Diário do Alentejo

Conhecer pessoas “é a melhor recompensa das minhas viagens”

23 de março 2024 - 12:00
Manuel Montes, um viajante ciclista de trilhos desconhecidos

Manuel Montes, 33 anos, natural de Serpa

 

Aos 12 anos foi viver para Beja. Aos 19 ingressou no Exército Português, nas forças especiais Comandos, onde esteve durante seis anos. Um dia pensou que “precisava de mais”, de ver o mundo com os seus próprios olhos e, em 2015, aos 25 anos, resolveu fazer a sua primeira viagem de bicicleta. Tirou três meses de licença sem vencimento e foi “pela Europa afora”. Depois de mais de 6000 quilómetros pedalados, ao longo de 19 países, regressou com um cão, que encontrou numa montanha da Sérvia, que hoje vive com a sua irmã.

 

Manuel Montes viajou de bicicleta, em nove anos, por dezenas de países. Regressou agora a casa, depois de três meses a pedalar pela Ucrânia.

 

Desde 2015 que percorreu de bicicleta mais de 40 países. Do que anda à procura?

Comecei a viajar para poder ver o mundo com os meus próprios olhos. Viajo para que possa voltar a acreditar na humanidade, na essência boa do ser humano. Para espanto de muitos, tenho conseguido isso.

 

Qual o episódio mais invulgar por que passou?

Na Colômbia, quando entrei na zona da guerrilha, estive duas horas com uma arma apontada à cabeça, até que os guerrilheiros acreditassem que eu não era polícia, nem trabalhava para o governo colombiano, nem para a DEA [agência antidrogas dos Estados Unidos da América].

 

Pertenceu ao Regimento de Comandos do Exército Português. O treino que recebeu tem contribuído para levar estas viagens de forma mais serena?

Não tenho dúvidas de que o treino que recebi nos Comandos me deixou mais preparado para enfrentar dificuldades que a vida me coloca e, obviamente, que viajar de bicicleta exige muito esforço físico e psicológico.

 

Ao longo dos últimos três meses percorreu a Ucrânia de bicicleta, fazendo mais de dois mil quilómetros e chegando a Zaporizhzhia, na linha da frente da guerra. O que o motivou a fazer este perigoso “passeio”?

A motivação que me levou a percorrer a Ucrânia está relacionada com a questão da sensibilização. Penso que nos estamos a esquecer que esta guerra na Ucrânia está, efetivamente, a acontecer e que esta guerra também é nossa. Não nos podemos esquecer disto, porque hoje é a Ucrânia e daqui a 10 anos começa a ser a Europa, pois o “senhor da guerra” não vai querer parar por ali, por uma questão de ego próprio.

 

Prefere trilhos arriscados a ciclovias seguras?

Sem dúvida. Prefiro, muito mais, o desconhecido, pois os melhores momentos são aqueles que nos aparecem sem estarmos à espera.

Qual a recompensa que trouxe destes 90 dias pela Ucrânia?

A melhor recompensa que trago das minhas viagens é, sem dúvida, o conhecer pessoas. Nesta viagem pela Ucrânia conheci tanta gente boa, tanta gente que me ajudou, que me reforçou, ainda mais, a ideia de que esta guerra tem que ser parada, por todos nós.

 

Está neste momento em Serpa. Quando regressa a casa consegue desfrutar do sossego da região ou a paixão pela aventura atraiçoa-lhe o vagar?

Na verdade, é um misto de sensações. Adoro o sossego do “nosso cantinho”, mas preciso do desassossego das viagens. Como cantava um grande senhor da música portuguesa [António Variações] eu só “estou bem aonde não estou, porque eu só quero ir aonde eu não vou”.

 

Onde será a próxima viagem?

Começa já no dia 1 de abril. Regresso à Roménia e irei de barco até à Geórgia. Depois seguirei para a Arménia e para o Irão… são esses os planos que tenho por agora, para os próximos meses.

 

Texto | José Serrano

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