Diário do Alentejo

“Há quem tenha a poesia por perigoso veneno”

01 de junho 2024 - 12:00
A escrita lírica, satírica e “de mistura” de Martinho Marques
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

Martinho Marques, 74 anos, natural de Albernoa, Beja

Frequentou o Liceu de Beja e o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras em Lisboa. Foi técnico de operações de Meteorologia na Força Aérea Portuguesa. Licenciado em ensino da Matemática, pela Universidade Aberta, foi professor da disciplina durante mais de 30 anos. Publicou mais

 

 

 

O poeta Martinho Marques apresentou, recentemente, na Biblioteca Municipal de Beja, o livro Quando Ela Está Não Entardece Tanto. A obra conta com fotografias de António Cunha.

 

Como nos apresenta este seu mais recente livro?É uma coletânea de poemas, da colheita deste ano, naturalmente, depois de ter deixado passar o tempo de ficar a gostar deles. O livro, que inclui, em páginas duplas, oito fotografias do António Cunha, com proximidade aos poemas, procurei dividi-lo em duas partes, de maneira a separar os textos mais líricos dos mais satíricos, embora admita que isso não foi fácil de fazer, porque alguns desses poemas poderão ser de mistura.

 

A capa é baseada numa fotografia do autor, em contraluz, com cerca de 50 anos. O objeto poético de Martinho Marques tem alguma similitude nestas duas datas?Naturalmente. Embora possa não haver grande similitude entre o meu estado físico nas duas épocas, a minha escrita de ontem e de hoje é basicamente ditada pela minha preocupação de sempre e que pode traduzir-se numa quadra de Queria Ainda Cigarras nas Palavras: “São palavras que eu queria que soassem/ e, entre as sonantes, as que mais dissessem,/ que fossem incomuns, mas acordassem/ o coração nos mais comuns que as lessem”.

 

Reuniu neste livro 55 poemas, todos escritos ao longo do passado ano. O que revela este “desassossego de poeta”?Se desassossego existe, ele deve revelar a consciência de eu ter cada vez mais menos tempo para a escrita. Daí a inquietação e a decisão de escrever “hoje, porque amanhã talvez não possa”.

Num mundo “aprisionado” à tecnologia, em que as palavras sucumbem à imagem, escrever poesia é hoje um ato de rebeldia, de resistência?Creio que não é bem isso. Deve ser mais um ato natural de alguns poetas ao “usarem as mesmas palavras com que os seus semelhantes dizem bom dia e, ao mesmo tempo, de as trabalharem de forma a tentarem salvá-las do uso e da promiscuidade a que estão sujeitas” – escrevi isto em O Nómada Sentado, há cerca de 30 anos. Mesmo tendo a consciência de haver quem tem a poesia por perigoso veneno a evitar e de haver outros poetas que não ajudam lá muito, por usarem sequências de palavras tão banais que não provocam viagem ou tão originais que apenas servem para viajarem sozinhos.

 

Um poema, se me permite, deste seu livro…Talvez a quadra que o introduz e que não entra na contagem dos 55 poemas: “Ainda que me sinta entardecer,/ enquanto espere o espanto e o encanto/ da que me for poesia ou for mulher,/ se ela estiver não me entardece tanto”. José Serrano

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