Diário do Alentejo

Início das aulas: novo ano, velhos problemas

06 de setembro 2024 - 08:00
No distrito de Beja faltam professores para 44 horários completos, mas cenário pode piorarIlustração| Susa Monteiro/Arquivo

Se as aulas tivessem começado no dia 1, calcula-se que, em Portugal, 120 mil alunos não teriam professor a pelo menos uma disciplina. A estimativa não está feita para o distrito de Beja, mas sabe-se que o Baixo Alentejo – logo a seguir a Faro (98), Lisboa (70) e Setúbal (62), é aquele com mais horários completos por atribuir (44). Só no Agrupamento de Escolas de São Teotónio, em Odemira, a meio desta semana, estavam 11 por ocupar.

 

Texto | Aníbal Fernandes

 

“Estamos a começar muito descalços”. É desta forma que Inês Pinto, diretora do Agrupamento de Escolas de São Teotónio, em Odemira, retrata a situação nestes dias que antecedem o início do ano letivo e que, ali, está previsto acontecer no próximo dia 13.O cenário é semelhante ao do ano passado. “No primeiro concurso até ficámos bem, mas, com os pedidos de mobilidade, alguns professores aqui colocados pediram para ir embora”, devido a problemas de saúde, gravidezes de risco ou apoio a familiares, entre outros motivos previstos na lei.

Em 2023/24 este agrupamento de escolas ficou com um horário de Educação Especial por preencher durante todo ano. Inês Pinto espera que tal não se volte a repetir e acredita que no concurso de escola que está a decorrer seja possível recrutar professores, quer para este grupo, quer para Informática, aquele que, segundo dados do Ministério da Educação é o mais escasso: faltam 57 no total, três no distrito de Beja. A disciplina de Inglês também está em falta, mas a diretora acredita que, à semelhança do que aconteceu no ano passado, resolverá o problema localmente, no entanto, apenas “depois do ano letivo começar”.

Curiosamente – ou talvez não – o Agrupamento de Escolas de Barrancos apresenta-se em “boa situação”, com apenas quatro horários para preencher, mas no concurso de contratação de escola.

Bento Guerra Caldeira, diretor do agrupamento, disse ao “Diário do Alentejo” que “como na primeira fase do concurso” ficaram “com os professores colocados no quadro” no ano letivo passado e “poucos saíram, no âmbito da mobilidade interna”, o cenário é positivo.Assim, os 143 alunos, distribuídos pelo pré-escolar, quatro turmas de 1.º ciclo, duas de 2.º e três de 3.º, terão ao seu dispor todos os professores no primeiro dia de aulas.

Isso acontecerá porque, “como é habitual”, os horários em falta serão ocupados “com a prata da casa”, docentes sem habilitação própria, mas que em conjunto com o “jogo de cintura” da direção, permitem resolver um problema que é crónico noutras latitudes da região.

 

“Pior do que em 2023” Segundo os sindicatos, em agosto deste ano estavam por atribuir – em oferta de escola – 435 horários, bastante mais do que os 265 verificados há um ano. No distrito de Beja, a disciplina que se apresentava mais desfalcada era Geografia (10), seguida por Educação Especial (7) e Português (6). Com três horários aparecem os grupos de Português/Estudos Sociais/História; Português/Inglês; Matemática; Informática; e Artes Visuais, tudo dados oficiais de dia 28 de agosto às 17:00 horas.

Mas a situação pode “piorar até ao Natal”. Quem o diz é Manuel Nobre, presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), que integra a Federação Nacional dos Professores (Fenprof). “As baixas médicas e os pedidos de aposentação [estão previstos cinco mil este ano] podem fazer aumentar os números”, explica o dirigente sindical.

“O problema de fundo é a falta de atratividade da profissão. Nos últimos 20 anos os professores perderam cerca de 30 por cento do seu poder de compra” e quem entra na atividade “tem de andar, em média, 16 anos em situação precária até se conseguir vincular”, explica Manuel Nobre, para quem as medidas apresentadas pelo Governo no sentido de minimizar o problema, como, por exemplo, o apoio às deslocações ou a autorização para horas extraordinárias “são vagas e sem concretização. Não é com subsídios e apoios pontuais que a situação se resolve”, conclui.

 

Negociações No passado dia 30 de agosto, no final de uma série de reuniões com os sindicatos dos professores, Fernando Alexandre, ministro da Educação, disse aos jornalistas que o Governo “garantia” que um apoio financeiro para professores colocados em escolas longe de casa iria avançar já em setembro.

A proposta inicial prevê a atribuição entre 75 e 300 euros mensais aos professores colocados em estabelecimentos de ensino a mais de 70 quilómetros de casa e onde haja alunos sem professor há mais de 60 dias, mas os sindicatos consideram que os valores apresentados “não vão atrair” mais docentes, pois, na hipótese mais próxima, significará uma deslocação de 140 quilómetros diários subsidiados com “apenas dois euros por dia”.

Perante as críticas apresentadas, o ministro prometeu “repensar como é que esse apoio será dado”, acrescentando que o objetivo é “motivar os professores a concorrerem a horários que não têm docentes”. “Sabemos que não vamos resolver um gravíssimo problema só com esta medida, mas temos de a desenhar de forma a garantir que todos os alunos têm aulas”, destacou Fernando Alexandre.

“Os sindicatos identificaram alguns problemas. Alguns já os tínhamos pensado, outros são novos, por isso, vamos repensar a forma como esse subsídio será dado, mas será sempre direcionado para essas escolas”, onde, cronicamente, faltam professores, afirmou o ministro.Esta questão não convence os sindicatos, quer a Fenprof, quer a Federação Nacional de Educação (FNE), que apontam a falta de “equidade” da medida, já que, numa mesma escola, com dois professores que fazem o mesmo percurso, poderá acontecer que apenas um receba o apoio por dar aulas a uma disciplina mais difícil de preencher.

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