Diário do Alentejo

Quando a “vila pacata” de Beringel se sente insegura...

20 de setembro 2024 - 08:00
“Casos de polícia” sobressaltam moradores
Foto | D.R.Foto | D.R.

Beringel, freguesia do concelho de Beja, a 12 quilómetros da cidade, foi palco, no passado fim de semana, de dois acontecimentos, alegadamente, “fora da lei”, insólitos para uma “vila pacata” do interior do Baixo Alentejo. No sábado, dia 14, numa ação fiscalizadora entre a junta de freguesia e a GNR, foram detetadas cerca de 150 falsas declarações de atestados de residência. No dia seguinte, domingo, a vila “acordou” ao som de tiros de pistola, que perfuraram a montra de um estabelecimento comercial, situado no centro da vila.

 

Texto José Serrano

 

Na madrugada do passado domingo, dia 15, cerca das 02:00 horas, os moradores do centro de Beringel acordaram com o som de disparos de pistola, cujos projéteis, não tendo provocado vítimas, impactaram na montra de uma loja, outrora uma conhecida marisqueira local, hoje um dos três estabelecimentos comerciais existentes na vila geridos por imigrantes oriundos da Índia.

A este caso, que está a ser investigado pelas autoridades judiciais, junta-se um outro, igual e alegadamente de contornos criminosos, relacionado com falsos testemunhos de atestados de residência.

“O que nos levantou suspeitas”, diz Vítor Besugo, presidente da junta de freguesia de Beringel, “foi o aumento substancial, no princípio deste mês, do número de pedidos destes atestados, quase 200”, estando todas estas requisições relacionadas, “apenas, com cinco habitações”. Foram, assim, detetados no sábado, dia 14, data anterior à dos disparos, pela junta de freguesia, numa ação conjunta desenvolvida com o Comando Territorial de Beja da Guarda Nacional Republicana (GNR), cerca de 150 testemunhos falsos, não residindo estes imigrantes, cujo nome consta das duas centenas de atestados ultimamente pedidos, em Beringel.

A situação detetada – “requerimentos que não correspondem à verdade” – foi já denunciada ao Ministério Público, levando à decisão de se suspender a emissão dos atestados, aguardando-se pelo desenvolvimento da investigação em curso. De acordo com a lei, a prova de atestado de residência, necessária para vários procedimentos administrativos, como a solicitação do número de identificação fiscal, “poderá ser efetuada através de declaração escrita e assinada por duas testemunhas que sejam cidadãos eleitores da freguesia”, o que, de acordo com Vítor Besugo, peca por um óbvio facilitismo. “Em 600 atestados de residência” solicitados à junta de freguesia, desde o início do ano, “cerca de 400” foram pedidos “pelas mesmas duas pessoas – portugueses, que vivem, há já uns anos, em Beringel. Toda a gente na vila sabe quem são…” diz o autarca, avançando a existência de um pensamento generalizado – “pelo que as pessoas relatam” –, por parte da população, da possibilidade de se estar perante uma prática com contornos duvidosos. “Quando o novo governo, que até não é da minha ‘cor política’, tomou posse, anunciando que iria ser alterada a lei da emissão de atestados de residência”, através do Plano de Ação para as Migrações [que visa, de acordo com o executivo governamental, “corrigir os graves problemas nas regras de entrada em Portugal”], “eu fui um dos que aplaudi. Mas, já se passaram cinco meses e continua tudo igual e isso preocupa-me”. Sublinhando, desta forma, a falta de fiscalização pelas entidades competentes, Vítor Besugo atende para a necessidade de a lei apresentar “uma ‘malha mais apertada’, outros meios de prova, relativamente aos atestados de residência, porque o descontrolo, nomeadamente, nas questões da habitabilidade, é cada vez maior. Vivem 20 ou 30 pessoas numa casa, todos ‘limpam as mãos’, e nós não sabemos, efetivamente, o que se está a passar”. Não deixando de frisar a necessidade de a região receber trabalhadores imigrantes e o trabalho que a freguesia tem feito para “acolher bem”, desde há cerca de três anos, os que ali chegam para trabalhar, promovendo, “por exemplo, através do Instituto do Emprego e Formação Profissional, cursos de aprendizagem da língua portuguesa”, o presidente de junta questiona, contudo, o contínuo aumento de chegada de pessoas à freguesia e ao concelho, vindas de outros países, à procura de trabalho, sem que os postos laborais sejam em número suficiente para todos. “Nós não queremos que os imigrantes se vão embora. Queremos é que tenham as condições, os direitos e as obrigações que nós temos. Que os que venham tenham trabalho e não sejam explorados, não lhes seja retirada a dignidade”. A questão, diz, “é que muitos vêm aliciados com promessas e, depois, trabalham uma semana ou duas e são postos de lado. Aparecem na junta de freguesia imigrantes desesperados, porque há muito tempo que não trabalham e precisam, obviamente, de ganhar dinheiro. Mas as pessoas continuam a chegar, muitas vezes só com a intenção laboral, outras com subcontratos a empresas de trabalho temporário que só lhes garantem funções durante um mês, muitas vezes nem isso”.

A precariedade laboral que atinge uma franja significativa da população imigrante no território conduz, “inevitavelmente”, refere o autarca, a casos de miserabilidade social – “Ainda esta semana estive em Beja e quando cheguei à praça da República, de manhã, vi lá pessoas a dormir na rua…”. As consequências da falta de trabalho são, também, “facilmente visíveis” em Beringel. “Há já muitos casos de alcoolismo entre a população imigrante aqui presente e vemos as nossas praças cheias de homens a consumir álcool, nos bancos, na relva, sendo rara a semana que não se dão, entre eles, episódios de violência”. Esta situação tem vindo a provocar, diz Vítor Besugo, um progressivo “sentimento de insegurança”, com grande parte dos beringelenses a decidir alterar a sua vida quotidiana. “Beringel era uma vila tranquila, pacata. As crianças iam para a escola sozinhas, brincavam no parque infantil e nos jardins e isso deixou de acontecer. À noite não sai praticamente ninguém à rua e já não se fazem caminhadas noturnas, tão comuns que eram. Efetivamente, existe na população o sentimento generalizado de termos ‘perdido’ o nosso território, as pessoas não se sentem à vontade para sair de casa… É claro que com esta situação dos tiros essa sensação de insegurança aumentou, consideravelmente”.

Existe o medo de se começar a ver a progressão de “outros tipos de crime”. Um sentimento de preocupação que engloba todos aqueles que em Beringel sempre viveram descansados. Naturais e outros cidadãos que para a freguesia se mudaram, atraídos pela “qualidade de vida” que a terra podia proporcionar. “Há já algum tempo que vínhamos promovendo, sobretudo, junto de casais jovens, a mais-valia de se viver aqui, ‘publicitando’ todos os equipamentos que a freguesia proporciona e a tranquilidade que oferecia. Agora, já há pessoas que nos últimos quatro ou cinco anos vieram viver para Beringel com a casa à venda e outras que dizem estar arrependidas de terem tomado essa decisão de se mudarem para aqui. É frustrante ouvirmos isso e será muito difícil atrairmos novos moradores”.

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