Texto | Aníbal Fernandes
Vinte cinco de outubro de 1974. “Por iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja, está prevista a realização esta tarde pelas 19 horas, frente ao Liceu de Beja, uma manifestação dos rurais sul-alentejanos contra o desemprego”, lê-se numa pequena nota publicada na última página do “Diário do Alentejo”.
Quem tem acompanhado estes relatos da atualidade de há cinco décadas já se terá dado conta de um conflito latente entre os trabalhadores rurais e os grandes agricultores da região, reunidos na Associação Livre de Agricultores (ALA), muito devido ao desacordo na regulamentação do trabalho no campo.
Na primeira página da mesma edição, na “Nota do Dia”, o articulista classifica a situação de “inquietante” devido ao facto de a “população activa [ser] constituída em muito elevada percentagem por elementos que laboram no sector primário da economia nacional”.
O autor aponta “a extrema gravidade do problema e as tensões socias a que pode dar origem, caso se não chegue (já não diremos a uma solução adequada) a uma plataforma de (provisório) entendimento para os, tempos mais próximos”, entre patrões e empregados.Aliás, o esticar da corda, de parte a parte, anuncia a iminência de um conflito que urge evitar. Foi o que a Comissão Coordenadora de Obras Públicas no Alentejo fez ao disponibilizar uma série de verbas para avançar com obras públicas na região, com a finalidade de “assegurar ocupação imediata a algumas centenas de homens, [mas que] não deve ser encarada pelos trabalhadores agrícolas como manobra de diversão à ‘antiga portuguesa’, no intuito de retardar soluções de fundo (pois não são esses os propósitos do programa das Forças Armadas por que se rege o Governo Provisório), nem os empresários agrícolas deverão entendê-la como tal, sobretudo se quiserem estar conscientes de que são inevitáveis agora ou a médio prazo reformas profundas nas anquilosadas estruturas agrárias que o tempo do fascismo nos legou”, lê-se na “Nota do Dia”.
O artigo acusa “certos grandes lavradores” de “resistência passiva (…) ao progresso da democratização em curso no País” e aconselha à “aceitação de normas contrativas no trabalho rural para vigorarem nos meses mais próximos”, o que “tem evidentemente de implicar abdicações de ambas as partes”, mas em que “os mais beneficiados ou menos explorados no tempo do fascismo terão de dar agora a sua quota parte maior nos sacrifícios que se pedem para reconstruir esta pátria humilhada e ofendida por um regime de déspotas que sempre quiseram um Portugal de milhões a trabalhar para os cofres de um Portugal de poucos milhares de privilegiados”.
Na edição de sábado, dia 26, a manchete versava o mesmo assunto: “Desemprego é estratégia dos grandes lavradores”, dizia o sindicato. No texto acusavam os agrários de não estarem disponíveis para resolver o “problema grave dos trabalhadores alentejanos, procurando a todo o custo impor aos trabalhadores salários mais baixos do que aqueles que os trabalhadores já tinham adquirido nas convenções anteriores”.
Apesar de tudo, chegaram a acordo para que “todas as propriedades incultas, ou mal exploradas, [fossem] postas em actividade o mais rapidamente possível, para procurar resolver o problema do desemprego desta região, que é em número considerável”.Nos dias seguintes, até ao fim de semana, o assunto continuaria a ser objeto de notícia. Os partidos políticos (MDP/CDE, PCP, PS, MES e PT, por exemplo) lançaram comunicados solidários com os trabalhadores rurais.
Daí a poucos dias, a 2 de novembro, o Governo publicaria a primeira legislação sobre alterações na posse e no uso da terra, com uma lei que estabelecia o arrendamento compulsivo de terras subaproveitadas e definia as condições em que o Instituto da Reforma Agrária (IRA) iria funcionar.