Diário do Alentejo

Filtros na fábrica de Fortes aliviam população

15 de junho 2024 - 08:00
Em outras unidades fabris da região a poluição “é tão brutal que tapa o sol”
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

A colocação de filtros na fábrica de bagaço de Fortes, no início do ano, veio “de certa forma”, de acordo com Fátima Mourão, presidente da Associação Ambiental dos Amigos das Fortes, aliviar os constrangimentos que a população da freguesia de Ferreira do Alentejo vinha sentindo desde há cerca de 15 anos, causados pelo efeito poluidor da laboração fabril, acerca do quais se reclamava uma solução. Contudo, a responsável do movimento de cidadãos, considerando que a implementação do novo equipamento deveria ser alargada a outras fábricas congéneres, na região, sublinha que não é tempo de se “baixar os braços”, alertando para a necessidade de monitorização efetiva de parâmetros de qualidade do ar, da água e do solo.

 

Texto José Serrano

 

Localizada na aldeia de For-tes, freguesia do concelho de Ferreira do Alentejo, a fábrica de transformação de bagaço de azeitona, originário da produção de azeite em diversos lagares da região, gerida pela AZPO – Azeites de Portugal, tem a funcionar, desde o início deste ano, um novo sistema de filtragem. O objetivo da instalação da nova tecnologia é diminuir as emissões de fumos poluentes para a atmosfera e, consequentemente, de odores nauseabundos, originários da laboração, problema com que se debate, na aldeia, a população, protestando, desde há cerca de 15 anos, contra o que considera ter-lhe retirado qualidade de vida.

Fátima Mourão, presidente da Associação Ambiental dos Amigos das Fortes (AAAF), entidade que nasceu formalmente, em 2018, da “luta” travada pela comunidade contra a poluição causada pela fábrica, revela, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que a solução agora encontrada veio diminuir, significativamente, as emissões da chaminé. “A pluma de gases e fumo, que visivelmente percorria quilómetros e quilómetros, é agora muito menor, está confinada”. Contudo, informa, uma vez que a fábrica dista da maioria das casas da aldeia pouco mais de 200 metros – “uma proximidade brutal, por isso é que esta fábrica nunca devia ter existido no sítio onde existe” –, se o vento for favorável à povoação, o cheiro persiste. “Há sempre dias menos bons, embora não tão maus como os que tínhamos”, considera. Quer isto dizer que, embora tenha sido, “sem dúvida”, diminuído, o problema não está totalmente resolvido, uma vez que, para além de continuarem a existir “esses focos de pluma, continuamos com as fossas de bagaço de azeitona a céu aberto, a fermentar no verão…”, com o cheiro daí proveniente a persistir, “mesmo quando não há emissões [da chaminé]. Isso não está sanado”, frisa a responsável da AAAF.

Para Fátima Mourão, expondo que, embora haja “falta de legislação específica – não há lei para o cheiro” –, os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa incluem os direitos “à qualidade de vida e saúde”, não tendo sido estes, neste caso específico, salvaguardados, uma vez que, enfatiza, “a proteção à população falhou”. E questiona: “Será que houve inércia política? Como é que, desde 2009, os políticos não conseguiram pressionar mais? Como é que as instituições não se conseguiram articular e fazer este trabalho? Não sabemos. Agora apareceram estes filtros e ficamos muito contentes. Mas 15 anos foi muito tempo”, sublinha.

Desta forma, Fátima Mourão exalta a importância da criação do movimento de cidadãos, ao qual preside, para a visibilidade e credibilidade da “bandeira” de uma população que se manifestava “mas não conseguia ter respostas da parte de ninguém, das instituições, dos políticos. Termo-nos juntado deu-nos força e tornou institucional esta causa – sem a existência da associação, provavelmente, o problema manter-se-ia inalterado”. Assim, considera “ser uma pena” estar a assistir-se “à morte” do associativismo em Portugal. “As pessoas estão-se a afastar de causas públicas, mas se nós não cuidarmos uns dos outros, ao nível local, não cuidamos do coletivo, de forma mais abrangente. É, por isso, muito importante o civismo aplicado a uma causa, tal como em Fortes se tem verificado”.

Considerando que esta nova tecnologia presente em Fortes deveria ser implementada em outras fábricas de transformação de bagaço, na região, em benefício das populações circundantes, nomeadamente, em Alvito e junto à aldeia de Odivelas (Ferreira do Alentejo) – “onde a pluma de gases, provenientes de chaminés incrivelmente poluentes, é tão brutal que tapa o sol” –, Fátima Mourão, interroga-se, mais uma vez. “Alvito e Odivelas são um escândalo que continua na mesma, onde ninguém faz nada e não se entende o porquê. Então, se há filtro para a fábrica de Fortes porque é que os responsáveis políticos não exigem que nestas outras se coloquem, também, estes filtros? A poluição existe e deixam que se continue a alastrar? Será que os filtros se colocaram só porque a população de Fortes se manifestou? Isto são incógnitas muito grandes – lá estamos nós a assistir à tal inércia política”. Como resposta às suas perguntas, Fátima Mourão arrisca: “Dá a sensação de que se não houver reclamações da população já não há problema nenhum, que se pode continuar a poluir, com detrimento para as plantas, para os animais, para a população que, infelizmente, não protesta”.

Afirmando que a AAAF, não obstante este avanço, vai continuar a existir “enquanto houver a vontade manifesta por parte dos seus associados e dos habitantes” de se zelar comunitariamente pela qualidade de vida da população, a responsável alerta para que a fiscalização da fábrica, no âmbito das suas emissões e na sua relação com a qualidade do ar, da água e do solo, seja efetivamente constante. “A monitorização destes parâmetros nunca foi feita. Não basta apenas porem os filtros e dizer que ‘já está tudo bem’. Precisamos de saber, de facto, se os valores recomendados estão, ou não, a ser ultrapassados. É verdade que, de certa forma, estamos satisfeitos com a implementação desta tecnologia de filtros. Aliviou-nos. Mas isso não significa que tudo está resolvido e que o futuro correrá a nosso favor. Não podemos baixar os braços. Precisamos saber acerca do ar que respiramos”, conclui.

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