Diário do Alentejo

Autarcas da região querem água do Pomarão para o concelho de Mértola

14 de julho 2024 - 08:00
Relatório diz que a região do Alentejo tem a maior percentagem de captações subterrâneas em desconformidade com a lei

A Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (Igamaot) identificou 3790 captações de águas subterrâneas para abastecimento público, em Portugal continental, em desconformidade com os diplomas de proteção dos recursos hídricos. Mértola e Almodôvar são, respetivamente, o segundo e terceiro municípios com maior percentagem de “desconformidades” em relação ao Regime de Utilização de Recursos Hídricos (Rurh). A ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, quer que a legalidade seja reposta no prazo de seis meses. Os autarcas da região manifestam-se contra as opções governamentais e exigem que a projetada captação de água no Pomarão para servir o Algarve também beneficie a freguesia de Espírito Santo, em Mértola.

 

Texto Aníbal Fernandes Foto Ricardo Zambujo

 

Um relatório do Igamaot de abril, recentemente homologado pela ministra do Ambiente e da Energia, identificou 3790 captações de águas subterrâneas para consumo humano em desconformidade com a lei de protecção dos recursos hídricos.

Sem surpresa, o Alentejo é a região do País, percentualmente, com mais casos, com problemas em 43 dos 47 municípios (91 por cento). Mértola e Almodôvar são os concelhos com mais casos referenciados. A região Centro também apresenta números preocupantes, com 85 por cento dos concelhos a não cumprirem a lei 382/99, que estabelece perímetros de proteção para captações de águas destinadas ao abastecimento público.

Na sequência do relatório que Maria da Graça de Carvalho aprovou, em 27 de junho, a tutela determinou que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “no prazo de seis meses, promova todas as diligências necessárias” para reposição da legalidade.

Mário Tomé, presidente da Câmara Municipal de Mértola, admite que existe “um conjunto de furos que não estão licenciados”, mas recusa qualquer responsabilidade da autarquia nesse facto: “Em 2010 pedimos à APA o licenciamento de vários furos. Analisaram 15 e ainda estamos à espera que verifiquem os restantes”.

O autarca recorda que “no concelho vivem cerca de 6400 pessoas, em 108 localidades, e que apenas 30 estão ligadas à rede de abastecimento de água em alta”. A dispersão territorial dos aglomerados obriga a que “o abastecimento de água às populações seja feito, ao longo do ano – e não só no verão –, através de autotanques”.

Também António Bota, presidente da Câmara Municipal de Almodôvar e da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), diz que “não faz sentido nos dias de hoje, e face às alterações climáticas, andarmos com um camião a abastecer as populações quando há uma conduta mesmo ao lado”.

Quanto ao relatório do Igamaot, que aponta o concelho de Almodôvar como um dos pontos negros no que diz respeito à desconformidade das captações de águas através de furos, o autarca reconhece que este problema “não é de hoje” e admite a existência de captações “sem qualquer registo”.

No entanto, considera que o problema reside no facto de “termos estado quase um século sem qualquer tipo de regulamentação” e que “a surpresa é haver tão poucos casos nessa situação”, conclui.

Quanto à intenção da ministra de resolver o problema em seis meses, António Bota diz que revela “o desconhecimento da realidade e vai criar um dilema à APA”. No entanto, considera importante regularizar a situação, mais que não seja, para “fazer um levantamento e mapear o existente e avaliar a quantidade e qualidade das águas”, principalmente, num território em que “a escassez hídrica é permanente”.

 

Captação de água no Pomarão

 

Na passada segunda-feira, o conselho intermunicipal da Cimbal criticou o projeto em estudo para abastecimento do Algarve a partir de água recolhida no Guadiana, junto ao Pomarão, e exigiu que também possa servir a população local.

A tomada de posição, que foi aprovada por unanimidade pelos 13 concelhos que integram a Cimbal, recorda que o concelho de Mértola é “um dos territórios mais suscetíveis à desertificação”, onde a “escassez de água e o elevado stresse hídrico”, é agravado “por períodos de seca prolongados” e, por isso, o projeto que esteve em discussão pública até ao passado dia 29 de abril teve o parecer negativo da Câmara Municipal de Mértola e da Associação de Municípios para a Gestão da Água Pública do Alentejo (Amgap) e ainda das associações ambientalistas ZERO e Plataforma Água Sustentável.

A Cimbal apela a todas as entidades com responsabilidades neste processo que procurem “condições para o abastecimento público de água às localidades da freguesia do Espírito Santo, a partir do projeto proposto ou de outras soluções técnica e financeiramente mais convenientes”. Os municípios do Baixo Alentejo defendem que faz “todo o sentido existir uma conjugação de esforços que permita ajudar a solucionar o problema de falta de água nesta freguesia do concelho de Mértola, aproveitando o projeto de reforço de abastecimento de água ao Algarve”.

Esta posição irá ser transmitida ao Ministério do Ambiente e Energia, Agência Portuguesa do Ambiente, Águas do Algarve, Águas Públicas do Alentejo e comissões de coordenação e desenvolvimento regional do Alentejo e do Algarve, entre outras. O projeto – que se encontra em fase de estudo – faz parte do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, está avaliado em cerca de 61,5 milhões de euros e é apoiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

 

Litoral

 

A Igamaot refere ainda a monitorização da zona de proteção especial da captação de Santo André/Monte Chãos e Porto Peixe, do Sistema Aquífero de Sines – Zona Norte, devido ao avanço da cunha salina. Recorde-se que nesta zona estão interditas novas captações que não se destinem a abastecimento público.

Segundo a APA, “não há avanço da cunha salina, uma vez que não se observam indícios de intrusão” na massa de água que se encontra “com bom estado quantitativo e bom estado químico”, mas considera “crucial a continuação de todas as medidas” para manter a qualidade dessa massa de água e salvaguardar o abastecimento público a Vila Nova de Santo André e zona industrial e logística de Sines”.

 

Ligação do Roxo à Rocha: obras já começaram

 

As obras para a ligação da barragem do Roxo à da Rocha começaram na passada semana (dia 3) e prevê-se que possam estar concluídas até ao final de 2025. Marcelo Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de Ourique, em declarações ao “Diário do Alentejo”, revelou o seu contentamento com a situação que designa de “muito importante” para o seu concelho, uma vez que “vai garantir que a água do Alqueva chegue ao Monte da Rocha, o que garante o abastecimento”. Mas, acrescenta, “também pelo facto de trazer um novo impulso no desenvolvimento económico do território”. O autarca perspetiva a criação de “um novo perímetro de rega na União de Freguesias de Panoias e Conceição (Ourique) e Messejana (Aljustrel)”, o que significa uma “maior dinâmica”, o que é “vital” para aqueles territórios.

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