Artista multimédia, cuidadora/guardiã. Atualmente vive entre o Baixo Alentejo e o Ticino (Suíça). Doutorada em Multimédia. Licenciada em Design de Comunicação e mestre em Arte e Multimédia, com especialização em Instalação e Performance, diretora artística do projeto artístico participativo e transdisciplinar “Do aberto ao abismo do abismo ao aberto”.
Ana Nobre 40 anos, natural de Ourique
Ana Nobre, sob o pseudónimo artístico Analentejana, apresentou, recentemente, ao público, “Brada Brava”, EP de estreia que conta com três canções.
O que apregoa indomavelmente este seu “Brada Brava”?
Na minha infância, no monte, comunicávamos bradando. Este chamamento ensinou-me a projetar a voz e como se propaga no espaço e, assim, a “falar” com o lugar. Esta comunicação oral é brava, no sentido em que é “indígena” e autóctone. Selvagem, se quisermos. Neste primeiro EP tudo acontece de modo espontâneo e, neste sentido, autêntico. Este meu cantar não é instruído, vem da tradição oral, do cantar alentejano. Praticamente, nasci dentro de uma taberna, onde se cantava tanto. Simultaneamente, este “Brada Brava” é um grito de força, de vida a jorrar, indomável.
Sendo cantautora, de onde recolhe os principais elementos que lhe permitem criar uma canção?
A fonte não é escolhida de modo consciente, mas surge tal como numa nascente. Só a posteriori é possível tentar perceber de onde vem essa “água”, qual a sua composição química, o seu sabor. Por exemplo, o último single do EP lançado neste mês surgiu quando estava a regar. Comecei a cantar e dançar e aí está o resultado – uma letra e música muito simples, o cantar como agradecimento à vida que somos e nos atravessa.
São as raízes culturais, sempre, potenciadoras da expressão criativa?
O que comunicamos de autêntico vem sempre daquilo que somos.Se entendermos raízes culturais no sentido de identidade cultural, creio que temos, aí, solo fértil para a criação. Ainda mais se intuirmos aquilo que advém desse crescimento subterrâneo, e podermos jogar com isso na relação com o que vamos apreendendo todos os dias. Ou seja, a nossa experiência passada, sempre a ser atualizada pela vivência presente.
De que forma pode a arte, nomeadamente, a música feita “cá”, por gente de “aqui”, contribuir para tornar este Alentejo mais leve, mais luminoso?
A expressão artística é fundamental para a vida. Precisamos de cantar mais, de dançar mais, de fazer mais atividades criativas/artísticas, precisamos de poesia, de expressar o nosso mundo interior, de ir iluminando as nossas trevas, de exorcizar os nossos traumas, de celebrar a vida. Precisamos de beleza, de ver beleza, para sermos beleza. A beleza sagrada da vida, o belo natural. Precisamos de nos espantar com o mundo, com a luz do sol, com o aroma do rosmaninho, com um pássaro que canta. A música é o nosso chilrear, uma forma de arte, de expressão, de comunicação, de participação, de socialização.
Qual o percurso que gostaria que este seu trabalho seguisse?
Gostaria que a Analentejana continuasse inspirada, que depois deste EP viesse um álbum, que continuasse a apresentar-se ao vivo, pois a presença, o acontecimento, esta partilha que acontece entre performer e público, tão enriquecedora e transformadora, é fundamental para a criação e interessa-me muito. Fica o apelo aos agentes culturais.
José Serrano