Diário do Alentejo

“A cultura é um músculo individual e coletivo”

15 de junho 2024 - 08:00
Daniela Viçoso vence Prémio Geraldes Lino 2024
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Daniela Viçoso, 34 anos, natural de Faro

Daniela Viçoso é artista visual e autora de banda desenhada. Licenciada em Pintura nas Belas-Artes de Lisboa (2012) e mestre em Ilustração pela Kingston University de Londres (2015). Divide-se entre a banda desenhada, a autoedição, a pintura, a pesquisa antropológica e o ensino das artes visuais. Dentro do seu trabalho artístico e narrativo aborda e trabalha, frequentemente, o imaginário popular português e respetivo património imaterial. Tem especial interesse por histórias do quotidiano, de fantasia histórica e romance.

Texto José Serrano

Daniela Viçoso foi galardoada com o Prémio Geraldes Lino 2024 atribuído pela Bedeteca de Beja. A distinção possibilita a publicação de uma ou várias histórias da autora num número da “Coleção Toupeira”, bem como a realização de uma exposição individual na XIX edição do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, evento que decorre até ao dia 23 na Casa da Cultura de Beja.

Qual o sentimento que experimentou ao receber esta distinção?Fiquei muito feliz! É maravilhoso vermos os nossos esforços recompensados, sobretudo, sendo o ato de fazer banda desenhada (BD) uma atividade que consegue ser tão solitária.

Que história relata esta obra?A história conta como um livro do século XIX, adaptado na segunda metade do século XX para a televisão, é redescoberto on line, nos tempos atuais. Este livro que dá mote à história não existe, a minha BD trata de um caso hipotético, mas representa vários clássicos da época. Segue o exemplo de obras como as de Eça de Queiroz ou Os Miseráveis de Victor Hugo, que são redescobertas por novas gerações e reinterpretadas de diversas maneiras. As obras mantêm-se vivas por se manterem relevantes. Tive, também, inspiração para esta história quando vi, há uns anos, “Contos Fantásticos”, da realizadora Noémia Delgado, uma série de adaptações, para a RTP, de contos de ficção especulativa – fantasia, terror, fantástico – de inúmeros escritores portugueses.

Considera que a recuperação do passado pode ser contemporaneamente inspiradora e atual? Não me coloco num lugar de historiadora, porque não o sou. Portanto, falo apenas de um ponto de vista autoral e artístico. Quando escrevo, escrevo sempre como alguém do século XXI, porque é o tempo que habito. Tempos longínquos, mais ou menos reais, têm potenciais narrativos sempre muito interessantes, algumas coisas são muito diferentes, mas outras tão parecidas ao nosso tempo. Penso que isto é o que atrai tantos autores à ficção ou fantasia históricas.

Dois jovens alentejanos constituem as personagens centrais do enredo do seu livro. O Alentejo aparece aqui representado por alguma razão particular?Tenho uma costela alentejana, mas, mesmo sem isso, sempre simpatizei com o Alentejo. Há um potencial visual vastíssimo na paisagem e na sua história. E, claro, como este fanzine surgiu por ocasião do convite para o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja queria incluir na história uma referência à região, de alguma forma.

Que vantagem tem um adulto que continua a “acreditar” que a poção mágica possibilita uma incrível força a Astérix ou que Calvin dialoga, de facto, com o seu tigre de peluche?Porque é que continuamos a ler histórias? Porque é que continuamos a fazê-las? Livros, cinema, música, seja o que for. As narrativas, as fantasias e as metáforas ajudam-nos a pensar, a refletir, a compreendermo-nos melhor e a dialogar uns com os outros. A cultura é mesmo isso – um músculo individual e coletivo. Mesmo que não seja, de todo, verdade que o céu nos vai cair em cima da cabeça. 

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