Texto | José Serrano
Enfermeiro de profissão, é também dirigente associativo, eleito autárquico, tendo já sido deputado na Assembleia da República pelo círculo de Beja. A partir de 2008 começou a fazer formação em História. É bolseiro da Fundação Ciência e Tecnologia para realização de um programa de doutoramento na Universidade de Évora, onde estuda a administração das aldeias e lugares mais pequenos no Período Moderno. Tem vindo a trabalhar questões de fronteira, de pequenas comunidades e de subalternos.
Foi, recentemente, apresentado, na Casa do Povo de Santo Aleixo da Restauração, aldeia do concelho de Moura, o livro Defender a Pátria – Ruralidade e Fronteira nas Guerras dos Séculos XVII e XVIII – O Caso de Santo Aleixo no Termo de Moura, da autoria do historiador João Ramos.
Como nos apresenta este seu livro?A aldeia de Santo Aleixo foi atacada três vezes em duas guerras e, numa das vezes, em 1644, foi destruída. Vários autores falaram já nesse processo. Eu quis saber o que aconteceu depois. Para onde foram os sobreviventes, como reorganizaram as suas vidas, como se prepararam para voltar a dar vida à sua aldeia. Isto obrigou-me a olhar para tudo o que já tinha sido escrito sobre os ataques e tentar relê-los, tendo em consideração o contexto em que os documentos da época foram produzidos.
De que forma a guerra da Restauração (1640/1668) e a guerra da Sucessão de Espanha (1701/1715) condicionaram os desígnios desta aldeia?Na guerra da Restauração, com o fim da união ibérica, foi reposta a fronteira. O que trouxe dificuldades a estas comunidades que, por exemplo, tinham lavouras no país vizinho. Por outro lado, a guerra implicou mobilização de combatentes e o surgimento de impostos para financiá-la. A comunidade em concreto ainda viu a sua aldeia atacada, tendo, inclusivamente, na sequência do ataque de 1704, permanecido sob domínio castelhano até, provavelmente, ao fim da guerra da Sucessão.
Fala, no seu livro, na recusa das populações em abandonar a aldeia em cada um dos ataques. É este ato de resiliência o verdadeiro ato de defesa da pátria?Na primeira vez que a aldeia foi atacada, em 1641, ainda podemos admitir alguma surpresa. Mas a partir daí aquelas pessoas já sabiam que dificilmente podiam resistir. Apesar disso, decidiram não sair. Mais, recusaram cumprir as orientações do comando militar de Moura para que saíssem. Esta recusa em abandonar a sua aldeia deixa antever um vínculo pouco comum ao território, que é de uso partilhado. É este vínculo que os impele a ficar e não uma afinidade extrema com o novo rei de Portugal.
De que forma o confronto bélico com Espanha influiu na forma como se encara o país vizinho? Nesta porção da fronteira, os conflitos não estavam relacionados com esse limite, mas com a partilha de territórios. Os homens de Santo Aleixo participaram na destruição da aldeia de Barrancos, que era portuguesa, mas nunca atacaram a vila de Aroche, que era castelhana. Os moradores do concelho de Moura tinham conflitos com os de Barrancos, relacionados com a partilha do Campo de Gamos, mas não os tinham com Aroche. Esses conflitos prévios não desapareceram com a guerra. Claro que a estratégia militar de âmbito, pelo menos, regional, se sobrepôs às dinâmicas locais e por isso a aldeia foi atacada e destruída.