Texto | André Donas-Botto, Arqueólogo
Em defesa do meu bom nome, não consigo compreender como o vosso jornalista não cumpriu uma das mais elementares bases do código deontológico que é contactar todas as partes e procurar obter o máximo de informações em nome da verdade e bom jornalismo.
Além de citar o meu nome sem necessidade de o fazer, pois em nada acresce para a peça esse ato, cita de forma errada e grosseira parte do auto de vistoria da Câmara Municipal de Beja escrevendo: “Quanto à intervenção arqueológica no local, não existindo qualquer procedimento de licenciamento, deve parar de imediato”, quando o que está escrito na página 2 do auto de vistoria é: “(…) Não existindo qualquer procedimento de licenciamento, a obra em execução deve parar de imediato e deve ser notificado o interessado a apresentar o respetivo processo (…)”. Ora, lendo com atenção, em nada fala dos trabalhos arqueológicos que estão parados desde abril de 2022 por sugestão da minha direção em articulação com a entidade de tutela via Nota Técnica n.º 2, cujo parecer de aprovação foi remetido ao município de Beja pela então Direção Regional da Cultura do Alentejo. Pese embora o autor mais adiante no texto transmita a informação de que os trabalhos de acompanhamento arqueológico tinham a aprovação da tutela, neste trecho escreva como se os mesmos não fossem legais e não tivessem tido a devida aprovação por parte das então Direção Regional da Cultura do Alentejo e Direção Geral do Património.
Em relação ao trecho onde escreve: “(…) existência de fissuras em algumas paredes e abóbodas (…), e tendo em conta as escavações arqueológicas realizadas no Beja Hostel, na rua Alexandre Herculano, poderão estar a pôr em risco a estabilidade do edifício. O documento recomenda que o assunto seja, quanto antes, analisado pelo arqueólogo que acompanha a escavação [André Boto] e por um engenheiro perito em estabilidade”, realmente essa dúvida foi levantada pelos serviços do município a qual, em nome da boa verdade, mereceu já a minha resposta, pois não compreendo como podem solicitar que, depois de um trabalho realizado e com relatório final entregue, eu tenha de fazer uma avaliação de estabilidade, ainda para mais quando um arqueólogo não tem competências de engenharia civil para fazer essa avaliação. Reforço, também, nessa resposta, que os trabalhos nunca foram de escavação arqueológica, tendo sido, sim, de acompanhamento de substituição de canalizações e de remoção de terras para sanear sedimentos devido às contaminações da fossa e saneamento deficiente que existiam no edifício. Sei, também, que o autor da peça foi informado de que não existiram quaisquer escavações arqueológicas no Beja Hostel, mas o mesmo insistiu em escrever isso na passagem citada do artigo, quando no auto de vistoria também não é referida a expressão “escavações arqueológicas”, podendo, assim, abrir espaço a mais suspeitas e dúvidas infundadas.
Não deixo de ficar estupefacto com a chamada de atenção “Acervo arqueológico com futuro incerto”, quando o mesmo se encontra à nossa guarda, sob reserva científica. Todos os materiais estão marcados e inventariados, tendo esse processo sido levado a cabo em parceria com o arqueólogo municipal, ao abrigo de um protocolo estabelecido entre o município e o promotor dos trabalhos. Aguarda-se apenas o parecer do Património Cultural IP para ulterior entrega na reserva arqueológica de Beja. Os vestígios estruturais existentes no edifício foram já alvo de análise no relatório final, careceram de levantamento fotogramétrico e restantes registos. Se o senhor jornalista tivesse feito o seu trabalho saberia que a proposta que se avançou no relatório é para a sua recobertura com sedimentos após proteção com recurso a manta geotêxtil à exceção de um troço que deve ser protegido com manta geotêxtil para posterior avaliação de conservação e projeto de musealização caso se avançasse com os trabalhosEntristece-me que uma referência na comunicação na região se dê a estes erros, o mesmo jornal que com frequência publica maravilhosos textos sobre arqueologia e património de Beja manche agora a sua reputação ao lançar uma peça destas sem que tenham tido a competência de ouvir todas as partes e fazer justiça ao que é ser jornalista, cumprindo com aquilo que o código deontológico exige!
Não aceito, nem posso aceitar, que o meu profissionalismo possa ser colocado em causa e lançado ao ar, quer por meio de peças demasiado ambíguas, quer por processos que me são completamente alheios, com os quais não tenho quaisquer responsabilidades, quer seja a submissão de projetos, quer sejam os problemas entre promotor e senhorio. As minhas responsabilidades junto da tutela foram cumpridas estando o relatório final e restante documentação validados e aprovados!