António Paizana, 83 anos, natural de Lisboa
Iniciou os seus estudos artísticos no ateliê de Álvaro Duarte de Almeida, em Lisboa, nos anos 60, e prosseguiu a sua formação em instituições de prestígio como o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra e a École Supérieure d’ Architecture et des Arts Visuels, em Bruxelas, onde foi bolseiro. O seu percurso artístico inicial envolveu experiências com arte ótica e cinética, mas, ao longo do tempo, avançou-se das correntes de mercado, optando por uma abordagem mais figurativa e simbólica. Estabelecido em Beja desde 1980, lecionou na Escola Secundária D. Manuel I, desenvolvendo, em paralelo, a sua produção artística.
O Centro de Arqueologia e Artes de Beja apresenta, até 31 de dezembro, “Paizana: imagens suspensas”, uma exposição de pintura retrospetiva da obra de António Paizana.
Que quadros compõem esta mostra?Estes quadros foram realizados a partir dos anos 80, quando me fixei em Beja. Anteriormente, expus arte cinética, mas, sobretudo, “objetos” incluíveis na “poética da perceção”. Embora tivesse iniciado a minha aprendizagem com um excelente pintor figurativo, depressa me interessaram correntes que, na altura, despertavam na Europa. Até regressar de Bruxelas, aprendi e trabalhei nessas áreas, designadamente, arte ótica e cinética. Após anos de reflexão, resolvi praticar uma arte de figuração estruturada por vetores geométricos. De modo geral vim a fazê-lo, até 2022.
O que lhe permitiu a arte transmitir e entender ao longo de seis décadas de atividade?A opção pela figuração foi a maneira de regressar à imagem e, assim, possibilitar maior cumplicidade com o público em geral, tornando a pintura mais direta. Mas, e isso foi determinante, pretendo “navegar” pelo “imaginário”, invocando ou aceitando o que, em cada altura, mais me envolver. O trabalho onírico – sonho e devaneio – é essencial. Despertar imagens, da minha memória ou de antigos mitos, permite figurar situações da “visão interior” de apelo ao desconhecido.
De que são feitas, fundamentalmente, para lá da tinta, as suas imagens?Gaston Bachelard [filósofo francês] entendia que os conceitos exigiam uma compreensão distinta da exigida pelas imagens. As minhas imagens não se propõem ser reduzidas a palavras, pois perderiam a capacidade de desencadear trajetos por analogias, associações, aglutinação e alcançar sentido simbólico. Propõem-se situar o espectador num “mundo alternativo” onde receios, desejos, ansiedades e esperanças sejam induzidos e projetados esteticamente. O arcaísmo é procedimento para que as imagens sejam entendidas como “subtraídas” ao tempo.
Sendo a arte o que nos diferencia dos outros animais, deveria ser esta mais considerada nos desígnios conjuntos da humanidade?Decerto que sim. Em geral, as tarefas da ciência destinam-se a produzir um conhecimento certo e seguro do que considera a realidade. Observa, classifica, investiga, explica e teoriza. A arte é uma sabedoria, nunca uma ciência. Revela, interroga, surpreende, deleita e atinge zonas inesperadas da existência humana. Sem arte qualquer sociedade estiola, deixa de se reconhecer.
Hoje é um bom dia para pintar?Parece que o dilúvio de imagens que nos inunda os dias afasta a atenção da pintura figurativa. Várias correntes modernas e contemporâneas têm-se esforçado por destruir o prestígio da atividade pictórica. Assim, é mais intenso o desafio para quem se atreve a pintar. A pintura é a arte do olhar, da memória, da imaginação, do gesto e da surpresa. As imagens que cria são sempre diferentes das captadas pela fotografia. Não o perceber é esquecer quanto o Homem pode fazer. José Serrano