Coincidindo com o término da primeira fase de execução de obras do Museu Regional de Beja que, para além de outros trabalhos, permitiu a substituição da cobertura do imóvel, arranca a segunda fase do projeto que depois de concluída trará muitas novidades ao espaço, tal como o conhecemos. O que se traduzirá “num novo museu”, transmite Deolinda Tavares, a sua diretora, capaz de surpreender, até, os habituais visitantes.
Texto José Serrano
“Absolutamente surpreendente”. É assim que a diretora do Museu Regional de Beja, Deolinda Tavares, considera que será para quem volte a entrar no antigo Convento de Nossa Senhora da Conceição, após a conclusão das obras decorrentes. “Não tenho dúvidas disso”, diz, alicerçando a sua certeza nos trabalhos de valorização e conservação que, desde setembro de 2022, o imóvel e respetivo acervo estão a ser alvo, beneficiando, numa primeira fase, de uma candidatura apresentada ao programa operacional regional Alentejo 2020 pela Associação Portas do Território, em parceria com a Direção Regional de Cultura do Alentejo e a Câmara Municipal de Beja. Com um custo de cerca de dois milhões de euros, é, precisamente, essa primeira fase de intervenção que está prestes a chegar ao seu término, daí resultando a conclusão da substituição da cobertura do imóvel, “um trabalho cirúrgico, de forma a não agitar o conjunto”, que apresentava graves problemas de infiltração. Em paralelo, procedeu-se aos trabalhos exteriores – “de uma qualidade incrível, com resultados fantásticos” –, de aplicação de rebocos, acabamentos, caixilharias de janelas e pintura. Outro dos procedimentos desta primeira fase da obra está relacionado com a substituição de toda a infraestrutura elétrica, tendo-se procedido à total renovação de mais de 10 quilómetros de cabos, “componente decisiva, do ponto de vista da sobrevivência do edifício, uma vez que o sistema elétrico que existia era dos anos 60. Foi uma sorte nunca ter havido um incêndio”. Novas instalações sanitárias, quer para o público, quer para os trabalhadores do museu, é outro dos aspetos que foram, já, contemplados.
Coincidente com a quase finalização da primeira fase do projeto iniciou-se, agora, a segunda, que comporta um montante de 3,09 milhões de euros, verba do fundo de salvaguarda do património cultural do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que pretende contribuir para “minorar o potencial do risco, quer dos edifícios (com elevado valor arquitetónico, histórico e artístico), quer da preservação das diversas coleções de património móvel a transmitir às gerações futuras”.
Assim, foi já realizado o tratamento de desinfestação, por anoxia, das molduras da coleção de pintura, “que apresentavam muitas debilidades por contaminação por xilófagos” ou “bichos da madeira”, como são vulgarmente conhecidos. “Mais de 90 por cento das peças estavam contaminadas, era uma tragédia. Felizmente foi possível recuperar tudo”, elucida a diretora do museu. As etapas seguintes desta segunda fase do projeto, “elaborado por uma equipa de especialistas em várias áreas”, que será brevemente sujeito a concurso para execução, abrangem a conservação e restauro do património integrado – “tudo o que é talhas, azulejos, túmulos, pavimentos e peças decorativas em pedra, esculturas e pinturas que estão integradas nos altares, etc.”. Também as várias salas do museu serão sujeitas a processos de restauração, sendo que os pavimentos das de pintura, em tijoleira, serão substituídos por madeira, “o que nos vai permitir controlar melhor as condições ambientais”.
Após a conclusão desta segunda fase, e consequente reabertura do museu ao público, prevista, de acordo com a sua diretora, para o primeiro semestre de 2026, destacam-se várias “novidades”. Desde logo a entrada, que será feita a partir de uma das portas situadas por debaixo das arcadas, antecedendo, no largo do museu, a exposição de capitéis romanos, “elevando-os, para que possam ser vistos com outro fôlego”, e remetendo-os na direção do fórum romano, localizado a cerca de 300 metros dali, junto à praça da República, “construindo um discurso explicativo sobre a cidade, que estendia, naquela zona, [nesse período], o seu centro político e religioso mais importante”.
Deolinda Tavares considera que esta nova entrada principal do museu, pela sala dos Brasões, onde vai estar a receção e a loja de souvenirs, permitirá, ainda, aos visitantes contemplar a igreja, “peça notável de arquitetura e decoração”, de forma mais tranquila, sendo que era por ali, pelo antigo coro-baixo, que, até agora, se acedia ao museu. Também o coro-alto do edifício conventual, fundado na segunda metade do século XV pelos duques de Beja, D. Fernando e sua mulher, D. Beatriz, apresentará novas funções, passando de “armazém” para sala expositiva que apresentará a história do convento, “de quem aqui viveu” e dos seus fundadores, nomeadamente, a história da duquesa, “mulher absolutamente fantástica, pela sua capacidade de ação política e diplomacia, com uma enorme importância, pela sua inteligência”, no mundo daquela época.
“A ‘casa’ dos duques de Beja era, nesse tempo, depois da casa real, a segunda mais rica do País e, portanto, há aqui testemunhos absolutamente extraordinários que têm de ser descobertos, aos poucos, e transmitidos. Estamos a tentar fazer isso, precisamos de gente e de tempo”, refere a diretora. A esta nova sala de exposição poder-se-á aceder por elevador, equipamento que ligará o coro-alto e o pátio do claustro, local que beneficiará da colocação de telas de ensombramento e acolherá núcleos expositivos de esculturas romanas, em pedra, pretendendo-se que se constitua, ao mesmo tempo, como uma “zona de estar, onde as pessoas podem descansar”.
Para além do enaltecimento da importância histórica de D. Beatriz, de maneira a tentar resgatar “do esquecimento e do desconhecimento” a sua vida e obra, também a figura de soror Mariana Alcoforado será elevada. Deste modo, na sala onde se encontra a famosa janela, gradeada a ferro, referenciada numa das Cartas Portuguesas, através da qual Mariana Alcoforado terá sentido pela primeira vez a sua impetuosa paixão pelo cavaleiro francês Noël Bouton, marquês de Chamilly, será criado um espaço testemunhal multifacetado dedicado à mediática freira bejense nascida em 1640. “Sendo um tema que tanta atenção e curiosidade suscitam, o museu, onde Mariana viveu, tem de divulgar, convenientemente, a informação científica documentada que sobre ela existe. É isso que irá acontecer, porque a informação aqui disponível, até agora, era francamente diminuta”, frisa.
Por tudo isto, a diretora do museu acentua a importância do trabalho que tem vindo a ser e será desenvolvido, no âmbito destas duas fases do projeto, capaz de devolver, crê, a relevância deste museu no contexto nacional. “É um ‘novo’ museu. Será surpreendente”.
“Festa do Museu”, de hoje a domingo
Organizada pelo Museu Rainha Dona Leonor, em parceria com o Grupo de Amigos do Museu e com a Mapa das Ideias, a “Festa do Museu” tem o seu início hoje, dia 27, a partir das 10:00 horas, prolongando-se atá domingo, 29. Trata-se da terceira edição desta iniciativa, que se dirige à comunidade próxima e ao público em geral, sendo neste ano dedicada aos 50 anos da Revolução do 25 de Abril. As várias atividades programadas, com entrada livre, terão lugar no largo da Conceição, em frente ao Museu Regional de Beja.
A necessidade de ampliação do espaço do museu e a proposta de Siza Vieira
Deolinda Tavares considera imperiosa a necessidade de ampliação do Museu Regional de Beja, uma vez que há “uma absoluta falta de espaço”, possibilitando, o que existe, a apresentação ao público de apenas cerca de 10 por cento do espólio total do museu. Para além disso, “não há um laboratório para manutenção, revisão e tratamento de peças, não há um espaço para acolher investigadores, para abrir caixas de peças para as estudar, medir, fotografar, não há uma sala de leitura… Este museu precisa de uma área muito maior, com todas estas componentes de estudo, de observação, de manutenção, de acolhimento, de atividades de serviço ativo e de reservas de coleções”. Assim, a diretora do museu entende que o equipamento, “peça absolutamente vital da cidade”, deve ser ampliado, “como se faz em muitos sítios”. Sublinhando o enorme potencial da instituição, manifesta ser urgente uma nova discussão, entre várias entidades, sobre esta ampliação, considerando ser “quase ‘criminoso’ não se lhe dar esse espaço”. Espaço esse que se poderia encontrar, avança como hipótese, “no largo dos duques de Beja, onde se situava o paço”, local onde é hoje um parque de estacionamento. “Eu não estou a inventar nada, não sou só eu que tenho esta opinião. Todos aqueles que lidam com esta quantidade de riqueza patrimonial sentem esta opção como imprescindível”. Recorde-se que em 2009, por iniciativa da câmara, o arquiteto Siza Vieira apresentou uma proposta de orçamento de ampliação do museu, que nunca chegou a ser concretizada.