Texto | Aníbal Fernandes
Apesar de tanto se dizer que o regime do Estado Novo foi derrubado sem um único disparo, isso não passa a ser verdade. De facto, no dia 25 de abril, quando os populares se concentraram – ainda antes do MFA chegar ao local – nas imediações da sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, perto do Chiado, em Lisboa, elementos da polícia política dispararam sobre a população, tendo ferido 45 pessoas e assassinado quatro: João Arruda, Fernando Reis, Fernando Giesteira e José Barneto.
Seguiu-se a ocupação das instalações por um grupo de fuzileiros, a prisão dos esbirros do regime, mas os autores dos disparos nunca foram identificados e condenados.
A organização criada pelo regime para controlar os portugueses – que começou por se chamar PVDE, depois PIDE e, à altura dos acontecimentos, tinha sido transformada numa Direção-Geral de Segurança (DGS) –, estendia os seus tentáculos a todo o País, incluindo os então territórios ultramarinos.Na edição de sábado, dia 10 de agosto, na última página, noticiava-se que “dois agentes da extinta P.I.D.E./D.G.S. evadiram-se, durante a noite, da Penitenciária de Lourenço Marques”. Não se sabiam pormenores da fuga, mas os fugitivos tinham nome: Aires Monteiro e Maximino Oliveira.
Na segunda-feira, 12, e com destaque de primeira página, o tema voltava a ser notícia, agora por um acontecimento passado em Lisboa.
“Com o pretexto de um dos seus colegas ter falecido ‘por falta de assistência médica’, amotinaram-se ontem à noite os cerca de 600 agentes da ex-Pide/D.G.S. que se encontram presos na Penitenciária de Lisboa. Após se apoderarem de material sonoro, pertencente aos presos comuns, ocuparam parte das instalações, proferindo ao megafone palavras como ‘Viva o general Spínola’ e ‘Estivemos sempre ao lado do Povo’, ‘Queremos justiça’, ‘Queremos o general Galvão de Melo’”, e reclamando “a presença deste membro da Junta de Salvação para dialogar”.
Hoje pode parecer estranho, mas a verdade é que Galvão de Melo “recebeu, em Monsanto, uma delegação de dez ex-agentes da Pide que lhe expuseram as razões da insubordinação”.
Entretanto, uma força de fuzileiros e o Copcon já tinha tomado conta da situação e, assinale-se, os presos comuns recusaram-se a participar no motim. Reza a história que a insubordinação foi dominada, falta saber o resultado da conversa dos pides com o general Galvão de Melo…Na edição de terça-feira, dia 13, também na primeira página, numa foto-legenda explicava-se que “todos os processos que vão ser organizados contra os elementos da ex-PIDE e da ex-Legião Portuguesa continuam a merecer da opinião pública a maior atenção, dada a natureza da matéria criminal em que se basearão. Numa recente conferência de Imprensa, o comandante Conceição Silva, que dirige esses serviços, revelou que a ex-PIDE contava 2162 funcionários e tinha 20 000 informadores e a ex-L.P. dispunha de 80 000 filiados e 600 informadores, enquanto que a Frente Anticomunista era constituída por 200 indivíduos e o grupo de Intervenção Imediata por 60, o que totaliza mais de 100 000 elementos”.