seres vivo e suas interações com o meio” e 82,9 por cento em “a água, o ar, as rochas e o solo – materiais terrestres”. O domínio “unidade na diversidade de seres vivos” foi o que apresentou melhores resultados, com 40,7 por cento a conseguirem responder. Por outro lado, no domínio “números” apenas 1,1 por cento dos alunos conseguiram atingir o esperado sem dificuldades. Comparando com 2022, data da última edição da prova de aferição a esta disciplina, verifica-se um aumento do número de alunos a não conseguirem responder ou a revelarem dificuldades em praticamente todos os domínios, sendo exceção “números”, que desceu pouco mais de três pontos percentuais.
Já na disciplina de educação musical, a percentagem de alunos que conseguiram corresponder ao pretendido é superior a 40 por cento, nomeadamente, 44,5 no domínio “experimentação e criação”, 43,1 em “interpretação e comunicação” e 67,6 em “apropriação e reflexão”.
Nas provas do 8.º ano, a português, “leitura e educação literária”, “gramática” e “oralidade” foram os domínios em que os alunos apresentaram os piores resultados – não conseguiram ou revelaram dificuldades –, com 88,3 por cento, 80,6 por cento e 71,1 por cento, respetivamente. Em comparação com 2023, todos estes domínios apresentam resultados superiores, destacando-se “oralidade” com um aumento de 53,5 por cento e “leitura e educação literária” com mais 21,6 por cento. Saliente-se, ainda, que, em 2023, 47,6 por cento conseguiram responder no domínio “oralidade”, percentagem que em 2024 caiu para os 5,4 por cento. Os melhores desempenhos neste ano registaram-se na “escrita”, em que 18,4 por cento dos alunos conseguiram atingir o esperado sem dificuldades, apesar de este valor estar muito próximo da percentagem de não respostas (15,9 por cento) e de ser inferior ao verificado em 2023 (25,1 por cento).
Por fim, na disciplina de inglês, as maiores dificuldades verificaram-se nos domínios “leitura e uso da língua”, “interação/produção escritas” e “compreensão do oral”, com 75,5 por cento, 60,4 por cento e 54,3 por cento dos alunos, respetivamente, a não conseguirem ou a revelarem dificuldades. Os melhores desempenhos registaram-se no domínio “interação/produção orais”, com 32,1 a conseguirem corresponder ao esperado.
“Circunstâncias pessoais e contextuais” condicionam resultados O IAVE sublinha, contudo, que “os resultados apresentados refletem o desempenho do aluno no momento de realização de cada prova, estando sempre condicionados por circunstâncias pessoais e contextuais específicas desses momentos”. Por isso, adianta no relatório divulgado na semana passada, “a sua leitura deve ser feita de modo a complementar as informações disponibilizadas pela avaliação interna”. Todavia, “a leitura destes resultados evidencia o papel que a avalização pode desempenhar nos processos de melhoria progressiva e sustentada das aprendizagens, uma vez que, ao recolher informação relativa ao todo nacional, permite identificar áreas de maior fragilidade e áreas mais conseguidas no desempenho dos alunos”.
José Bravo Nico, professor associado com agregação na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora/departamento de Pedagogia e Educação, sublinha, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que a ressalva do IAVE “é muito correta e pertinente” e frisa que “as presentes provas foram realizadas, na sua generalidade, em formato digital e que essa circunstância pode ter sido uma variável que poderá ter influenciado o desempenho dos alunos”. O também investigador no Centro de Investigação em Educação e Psicologia considera, assim, que “esta é uma dimensão que necessita de ser estudada e avaliada, no sentido de garantir que o formato de realização das provas de avaliação não perturbe o desempenho dos alunos”. “Nesta dimensão digital, deverão, por exemplo, serem consideradas questões como a disponibilidade e qualidade dos equipamentos digitais, a qualidade da rede de Internet, o nível de proficiência dos alunos na utilização dos meios digitais ou a adequabilidade das matérias escolares em serem avaliadas em formato digital. Nestas circunstâncias, dever-se-á ter muita reserva em realizar exercícios de comparação e na utilização dos resultados disponibilizados”, salienta.
Para o professor universitário, os resultados das provas de avaliação “servem precisamente para proporcionarem uma base mais objetiva e fiável do desempenho dos alunos, das suas escolas e, em última análise, do próprio sistema educativo, e são complementares aos resultados dos procedimentos de avaliação interna”. No entanto, frisa, “para podemos explicar a razão de ser das evidências”, são “necessários estudos complementares e esse pode ser um trabalho a desenvolver em rede, envolvendo as escolas, a academia e os responsáveis políticos pela área da Educação”. “É necessário avaliar as tendências, através de recurso a estudos com base científica e realizados com regularidade, para que os seus resultados possam dar indicadores fiáveis e, dessa forma, informar decisões adequadas para melhorar os desempenhos dos alunos, das escolas e do próprio sistema. É necessária mais ciência nestes processos para que as decisões a tomar sejam mais informadas e mais eficazes”, reforça.
E para que as provas de aferição “cumpram a sua missão”, defende, ainda, José Bravo Nico, “terão de ser valorizadas por todos os atores do sistema educativo: escolas, professores, alunos e famílias”, “deverão ser aplicadas com regularidade e deverão proporcionar informação objetiva, rigorosa, atual e disponível em tempo útil para terem efeitos nas aprendizagens de quem é avaliado”.
Mudanças nas provas de aferição A partir deste ano letivo, segundo o Governo, as provas de aferição serão substituídas por provas de monitorização da aprendizagem (ModA) “no 4.º e 6.º anos (anos terminais de ciclo), a português, matemática e a uma disciplina rotativa a cada três anos”, permitindo “comparabilidade e monitorização da evolução dos resultados ao longo do tempo”. Ainda a partir deste ano, para além do relatório nacional, “haverá relatórios a nível de concelho, de modo a informar a nível local sobre o ponto de situação das aprendizagens”. De acordo com José Bravo Nico, “a instabilidade existente no modelo de avaliação externa, em particular no que se refere às provas de aferição, tem sido uma realidade, muito decorrente dos diferentes pensamentos políticos existentes sobre a Educação”. “As alterações políticas ocorridas, ao nível parlamentar e de governo, têm concorrido para alterações frequentes no modelo de avaliação. Esta realidade tem fragilizado o potencial das provas de aferição e para a sua desvalorização social, o que é um facto negativo”, continua o professor universitário, que defende “estabilidade neste processo, o qual deverá decorrer de um compromisso político alargado, para que o sistema educativo português possa contar com o contributo da informação que os procedimentos de avaliação externa disponibilizam e, com isso, com o potencial que tal permite, na melhoria do desempenho dos alunos”.