Texto | Aníbal Fernandes
Muito se irá falar, nos tempos que se seguiram, da Reforma Agrária. Um processo que, desde o princípio, motivou sentimentos antagónicos e tensões várias.
Neste dia – 17 de agosto de 1974 – a primeira página do “Diário do Alentejo” destacava a posição do Partido Socialista sobre o assunto: “Sem com isso abdicar da luta por uma autêntica reforma agrária que conduza à socialização da terra através da expropriedade do latifúndio e da organização da pequena agricultura em bases cooperativas, o Partido Socialista considera que é possível, desde já, no âmbito do Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA) e do Governo Provisório, tomar medidas que se julgam urgentes no sentido, da ‘reforma progressiva das estruturas agrárias’, da defesa dos interesses dos trabalhadores rurais e pequenos agricultores e do incremento da produção agrícola”.
Os socialistas da altura mostravam-se convictos “de que, sem institucionalizar a intervenção do Estado”, não seria possível iniciar o processo da reforma do setor agrícola”, e propunham “a constituição de uma comissão da reforma agrária, de âmbito interministerial, incluindo representantes dos trabalhadores rurais e associações de agricultores”, à qual competiria, proceder à reorganização da Junta de Colonização Interna e a sua transformação no instituto da Reforma Agrária.
Na edição seguinte, nas páginas centrais, o Partido Comunista Português (PCP), não quis deixar os seus créditos por mãos alheias e, num comunicado assinado pela comissão distrital de Beja, lembrava que “no VI Congresso do partido realizado em 1965” já se referia que “o regime fascista era a ditadura dos monopólios associados ao imperialismo estrangeiro e aos latifundiários”, contra os “operários industriais, assalariados rurais, o campesinato e pequenos e médios agricultores”, e acabava a defender a realização “da Reforma Agrária entregando a terra a quem a trabalha”.
O PCP fazia o diagnóstico e retratava a “situação de miséria” em que “as classes laboriosas dos campos” vivam, atribuindo a culpa “à divisão da propriedade existente”, onde “enquanto os grandes senhores da terra possuem milhares e mesmo dezenas de milhares de hectares, mais de 800 mil camponeses não têm um palmo de terra e meio milhão de pequenos agricultores não têm terra suficiente para promover o sustento das respectivas famílias”. Os números apresentados eram arrasadores: “Os 500 maiores proprietários têm mais que os 500 mil mais pequenos [dados de 1965]”.Assim, o PCP apontava para a “expropriação dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas capitalistas cujas dimensões para efeito de expropriação serão determinadas por lei, tendo em conta a natureza do terreno, os tipos de cultura, o valor do produto e o peso relativo das várias camadas do campesinato em cada região. Em todos os outros casos respeito pela propriedade privada da terra”.
Dois dias depois, também nas centrais, a Associação Livre dos Agricultores (ALA) manifestava a sua opinião através de um comunicado e apelava ao “associativismo dos agricultores” em todo o País e informava que prosseguiam os “frequentes contactos com as entidades governamentais procurando desse modo contribuir para o estudo e resolução dos problemas mais urgentes (…) de acordo com os conceitos que enformam o Movimento das Forças Armadas”.Um dos assuntos discutidos com o Pró--Sindicato dos Trabalhadores do Distrito de Beja, a ALA, “integrada na comissão paritária, e o secretário de Estado do Trabalho, foi resolvido, em boa parte, um problema, que afectaria, dentro em breve, trabalhadores e empresários de certas zonas, em que os primeiros ficariam exercendo trabalho sem qualquer produtividade enquanto os segundos sentiriam grave carência de trabalhadores para a execução de tarefas absolutamente inadiáveis. Na verdade, após a cortiça e as ceifas, os trabalhadores alentejanos da zona do sequeiro ficariam em regime de trabalho não produtivo até às próximas sementeiras, enquanto nas zonas de regadio e de vinhas a falta de mão-de-obra se faria sentir. Em consequência, foi acordado, com a colaboração das Forças Armadas, no tocante a alojamentos, que os trabalhadores das zonas de sequeiro se deslocarão para as zonas de regadio e de vinhas, mediante condições constantes de um contrato individual”, com salários de 160$00 (homens) e 120$00 (mulheres), por uma jornada de 44 horas semanais e alojamento condigno assegurado.